publicado dia 03/03/2015

Como nasce uma escola: um relato do Instituto Casa Viva

Reportagem:

selo_como nasce uma escolaO educador mineiro Rubem Alves (1933 – 2014), no artigo “Meditação e Experimentação”, publicado no livro “Estórias de quem gosta de ensinar” afirmou: “Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos fragmentos de futuro em que a alegria é servida como sacramento, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser diferente. Que a escola, ela mesma, seja um fragmento do futuro…”

Para ele, como apresentado neste e em outros textos, as boas escolas são aquelas que fortalecem a liberdade do estudante, estabelecem relações democráticas, e em que professores são mediadores e buscam apoiar as crianças e adolescentes a identificarem e alcançarem seus desejos de aprendizagem.

E foi nessa perspectiva que o Centro de Referências em Educação Integral decidiu acompanhar o nascimento e o primeiro ano de vida do recém estruturado Instituto Casa Viva, em Belo Horizonte (MG), que tem o desenvolvimento integral dos estudantes como foco de suas ações. Periodicamente, publicaremos o que a escola tem feito e os desafios e conquistas do intenso processo de estruturar uma proposta em que educar é uma tarefa colaborativa e construída a partir do projeto de sociedade que se almeja.

Para este primeiro olhar, convidamos a equipe  a nos contar como tudo começou, narrando – em primeira pessoa – o projeto que motivou um grupo de educadores a se aventurar na empreitada de fazer nascer uma escola.

A história do projeto da Casa Viva

Por Lívia Arnaut, professora e uma das fundadoras do Casa Viva

Fotos: Instituto Casa Viva

A vida nos coloca em certas encruzilhadas nas quais torna-se impossível voltar atrás, ou mesmo “andar pra trás”, como dizem por aqui… Isso acontece em muitos campos da nossa sensibilidade, mas quando acontece no campo profissional, reverbera com muita força em nossas vidas.

Foi isso o que aconteceu com esse grupo de educadores que hoje dá início ao projeto Casa Viva.

Nosso encontro se deu na experiência de trabalharmos juntos no Instituto Libertas – uma escola que, como o próprio nome diz, nos trouxe a liberdade de realizar e pensar o trabalho de educação de outra perspectiva.

Liberdade é uma palavra poderosa. Assim como autonomia, outra palavra muito presente no cotidiano que dividimos ao longo desse anos. Movidos por esses conceitos, e confrontados com a notícia do fechamento definitivo desse espaço onde nos encontrávamos, decidimos continuar juntos em um projeto novo.

Um projeto que tem suas raízes na nossa experiência no Libertas, mas que nos dá a possibilidade de avançar ainda mais nas possibilidades que havíamos experimentado lá.

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A idealização desse novo projeto de escola foi um processo totalmente democrático, aberto a todos que quisessem participar. Porém, uma empreitada de muito trabalho, que nos exigiu muita disponibilidade de tempo e energia. O grupo que acabou se definindo ao final é formado por 11 pessoas, sendo 9 educadores, um funcionário e um casal de pais.

Nas nossas conversas, costumo usar a metáfora de uma pessoa que morou a vida inteira de aluguel e de repente se vê na oportunidade de construir sua própria casa, do jeito que sempre sonhou. É uma alegria e ao mesmo tempo um desafio, pois como donos do processo temos que lidar com muitas escolhas que até então não nos cabiam: como construir uma casa que seja ao mesmo tempo fresca e ensolarada? Ampla e aconchegante?

A partir desse desafio inicial, conseguimos listar alguns princípios organizadores para as nossas ações. Coisas que tínhamos certeza de que não queríamos e dispositivos para nos aproximarmos das coisas que queremos. A primeira lista de princípios parecia um manifesto (e de certa forma era).

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Um desses dispositivos foi a escolha da nossa organização jurídica. Somos uma “Associação sem fins lucrativos”. Isso significa que nunca poderemos dividir os eventuais lucros que a escola gere – esse lucro terá que ser reinvestido na própria escola. Essa ideia serve pra nos manter fieis ao nosso movimento inicial. Não se trata de professores abrindo uma escola para ganhar dinheiro com educação. (Nada contra, mas não foi isso o que nos moveu). O nosso desejo foi construir uma escola na qual pudéssemos acreditar. Um lugar bom pra gente trabalhar do jeito que a gente acredita.

Outra definição importante foi a criação do currículo. Uma das coisas que mais nos inquietava era a questão da separação: o conhecimento fragmentado e a solidão do professor. A certeza de que “ninguém deve estar só” é um dos nossos princípios. Para que isso se torne real, construímos uma proposta de currículo em rede, que permite que todos os professores de uma mesma área possam fazer seu planejamento coletivamente. Dessa forma, por exemplo, é possível que a Literatura, a Educação Física, a Música, as Artes Visuais, o Teatro e a Matemática possam se encontrar por meio do tema ritmo – conteúdo comum a todas essas disciplinas.

Estudando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) vimos que muitos conteúdos são comuns a várias disciplinas – o que nos permite trabalharmos todos juntos, para que o conhecimento aconteça em toda a sua complexidade e abrangência. Assim, pensar a cidade como currículo, pensar a apropriação dos espaços públicos e a expansão dos espaços educativos são pontos centrais da nossa proposta.

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A própria arquitetura da casa que escolhemos como sede da nossa escola vai propondo algumas coisas: a sala de Arte aberta pra rua, a biblioteca no centro da escola – para ir de uma sala pra outra teremos que passar por ela… São escolhas de ocupação que tivemos que fazer e que naturalmente vão-se transformando em conceitos norteadores de nosso trabalho.

E assim vamos nos debruçando sobre cada questão relativa ao nascimento de uma escola: o currículo, o funcionamento, a gestão, a arquitetura, a sustentabilidade. Para cada uma dessas questões estamos criando novas possibilidades de pensamento, de deslocamento, de fazer de forma diferente. Pela nossa experiência, sabemos que um bom projeto e boas ideais não bastam: elas precisam acontecer, precisam existir para se tornarem reais.

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Neste momento, já temos mais de 100 matrículas, e um retorno cada dia mais positivo da comunidade – prova de que muitas pessoas acreditam tanto quanto nós neste projeto. Isso nos emociona e impulsiona.

A Casa Viva iniciou seu primeiro ano letivo no dia 09 de fevereiro, com muito trabalho, muito entusiasmo, muito afeto e muita vida – outras palavras poderosas, que têm guiado nosso trabalho e os rumos dessa escola que estamos sonhando e construindo juntos.

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