Escola integra famílias e comunidade em meio a dificuldades estruturais
Publicado dia 17/06/2015
Publicado dia 17/06/2015
É corriqueiro constatar que as escolas públicas brasileiras encontram muitos desafios no seu dia a dia. Questões que vão desde estruturas físicas precárias ao relacionamento com as famílias e comunidade ou com a gestão pública. Diante disso, muitas instituições acabam encontrando nas dificuldades algumas soluções mobilizadoras. É o caso do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Educar é Viver, localizado no subúrbio ferroviário de Salvador, um complexo de bairros da periferia soteropolitana.
Desde o início de sua história, a escola tem como aspecto fundamental a cooperação da comunidade na reivindicação de suas demandas. Sua construção, em um terreno onde antes havia uma quadra de futebol ociosa, se deu a partir da mobilização popular. A instituição, que antes possuía o título de Creche Educar é Viver, foi criada pela Secretaria de Ação Social do Governo do Estado da Bahia, e só depois de 2008 passou para a Secretaria Municipal da Educação, quando ganhou a destinação de CMEI.
Há 5 anos, quando o município assumiu a gestão da escola, o quadro de funcionários foi modificado. Foi nesse momento que a atuação de Cristina Gomes, coordenadora pedagógica, e Maria de Fátima, diretora, teve início. As duas uniram forças a outros profissionais como professores, auxiliares de educação infantil, merendeiras, nutricionista, secretária escolar, auxiliar de serviços gerais e porteiro.
A equipe se deparou com necessidades básicas: o prédio de construção antiga precisava de uma reforma em toda sua estrutura. Aos poucos foram surgindo problemas de ordem elétrica e hidráulica que causaram muitos transtornos. Ao mesmo tempo, os alimentos fornecidos pela Secretaria de Educação não eram suficientes para a dieta completa das crianças atendidas, em idades de 1 a 5 anos. Quando havia feijão, faltava carne. O leite era servido puro, pois o farináceo para o mingau não chegava. Essa situação se prolongou até o dia que o estoque de comida ficou vazio. Então, a direção e coordenação solicitou aos pais ajuda para o complemento das refeições. Ciente da urgência do quadro, uma mãe ligou para a Secretaria de Educação e reclamou que o filho não poderia ficar sem proteína no almoço. No dia seguinte, um caminhão chegava à escola, com novo estoque de alimentos.
Após o episódio da falta de alimentos, a Secretaria de Educação passou a ouvir mais as reivindicações da escola, por meio dos pais. Se antes os pais consideravam os professores mero cuidadores e os educadores achavam que os pais não tinham muito interesse no sistema de aprendizado dos filhos, agora eles se aproximavam para garantir uma educação de qualidade para as crianças.
E as ocorrências não cessaram: um vazamento de água invadiu todo o primeiro andar do prédio e um problema na fiação elétrica causou um incêndio na biblioteca. Ninguém se feriu, e o fogo foi contido a tempo de preservar o acervo. Desesperadas, as famílias convocaram a imprensa para noticiar os acontecimentos.
Como consequência, a escola recebeu a visita da vice-prefeita da cidade, que divulgou no site da prefeitura a necessidade de reconstrução do espaço. Para consolidar o diálogo entre pais e professores, foram criadas três novas formas de aproximação: avaliação conjunta, comissão de pais e reuniões temáticas.
Durante um semestre, acontecem quatro avaliações com os pais que atuam na comissão. As famílias ficam responsáveis por esclarecer questões psicopedagógicas e sobre o desenvolvimento das crianças, além de expressar suas visões e poder alterar as análises realizadas pela equipe escolar.
Questões gerais da escola também são discutidas nessas reuniões. É o caso do debate sobre a ameaça que uma professora recebeu: entende-se que também é papel da família atuar sobre a resolução de conflitos. Outros tópicos abordados incluem eventos extracurriculares, necessidades de recursos e reivindicações junto à gestão pública.
Já as reuniões temáticas, que acontecem a cada mês, surgiram para que o diálogo fosse cada vez mais aprofundado entre as famílias. Durante esses encontros, um assunto de interesse coletivo é discutido, como empreendedorismo, relacionamento com avós, saúde da mulher, saúde dos homens, entre outros.
