publicado dia 25/09/2023

Seminário Educação Integral em Debate discute a relação entre Educação e projeto de país

Reportagem:

🗒️ Resumo: A 2ª edição do Seminário Educação Integral em Debate começou nesta segunda-feira (25/09) com uma discussão sobre qual projeto de país desejamos e o que a Educação tem a ver com isso. Saiba como foi a conversa, que contou com a participação de Pilar Lacerda, Ednéia Gonçalves, Claudia Santos e mediação de Natacha Costa. 

Educação e projeto de país caminham lado a lado. O que o histórico brasileiro nos ensina sobre isso e qual futuro se delineia hoje? Este foi o centro da primeira mesa do Seminário Educação Integral em Debate, que começou nesta segunda-feira (25/09). 

Com transmissão ao vivo pelo Canal Futura, o evento segue até o final do dia com a participação de uma série de especialistas e educadoras. Confira a programação completa.

Assista ao evento na íntegra:

A Educação no Brasil ao longo do último século

Quando Pilar Lacerda começou a lecionar História em escolas públicas brasileiras, trabalho que desenvolveu ao longo de 25 anos, suas metas eram duas: passar por todo o livro didático, que chegava pronto, e reprovar um número bom de estudantes. Esse era o perfil de uma boa professora. Enquanto isso, o bom estudante, que levava a melhor nota por participação, era justamente o mais calado. 

“Isso reduzia a escola àquilo que o Paulo Freire traduziu tão bem de ser uma escola transmissivista, eu sabia e transmitia, e conteudista, porque o que vale é aquele conteúdo do livro didático. Por que vai ser dado, qual sentido ele faz, nem se conversava sobre isso”, disse Pilar, que foi Secretária Municipal de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte, presidente nacional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC).

Esse modelo de escola, contou a especialista, foi também o que ela viveu nos anos 60 e 70. No Ensino Superior, em meio a uma ditadura militar, lembra de ler livros de Paulo Freire em segredo. Proibidos nas instituições de ensino, as obras circulavam entre os estudantes encapadas com papel pardo. 

“Não estamos falando de uma Educação ou de um país para poucos. Temos que sempre pensar em projetos para todos, todas e todes, considerando os recortes de raça, gênero e classe”, defendeu Pilar Lacerda

“Nos anos 80, com a redemocratização, nós vamos avançando nessa reflexão de que esse tipo de escola não formava pessoas. Nos anos 90 começa esse debate sobre reprovação, aprendizagens significativas, retomando algo que desde os anos 20 existia com Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Miguel Arroyo, Paulo Freire, mas que é barbaramente interrompido com o golpe de 64”, lembrou Pilar. 

Hoje pesquisadora associada a DGPE/FGV-RJ, consultora nos projetos Museu Nacional e a Cidade Educadora e Rotas e Redes Literárias, ambos da Fundação Vale, e membro do Centro de Referências em Educação Integral, a especialista reflete sobre qual escola o mundo contemporâneo e um projeto de país democrático exigem.

Isso passa, por exemplo, por reconhecer que a reprovação é uma política de exclusão, porque atinge sobretudo estudantes pobres, pretos, da periferia das grandes cidades, regiões ribeirinhas e dos sertões nordestinos.

“Não estamos falando de uma Educação ou de um país para poucos. Temos que sempre pensar em projetos para todos, todas e todes, considerando os recortes de raça, gênero e classe. Se sonho com um país democrático, preciso de relações democráticas na escola. A gente faz a escola que a gente acredita. Precisamos fortalecer esse grupo de profissionais para fazer da escola um micro do país que a gente sonha para todos”, disse Pilar.

Por uma Educação que veja valor e potência na diversidade 

“A democracia foi duramente desafiada nos últimos anos. Foi muito difícil para nós, que valorizamos os direitos humanos como direito de todos, todas e todes, passar pelo que passamos nos últimos seis anos, com uma parcela bastante significativa que se mostrou disposta a questionar direitos sociais que foram duramente conquistados ao longo da nossa história”, relembrou Ednéia Gonçalves, socióloga, educadora e coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa

No cerne da Educação Integral está a possibilidade de fazer frente a isso, de alimentar e retroalimentar os direitos humanos e conceber a diversidade como um valor positivo. “É o aprendizado que emerge do movimento negro, indígena, LGBTQIA+, das ações que optamos por fazer coletivamente, valorizando diferenças”, diz Ednéia, que também atua como formadora de gestoras e professoras em organismos internacionais e redes públicas e privadas em diferentes Estados brasileiros na área de Educação e relações raciais. 

“Quando pensamos na Educação Integral, estamos pensando em confluência o tempo inteiro, confluência de saberes, entre os direitos. Em construir sabedoria a partir das diferenças”, disse Ednéia Gonçalves

Na prática, ela observa que isso se traduz em articular os saberes sistematizados, e os que as pessoas trazem para a escola, com diferentes maneiras de ensinar e aprender de acordo com o que está presente na cultura e no território local. É assim que se produz um aprendizado significativo para toda a comunidade escolar.

No livro A terra dá, a terra quer, de Antônio Bispo dos Santos, Ednéia encontrou uma cosmovisão que traduz esse pensamento. Na obra, Nego Bispo diz: “Não tenho dúvida de que a confluência é a energia que está nos movendo para o compartilhamento, para o reconhecimento, para o respeito. Um rio não deixa de ser um rio porque conflui com outro rio, ele passa a ser ele mesmo e outros rios, ele se fortalece. Quando a gente confluencia, a gente não deixa de ser a gente, a gente passa a ser a gente e outra gente, a gente rende”. 

