publicado dia 29/04/2020
STF derruba lei que proibia debater questões de gênero na escola; entenda
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 29/04/2020
Reportagem: Ingrid Matuoka
Na última sexta-feira 24, por decisão unânime dos 11 ministros, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a Lei nº. 1.516/2015 de Novo Gama, em Goiás, que proibia a veiculação de materiais e informações sobre questões de gênero nas escolas municipais.
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Trata-se da primeira de 14 ações da mesma natureza aguardando julgamento no STF a ser derrubada. Para Denise Carreira, coordenadora institucional da Ação Educativa, há uma força na unanimidade da decisão. “Ela é muito poderosa e qualificada do ponto de vista da jurisprudência, e possibilita o questionamento de outras legislações similares pelo país”, diz.
A especialista também explica o que significa abordar as questões de gênero na escola e sua importância. Confira os principais trechos da entrevista:
Denise Carreira: Por ter a unanimidade dos 11 ministros, ela é muito poderosa e qualificada do ponto de vista da jurisprudência, e possibilita o questionamento de outras legislações similares pelo país, mas só vamos saber com mais detalhes a aplicação quando for divulgado o acórdão.
Ainda assim, essa decisão já estabelece um limite para a atuação do Escola Sem Partido e outros grupos ultraconservadores, que vêm promovendo censura no debate sobre questões de gênero, recolhendo livros e perseguindo professores; que trabalham com a desinformação da população, estimulando o pânico moral, preconceitos e discriminação.
Outra consequência da atuação desses grupos é a diminuição dos investimentos em formação de professores para debater gênero, raça e sexualidade de maneira qualificada com seus alunos e alunas. Então esperamos que a partir dessa definição haja uma retomada desses investimentos, uma vez que o STF disse explicitamente que discutir gênero é fundamental para uma educação de qualidade e para a garantia dos direitos constitucionais — e isso não combina com combina com censura, com perseguição, cerceamento e discriminação.
DC: Trata-se de discutir o que significa, na nossa sociedade, ser homem e mulher, as questões de identidade de gênero e sexualidade. É debater as violências contra meninas, mulheres, pessoas LGBT+, as desigualdades salariais, de oportunidades, e a divisão do trabalho doméstico. É discutir a gravidez na adolescência e o direito à sexualidade das meninas, meninos e jovens.
E isso também inclui debater as masculinidades, porque os meninos são ensinados a negar emoções e fragilidades, e isso faz com que a gente eduque crianças que alimentam essas desigualdades e traz muito sofrimento para eles, é opressivo.
E quando não se fala sobre essas coisas, cria-se espaço para que as violências e desigualdades cresçam, e para que nossos filhos e filhas cresçam sob o risco de serem vítimas.
DC: Porque isso é um direito humano, ancorado na nossa Constituição, nas normas internacionais e também na Lei Maria da Penha, que definiu que todas as escolas devem discutir gênero e raça para prevenir a violência doméstica. Mas também é importante para a democracia, para que se garanta uma sociedade e uma escola sem censura, com liberdade de expressão, que garanta os direitos das meninas, mulheres e pessoas LGBT.
O Artigo 206 da Constituição Federal estipula que deve haver “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.
E a escola, especificamente, é o espaço da socialização, da convivência, do debate democrático, da formação de valores democráticos, e de abordar questões que são importantes para desenvolver seres humanos capazes de conviver em sociedade, se respeitar e respeitar o outro, e não gerar discriminação, violência e destruição
É também uma forma de construir uma educação em que as crianças podem ter acesso a informações mais seguras, porque muitas famílias não têm ou negam acesso a essas informação. E a escola permite o encontro com as diferenças, que acessem outros conhecimentos, inclusive o da Ciência, porque ela é a base para a discussão de gênero e sexualidade.
DC: Há o Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas, que já teve mais de 130 mil downloads, e que oferece caminhos práticos para lidar com essas situações. Mas o que recomendamos é que os professores não tentem agir individualmente, para que não fiquem vulneráveis. Então é procurar o sindicato ou coletivos das próprias escolas, e promover uma luta conjunta para acionar o Ministério Público e retomar essa decisão do STF.