publicado dia 10/06/2022
Arranjos de Desenvolvimento da Educação apoiam municípios durante a pandemia
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 10/06/2022
Reportagem: Ingrid Matuoka
Quando a pandemia teve início em 2020, o trabalho colaborativo entre municípios por meio dos Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADEs) foi essencial para organizar as diversas maneiras pelas quais as escolas manteriam vínculo com seus estudantes e famílias, desde a definição de qual deveria ser o papel das instituições no contexto, até a organização do trabalho pedagógico remoto, a entrega de cestas básicas e a criação de protocolos sanitários.
“Para os municípios que já faziam parte de um ADE antes da pandemia, trabalhando colaborativamente, foi um grande diferencial para vencer os desafios que vieram com o fechamento das escolas porque eles se apoiaram mutuamente”, afirma Maria Paula Mäder, doutora em Educação e pesquisadora do Instituto Positivo (IP), organização da sociedade civil que acompanha de perto o trabalho dos ADEs brasileiros desde 2015.
A proposta dos Arranjos, que foi homologada pelo Ministério da Educação (MEC) em 2011 e incluída como uma opção para o alcance das metas previstas no Plano Nacional de Educação (PNE), é um modelo de trabalho entre redes educacionais vizinhas e com similaridades sociais e educacionais, sobretudo de pequeno e médio porte. Esses municípios se unem para trocar experiências, planejar e trabalhar em conjunto, somando esforços, recursos e competências para melhorar a qualidade da Educação ofertada.
Logo no início da pandemia, o ADE-SP 1, composto por sete municípios do interior paulista, adotou reuniões virtuais semanais e promoveram formações e tomaram decisões compartilhadas de busca ativa, protocolos de transporte, como incluir a todos e todas no ensino remoto e atender os mais socialmente vulneráveis e as pesquisas e organização para criar condições para o retorno presencial.
“Posso afirmar categoricamente que as reuniões semanais do ADE – SP1 nos trouxe a construção de uma rede verdadeiramente colaborativa, pelo acolhimento, confiança e segurança enquanto grupo de apoio. Ficamos mais fortalecidos em nossos municípios para dialogarmos com a comunidade e com os governos municipais. A partir da colaboração de todos, desenvolvemos amplamente a empatia e a resiliência para não nos desesperarmos diante dos desafios”, compartilha Maria Thereza Cyrino, Secretária Municipal de Educação de Jacareí (SP).
Já no Maranhão, o ADE dos Guarás, que conta com nove municípios do litoral norte do estado, se articulou para dividir o trabalho burocrático de criar modelos de atas, de termos de responsabilidade, de recebimento da alimentação escolar distribuída no período, bem como orientações técnicas sobre conservação e higienização de alimentos e outros protocolos. Com a parte burocrática resolvida, os municípios puderam se concentrar em promover a garantia de direitos e o vínculo com os estudantes e as famílias.
Em relação ao ensino remoto, os municípios também trocaram materiais pedagógicos produzidos para o período e que serviam de inspiração e apoio para os professores elaborarem seus próprios conteúdos adaptados a cada contexto e turma.
“O potencial dos ADEs diante disso está na possibilidade de sonhar grande, já que podemos ir atrás desses objetivos juntos”, afirma Tereza Perez
“A pandemia foi um dos maiores desafios que já enfrentamos, mas ficou mais fácil com o ADE porque às vezes temos um problema e o vizinho criou uma solução simples, que nem passou pela minha cabeça fazer, e que me ajuda aqui também. E o que eles tentaram e de repente não foi tão exitoso, já sabemos que não é o caminho e podemos investir em outros”, conta Maria Gorethi dos Santos Camelo, assessora técnica do ADE dos Guarás e formadora de professores.
A partir da imunização da população brasileira e da queda no número de mortes e casos de Covid-19, as escolas começaram a retomar as atividades presenciais e a encarar novos desafios.
“Revisitamos muitas coisas durante a pandemia: como o racismo e as desigualdades impactam as condições de aprendizagem, a estrutura escolar e a questão dos tempos e espaços e sua relação com as tecnologias digitais. Agora, precisamos trazer todos esses saberes, que são muito vivos, para repensar a escola, garantindo a participação efetiva das crianças, adolescentes, famílias e educadores. O potencial dos ADEs diante disso está na possibilidade de sonhar grande, já que podemos ir atrás desses objetivos juntos”, afirma Tereza Perez, diretora da Comunidade Educativa CEDAC, a respeito do direcionamento do trabalho que a instituição desenvolve junto aos Arranjos que acompanha.
De acordo com o MEC, até agosto de 2021 o país contava com 13 ADEs em seis estados brasileiros: Bahia, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Juntos, eles reúnem 225 municípios e 414 mil matrículas da Educação Básica.
“Por meio desse trabalho colaborativo, os municípios já conseguiram diminuir a exclusão escolar, avançar na correção de distorção idade/série escolar, elevar o Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb), promover formações continuadas e aprimorar currículos e a qualidade do trabalho pedagógico”, relata Maria Paula Mäder.
“Os municípios já conseguiram diminuir a exclusão escolar, avançar na correção de distorção idade/série escolar, elevar o Ideb, promover formações continuadas e aprimorar currículos e a qualidade do trabalho pedagógico”, relata Maria Paula Mäder.
Para Angela Luiz Lopes, coordenadora pedagógica da CE CEDAC, os ADEs também são fundamentais no enfrentamento às desigualdades educacionais entre os municípios: “Como podemos falar de sucesso educacional se só uma rede ou outra alcançam bons níveis de qualidade da educação e outras tantas não? Como podemos falar de direito de ir e vir dos estudantes, diante dos muitos movimentos migratórios que temos pelo país, se o direito de aprender não será garantido equitativamente em todos os lugares? Por isso precisamos pensar em oportunidades do território, não de uma rede”, defende.
Pelo Brasil, cada ADE atende a particularidades específicas de cada território e suas populações. O Arranjo do Piauí, por exemplo, identificou um problema comum de evasão escolar nos municípios, que passaram a organizar competições esportivas que ajudaram a incentivar a permanência dos estudantes na escola.
“Em Santa Catarina, o ADE vem formando não só os professores, mas também os gestores escolares em conjunto, porque perceberam que uma administração adequada seria importante para melhorar a qualidade da educação. Sem a parceria entre municípios, isso seria bem menos viável”, relata Maria Paula.
Outro papel crucial que os ADEs desenvolvem é de colaborar para a continuidade de políticas públicas e programas nas trocas de governo, uma vez que ajudam a pautar a nova gestão a respeito das demandas locais e dos caminhos que já vêm sendo trilhados. “Na última eleição municipal, dos nove Secretários do ADE apenas dois permaneceram, então tive que refazer o trabalho de conquista desses gestores, de reorganização do trabalho para que pudesse dar continuidade ao nosso trabalho”, conta Maria Gorethi, assessora técnica do ADE.
Para dar continuidade a esses trabalhos, contudo, os Arranjos enfrentam desafios, como falta de investimentos e políticas públicas, e de aproximação com as Secretarias Estaduais de Educação e o próprio MEC. “Políticas indutoras e a constituição do Sistema Nacional de Educação são fatores que podem potencializar os esforços dos ADEs em melhorar a qualidade da educação em nosso país”, destaca Tereza Perez.