Com apoio da comunidade, Almirante Tamandaré garante direito à educação durante a pandemia
Publicado dia 29/09/2020
Publicado dia 29/09/2020
Conseguir manter algum vínculo com crianças e adolescentes durante o isolamento social é um dos principais desafios que as redes de Educação de todo o Brasil enfrentam, sobretudo por falta de aparelhos tecnológicos, acesso à internet e entraves para entrega de materiais impressos. Mas em Almirante Tamandaré (PR), as escolas recorreram à comunidade e, com esse apoio, agora alcançam a todos e todas, da Educação Infantil ao EJA (Educação de Jovens e Adultos).
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Isso foi possível graças ao projeto Casas Sementeiras. São mais de 300 pessoas da comunidade que abriram suas casas para receber os materiais escolares de alguma escola próxima e distribuí-los, a cada quinze dias, para dez famílias que vivem no entorno, o que também ajuda a evitar aglomerações para retirada dos materiais nas instituições de ensino.
Para levar os materiais da escola até as Casas Sementeiras, gestores escolares e outras pessoas da comunidade que possuem carro têm se voluntariado para fazer essa distribuição. As escolas também oferecem máscaras, luvas e produtos de limpeza para que todo o processo ocorra de forma segura.
O acompanhamento das Casas Sementeiras é realizado de forma contínua de modo que, caso alguém contraia Covid-19, ela seja temporariamente desativada.
“Chamamos a comunidade para assumir sua parcela de responsabilidade na educação de nossas crianças, como pede a educação integral e a própria Constituição Federal. E agora temos muitas Casas Sementeiras de pessoas que nem têm filhos na escola, e vimos uma analfabeta abrir sua casa e isso fez com que depois ela se matriculasse na EJA”, relata Jucie Parreira, Secretário de Educação do município.
Para convocar a comunidade, os gestores escolares recorreram aos grupos do bairro e outras pessoas da comunidade com quem já vinham cultivando essa participação nos últimos anos. A prefeitura também realizou eventos online divulgando o projeto e engajando moradores. Ao receber as inscrições, as escolas checavam a ficha criminal em busca de infração aos direitos das infâncias e realizavam um cadastro.
Otilia Kelly dos Santos é uma das pessoas da comunidade que se dispôs a fazer de seu lar uma Casa Sementeira. “A comunidade é uma entidade educativa e tem que se unir à escola e aproveitar todo e qualquer momento para educar. E tem sido legal porque eu acabo conhecendo um pouco mais os vizinhos e criando um vínculo afetivo.”
Aém de receber e distribuir materiais escolares, as Casas Sementeiras são incumbidas de uma segunda função: proteger mulheres e crianças. Assim, os participantes do projeto são orientados a conversar com as famílias sobre como está a criança ou adolescente, se precisa de algo, como está a alimentação, se teve algum caso de Covid-19 e, muito atentamente, estar alerta a sinais de possíveis violações de direitos.
“Durante muito tempo, nossa cidade foi conhecida por sua alta vulnerabilidade social e índices de violência alarmantes. Em 2016, Almirante Tamandaré foi a 6ª cidade brasileira que mais matou mulheres. Daí a importância desse cuidado com quem acessa essas Casas Sementeiras e, nas duas pontas, quem pega e quem entrega os materiais, a maioria são mulheres. Então a cidade que mais maltratou suas mulheres é a que tem construído outra educação e reduzido os índices de violência, também por meio delas”, afirma o secretário.
As caixas que são entregues às famílias contêm dez atividades impressas para serem realizadas ao longo de quinze dias, e qualquer recurso que possa ser necessário para realizá-las, como cola ou tesoura. Ancoradas na BNCC e nos currículos do estado e do município, as práticas se contextualizam a partir das características de cada território e pelas questões da rotina e do cotidiano dos estudantes e das famílias.
“Para o berçário, por exemplo, propusemos uma observação sensorial durante o banho. Já para a EJA estamos desenvolvendo registros e escritas de receitas feitas durante a pandemia”, afirma Jucie.
Passados os quinze dias, quando a família retorna à Casa Sementeira para pegar a nova caixa, ela também deixa as atividades realizadas, que serão encaminhadas aos professores, para que eles construam um processo de validação e avaliação dessas aprendizagens.
Para elaborar essas atividades, a rede criou um sistema de divisão dos professores. Todos os educadores da rede que lecionam para um mesmo ano formam um grupo, que se subdivide em duplas, que atuam no preparo e organização de duas das dez atividades da quinzena. A proposta retorna ao grande grupo, onde os docentes debatem sobre a coerência entre as práticas e enviam as atividades para a escola, que pode adaptá-las de acordo com a sua realidade.
“Agora, ainda mais do que antes, precisamos pensar fora da caixinha. Por isso essa troca e trabalho colaborativo tem sido tão importantes”, afirma Vanessa Quaresma, coordenadora pedagógica da escola Lourenço Ângelo Buzato.
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