publicado dia 11/02/2014
Relatora do Direito Humano à Educação analisa a formação docente no Brasil
Reportagem: Jéssica Moreira
publicado dia 11/02/2014
Reportagem: Jéssica Moreira
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, a relatora do Direito Humano à Educação da Plataforma Dhesca Brasil, Rosana Rodrigues Heringer, fez uma análise do cenário das políticas voltadas à formação docente no Brasil.
A temática foi apresentada pelo 11º Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos (EPT) da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a publicação, os professores são a chave de um processo de ensino e aprendizagem bem sucedido. Mas, para tanto, os relatores justificam a necessidade de que os docentes sejam bem formados em ações contínuas e pautadas na prática.
Rosana, que é doutora em Sociologia e pesquisadora na área de democratização do acesso ao ensino superior, políticas de ação afirmativa e desigualdades raciais na educação e integra o Conselho Fiscal da CLADE (Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação), entende que é muito difícil para o professor conciliar seu processo formativo à rotina de trabalho. “É claro que há professores muito dedicados, mas fazer um processo formativo em meio ao trabalho diário é um sacrifício material e pessoal”, explica.
Leia abaixo o posicionamento da educadora sobre o tema e questões a ele relacionadas.
Há muitas críticas acerca da formação dos professores. Geralmente, os cursos de pedagogia e/ou licenciaturas acabam sendo muito abrangentes, na tentativa de contemplar muitas áreas relacionadas aos Direitos Humanos e acabam não direcionando tanto à tarefa de ensinar.
O debate sobre currículos é sempre muito presente. E o que surge dele é que o professor deveria ter uma formação semelhante à dos médicos. Com teoria nos primeiros anos, mas algo parecido à residência em medicina, uma etapa voltada à prática. É uma ideia interessante, mas que deve ser melhor discutida, já que isso demandaria mais tempo de formação.
Temos um cenário preocupante já na formação inicial. O estágio que temos hoje deveria ser a formação prática do professor. Mas eles não dão conta, uma vez que a maioria dos cursos de pedagogia vêm acompanhados de muitos problemas. A maioria deles são ofertados por faculdades particulares que possuem pouca regularização ou qualidade duvidosa; com muitos cursos a distância e com pouca interlocução do corpo docente, o que também é bastante criticado.
Leia+: 11º relatório de educação da ONU apresenta professor como chave de uma educação de qualidade
Na formação continuada, observa-se que há algumas iniciativas. O Ministério da Educação (MEC), por exemplo, vem promovendo essa oferta em grande escala, com programas de formação relacionados à Universidade Aberta – que também é a distância -, ou por meio de programas conveniados com universidades ou secretarias.
Mas, nas condições em que os professores trabalham é muito difícil de conciliar a formação. Geralmente, trabalham em várias escolas, estão sempre correndo de um lado para o outro para complementar o salário. Desse modo, introduzir uma formação além do trabalho que o professor já exerce é difícil. É claro que há professores muito dedicados, mas hoje, participar de um processo formativo em meio ao trabalho diário é um sacrifício material e pessoal para este profissional. Olhando para a oferta atual, mesmo havendo formações pontuais em secretarias pelo país e que contemplam o tempo de trabalho do professor, elas acabam não realizando um trabalho formativo de fato.
A educação brasileira tem muitos elementos a serem melhorados, que vão além do aumento de recurso. É preciso melhorar a estrutura das escolas e as condições de trabalho; horas/aula, número de alunos nas turmas, espaços de planejamento pedagógico são algumas das questões que precisam ser pensadas.
Acredito que nesse contexto a formação de professores é uma responsabilidade do Estado; não dá pra melhorar a falta de formação deixando cada professor cuidar de forma isolada do seu próprio percurso de aprimoramento. Na grande maioria dos casos isso tem um custo alto, mas é preciso investir, é preciso qualificar nosso quadro. E para além da formação continuada, pois ainda temos muitos professores sem licenciatura ou mesmo sem graduação completa.
Acredito que a questão salarial é importante, ela é a contrapartida, compensação que o profissional tem por seu trabalho. E é, sim, um fato que desestimula muitos jovens de ingressarem na profissão. Além disso, o que eu ouço muito até em sala de aula de alunos em cursos de extensão é sobre as condições precárias de trabalho, a falta de infraestrutura das escolas, de segurança ou mesmo de autonomia pra trabalhar.
No Brasil, não se pode escolher um problema da educação e deixar os outros de lado. Estou cada vez mais convencida que não dá para isolar um elemento, mas sim trabalhar vários ao mesmo tempo. Salário e formação dos professores, infraestrutura das escolas [ambientes que não favorecem o aprendizado] são alguns dos pontos-chave. Mas, acho ainda que tem uma questão fundamental, mais difícil de trabalhar, mais subjetiva, que é a população de forma geral cobrar pela qualidade da educação. A educação deve ser tão demandada quanto qualquer outro serviço público. A Educação se universalizou, mas a qualidade ainda é uma demanda. É preciso haver pressão por parte dos alunos e famílias, além dos professores.