Para discutir conflitos entre pais e filhos, uma terapeuta ocupacional atua eventualmente de forma voluntária junto a escola promovendo encontros formativos.
A CMEI funciona em tempo integral, das 7h30 às 17h, com um corpo docente de nove professores. O compromisso da instituição está embasado no desenvolvimento integral da criança. As capacidades intelectuais, morais, sociais e psicológicas são incorporadas em atividades que vivenciam a criatividade, o raciocínio e a cidadania desde os primeiros anos de vida.
Com o currículo pautado no brincar, as experiências lúdicas são prioritárias na expansão emocional e psicossocial da criança e no seu desenvolvimento da oralidade. A música está sempre presente e as crianças participam de um coral organizado pelos professores. Contação de histórias, mediação de leitura e rodas de conversa complementam as atividades diárias.
A preocupação com o meio ambiente é um eixo norteador do currículo e o tema é frequente em todas as aulas. O contato com a terra e a sustentabilidade são temas incorporados também à matemática.
Entre as atividades de aproximação estão as “Terças-feiras Culturais”, oportunidade das crianças ouvirem e contarem histórias, com a plateia formada por seus pais e familiares. A sexta é reservada para brincadeiras, que têm mobilizado a apresentação das crianças em um circo no bairro.
A autonomia já é trabalhada nessa fase: os professores buscam incentivar que as crianças sejam autoras na construção de seus processos de aprendizagem.
A união entre família e equipe escolar, que emergiu durante as situações de crise, fez com que a escola criasse meios para manter os pais por perto e assegurar um diálogo permanente. A direção reconhece que as atividades de aproximação dos pais foram responsáveis, inclusive, por aumentar a frequência das crianças. E, parte de um processo inevitável, essa integração também fez diferença na vida dos pais fora da escola, que perceberam uma melhora não só em seu relacionamento com os filhos, mas também em sua participação na comunidade e na desenvoltura da vida em sociedade.
A comunidade que também era distante da instituição de ensino passou a ser chamada para participar. Localizada em um bairro de difícil acesso, a escola buscou um representante na comunidade para abrir esse espaço de diálogo. Foi dessa conexão que definiu-se que um dos focos prioritários seria o meio ambiente. As aulas sobre a temática originaram cursos de extensão sobre artesanato e jardinagem para os pais.
Neste último, as famílias se mobilizaram para a criação de uma horta dentro da escola, enquanto recebiam orientações sobre o plantio. Uma oficina sobre reaproveitamento de alimentos foi criada pelas merendeiras e nutricionistas. A escola conseguiu uma parceria com um supermercado da região que, desde então, cede materiais para capinação, e alimentos como carne, frutas e verduras.
A CMEI funcionou nesse primeiro prédio antigo até o ano de 2014, quando ocorreram os problemas de vazamento de água e fiação elétrica. Na ocasião, embora a vice-prefeita tenha divulgado que a estrutura da escola não era segura, não havia espaço para transferir a escola. Pais e professores chegaram a buscar um novo local, mas os terrenos encontrados não possuíam documentação suficiente para firmar um contrato.
Seguindo a ideia de uma professora, a escola mudou-se para uma “Cidade-Mãe”, um equipamento da Secretaria Social. De 2014 até agora, a CMEI tem mantido suas atividades nesse novo local, mas há alguns meses uma parede rachou e agora sofre o risco de desabamento, gerando a necessidade de uma nova mudança.
Sem espaços vagos suficientes na comunidade, a escola e as famílias optaram por voltar para a antiga área. Um acordo firmado recentemente prevê a demolição do prédio e construção de um novo edifício. Provisoriamente, a escola deve funcionar em um contêiner, que ficará dentro da Escola Municipal Ítalo Gaudenzi.
A previsão de entrega, dada pela Secretaria, é abril de 2016. A escola e as famílias esperam que, pelo menos até o fim do ano que vem, estejam instalados sobre estruturas seguras, para que possam fornecer educação de qualidade e dar continuidade aos processos de integração.
Local
Rua A, fazenda coutos 3 – Vista alegre – Salvador/BA
Contato
cmeieducareviver.wix.com/vistaalegre
Responsáveis
Cristina Gomes e Maria de Fátima
Escola
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