publicado dia 20/01/2023

MEC: 3 perguntas para Pilar Lacerda sobre desafios e expectativas para a Educação 

Reportagem:

Um Ministério da Educação (MEC) com capacidade de dialogar democraticamente para encarar os enormes desafios da Educação no Brasil. Essa é a expectativa da consultora e educadora Pilar Lacerda, que ocupou o posto de Secretária de Educação Básica no MEC entre 2007 e 2012, é ex-diretora da Fundação SM e parte do Coletivo Articulador do Centro de Referências em Educação Integral. 

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Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, a especialista analisou a composição escolhida para a pasta, além da expectativa com relação às políticas educacionais e da importância do combate à evasão escolar. 

“O MEC é público, representa o povo brasileiro e tem que conversar com todo mundo: empresários, movimentos sociais, sem terras, indígenas, universidades. A escuta e o diálogo democrático precisam ser práticas constantes”, afirma Pilar. 

Leia a entrevista completa:  

Centro de Referências em Educação Integral: O novo ministro do MEC, Camilo Santana, citou em sua posse o educador Paulo Freire, muito criticado pelo presidente anterior, finalizando o discurso com a frase “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, os homens se libertam em comunhão”. Como a senhora analisa a citação ao educador brasileiro e outras propostas presentes no discurso de posse? Em outras palavras, o que podemos esperar dessa nova gestão com relação às concepções de Educação?

Pilar Lacerda: Achei muito importante e estratégico. Ao citar Paulo Freire, ele demarca também por onde a gente vai caminhar. Ou seja, vamos nos preocupar com uma Educação pública para todos, uma Educação que também ensine a tentar. Educação não é simplesmente repetir e decorar, é principalmente refletir. Quando o governo pontua e demarca com frases e citações do Paulo Freire, ele está dizendo a que veio. 

“Educação não é simplesmente repetir e decorar, é principalmente refletir. Quando o governo pontua e demarca com frases e citações do Paulo Freire, ele está dizendo a que veio”, diz Pilar Lacerda. 

O que me intriga é que as pessoas nunca leram Paulo Freire e falam absurdos. Por exemplo, alegavam que a educação brasileira vai mal por causa de Paulo Freire. Paulo Freire foi perseguido, expulso do país, viveu exilado muitos anos e é um dos educadores mais respeitados do mundo. No entanto, ele nunca pôde implementar as suas ideias, as suas teorias sobre a escola. Mas ele escreveu muito. Basta dizer que ele era tão “perigoso”, entre aspas, que, quando entrei na faculdade de Educação nos anos 1970, ninguém lia Paulo  Freire porque era proibido. Os livros eram censurados ou editados porque ele falava de libertação e cada vez que você tem mais consciência do seu lugar no mundo, mais forte você se torna. E como você tem consciência sobre o seu lugar no mundo ? Aprendendo a ler e escrever, tendo um lugar que respeita suas dúvidas, um lugar que te ajuda a refletir e que te faça ter um vazio de pensamentos. Ou seja, provocando dúvidas e perguntas. 

É o contrário das escolas autoritárias e tradicionais, que ensinam a decorar. Quando o governo fala sobre Paulo Freire na sua abertura, ele está dizendo sobre o respeito a esse brasileiro, reverenciando Paulo Freire, reforçando a necessidade de uma Educação pública e de qualidade.

Trata-se de um começo muito importante. Da mesma forma, deveríamos reverenciar outros nomes como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, além de homens e mulheres que lutam pelo reconhecimento da Educação brasileira.

CR: Diante dos desafios estruturais da Educação e do desmonte dos investimentos na administração anterior, sinalizados inclusive pela Agenda 227, da qual você fez parte,  por onde e como começar o trabalho de recuperação da Educação no Brasil?  

PL: Primeiro, o diálogo: chamar o maior número possível de pessoas da área para conversar e escutar. A questão dos últimos seis anos na gestão da Educação brasileira, incluindo os dois do governo de Michel Temer, foi o autoritarismo e a falta de diálogo. Então, o primeiro ponto é esse: escutar, mesmo aquelas pessoas sejam do outro canto, mas vamos escutar. O segundo é manter o caráter público do MEC.

“Precisamos entender que nenhum país fez grandes melhorias na Educação com professores e professoras fracos ou desrespeitados”, defende a especialista

O MEC é público, representa o povo brasileiro e tem que conversar com todo mundo: empresários, movimentos sociais, sem terras, indígenas, universidade. O MEC deve ser o lugar de ouvir e refletir sobre o que o outro está falando. Então, a escuta e o diálogo democrático tem que ser prática constante. O terceiro ponto é mobilizar a comunidade e o país. 

Temos que fazer essa mobilização e nos incomodar com crianças fora da escola e não aceitar a evasão. Enquanto qualquer brasileiro entre 4 e 17 anos estiver fora da escola, a Constituição está sendo desrespeitada. 

O quarto ponto é a valorização da carreira docente. A valorização não é só com salários, é com salários também, mas é uma carreira atraente, respeitada. Precisamos entender que nenhum país fez grandes melhorias na Educação com professores e professoras fracos ou desrespeitados. Então, é preciso valorizar a carreira docente, com salário, carreira e condições de trabalho. 

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CR: Como a senhora analisa a composição da pasta anunciada até o momento? O que ela sinaliza em termos de prioridade para a educação brasileira nos próximos anos?

PL: Primeiro, a melhor sensação é saber que temos o MEC de novo. Um MEC que dialoga, que apresenta propostas coerentes. Segundo, a escolha do ministro. Em que pese o fato dele não ser da Educação, ele foi um grande gestor no Ceará, o que politicamente dá força para o MEC. Além disso, trata-se de uma escolha que deixa o MEC sob o comando de um petista, ou seja, do partido que venceu as eleições. 

Vale destacar também que o ministro fez uma composição muito interessante ao formar a equipe. Ele pensou na diversidade e na representatividade das mulheres. Sua secretária-executiva, Izolda Cela, entende muito de Educação Básica e apresenta bons resultados em seu trabalho. Esse começo é animador.

*Por André Nicolau

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