“Não tem uma artesania, uma riqueza, um bordado, uma profundidade imensa nessa ideia de confluência? Quando pensamos na Educação Integral, estamos pensando em confluência o tempo inteiro, confluência de saberes, entre os direitos. Em construir sabedoria a partir das diferenças. E aprendendo com as diferenças, a gente retoma o fundamento da igualdade civil e da diversidade cultural. É esse o chão que constrói a nossa Educação que a gente chama de Educação democrática quando é baseada naqueles fundamentos da Educação popular que Paulo Freire nos ensinou”, relembrou Ednéia.

Educação integral para todas as pessoas

A Educação Integral é tão importante e aprovada socialmente que as famílias da elite e da classe média buscam garantir que seus filhos e filhas estudem em diversos espaços, tempos e ao longo de toda sua vida.

“Nossa bandeira de luta é para que essa Educação seja um direito de todos e todas, sobretudo para os filhos da classe trabalhadora”, disse Claudia Santos, professora, doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenadora pedagógica na rede municipal de ensino de Nazaré (BA).

“Enquanto um lado insiste pela manutenção dos privilégios, o outro insiste por uma Educação como direito para todos e todas”, afirmou Claudia Santos

Trata-se, portanto, de uma escola ampla, com direito à cultura e ao esporte, ciência e tecnologia. Com um tempo que se passa dentro e fora da escola, com investimentos adequados, estrutura física e projeto pedagógico robusto, de Educação comunitária.

No Brasil, foi o programa Mais Educação, que vigorou entre 2007 e 2016 e foi um dos maiores do Brasil em alcance e recursos, que pavimentou o caminho para que essa Educação pudesse chegar a todo o Brasil.

“O que veio para ficar foi a política, não o programa, porque criou algo que não tem mais volta. As escolas, com suas limitações e potencialidades, fizeram políticas municipais que estão aí até hoje. O programa fez a indução da possibilidade de uma educação ampla, com mais oportunidades. Com o golpe, e até antes, vai fazer com que o programa seja desmontado”, disse Claudia, que atuou como consultora no Mais Educação. Com o lançamento do Programa Escola de Tempo Integral, feito pelo MEC em julho deste ano, a especialista vê esperança.  

“Acumulamos experiências, o desenvolvimento da pesquisa dentro da Educação Integral e sabemos que é o caminho. Vamos superar as fragilidades e seguir com o que foi positivo. E permanecer na luta, porque enquanto um lado insiste pela manutenção dos privilégios, o outro insiste por uma Educação como direito para todos e todas”, afirmou Claudia, que também faz parte da equipe de coordenação do Observatório Nacional de Educação Integral da UFBA, do Comitê Territorial Baiano de Educação Integral e da Comissão de Secretaria da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação. 

A escola como centro de criação de políticas e conhecimentos

Para Natacha Costa, mediadora do debate, diretora-geral da Associação Cidade Escola Aprendiz e mestranda na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), um dos principais legados do Mais Educação foi ter dado autonomia às escolas, o que permitiu que elas sustentassem, ainda que a duras penas e com apoio do território e da comunidade, a agenda da Educação Integral ao longo dos últimos seis anos.  

“Como reinstaurar um ciclo de políticas educacionais que recoloque a escola em seu lugar?”, questionou Natacha Costa

“Vimos se intensificar um caráter de política massificadora, padronizada, autoritária, de cima para baixo, na qual o desempenho escolar se torna a única métrica de avaliação. Como reinstaurar um ciclo de políticas educacionais que recoloque a escola em seu lugar? Que não a coloque como mera executora de políticas que vêm prontas de Brasília, dos gabinetes, das salas refrigeradas da Avenida Paulista, para que seja possível retomar políticas que tenham compromisso com a emancipação do povo brasileiro?”, provocou Natacha.

Para Claudia, o trabalho consiste em retomar as políticas que foram atacadas e consolidá-las, com atenção à disputa do mercado. “Como defender essa Educação como direito na disputa de quem traz essa Educação como mercadoria? Os grandes empresários nunca estarão comprometidos com uma educação que revela as mazelas da sociedade, como dizia Paulo Freire”.

Edneia observou que isso tem como suporte as décadas de uma Educação baseada nos privilégios e na violência. “Sabemos que da mesma forma que a Educação Integral se baseia em uma ideia de Educação como ponto de partida para a vida digna de todos, a possibilidade de todos os conhecimentos encontrarem valorização e identidade nacional baseada na equidade, na outra ponta vemos exatamente o contrário”.

A interrupção da democracia pela classe dominante é um ciclo brasileiro, lembrou Pilar. “O medo é da formação de pessoas que pensam, que saibam discernir, decidir. Temos nos sentido um pouco acuados depois destes seis anos. Tem uma direita que saiu rapidamente do armário, um Congresso conservador, eleito pelo povo brasileiro. Mas não podemos ter medo de defender essa Educação que ajuda a refletir, que respeita e gosta das pessoas”, finalizou.

Educação Infantil e tempo integral em foco no Seminário Educação Integral em Debate 

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