publicado dia 16/10/2019
Projeto Rotas e Redes Literárias estimula o prazer da leitura nas escolas
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 16/10/2019
Reportagem: Ingrid Matuoka
Um único livro contém muito mais do que uma história. Nele reside o potencial de desenvolvimento integral, de estimular o prazer pela leitura, estreitar os laços entre leitor e ouvinte, facilitar a alfabetização e apresentar o mundo aos pequenos de maneira lúdica.
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Estes são os princípios que norteiam o projeto Rotas e Redes Literárias, desenvolvido pela Fundação Vale em seis municípios brasileiros de três estados, e que encara o desafio de apoiar as políticas públicas de promoção da leitura e acesso aos livros, atuando em duas frentes: a formação de professores e a ampliação do acesso aos livros. Até o fim de 2019, o projeto terá beneficiado 195 escolas e mais de 35,6 mil alunos, tendo distribuído quase 33 mil obras.
A iniciativa é pautado pela Lei nº 12.244/2010, que determina que todas as escolas públicas tenham uma biblioteca até 2024, e movido pela tentativa de mitigar os diferentes desafios enfrentados pelas redes de ensino no país. “Quando as escolas não conseguem alfabetizar adequadamente, elas enfrentam sérias consequências, como evasão e distorção idade-série”, explica Andreia Prestes, especialista em Educação da Fundação Vale.
Um dos municípios que acolheu o projeto é Arari, localizado na Baixada Maranhense, e que conta com a parceria do Centro de Referências em Educação Integral para seu desenvolvimento.
“Nossas escolas têm um Cantinho de Leitura, que as crianças já adoram”, conta Joelma Braga, Coordenadora Geral da Secretaria Municipal de Educação de Arari, “mas o grande ganho tem sido as obras diferenciadas e as bibliotecas móveis, que são um mobiliário que permite a circulação desse acervo por vários espaços.”
Arari tem uma particularidade que chama atenção: a cidade não tem uma livraria. Com uma zona rural vasta, o acesso das crianças e adolescentes à biblioteca municipal, localizada na área central, é difícil.
A partir dessa necessidade, o projeto oferece para cada escola o dobro do número de estudantes em livros. Ou seja, se uma escola tem 200 alunos, o acervo contém no mínimo 400 obras, cuidadosamente escolhidas.
“Priorizamos a diversidade de temáticas, gêneros literários e autores, dando especial atenção às questões afro-brasileiras, às escritoras mulheres e maranhenses também”, explica Andreia.
Tampouco adianta ampliar o acesso aos livros sem oferecer um local convidativo à leitura. Foi pensando nesse desafio que Rodrigo Mindlin Loeb, arquiteto, diretor do Instituto Brasiliana e professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Presbiteriano Mackenzie, projetou um mobiliário que além de armazenar os livros, quando se abre, expõe todo o acervo de uma vez, criando um ambiente circular para sentar, explorar livremente as obras disponíveis e ler. “Essa configuração em roda fortalece a perspectiva de coletividade para as crianças”, afirma Rodrigo.
As bibliotecas móveis não só favorecem a realização de rodas de leitura em diferentes espaços da escola e dos territórios, como também propiciam a movimentação dos livros, na forma de renovação do acervo e empréstimo das obras.
Segundo o idealizador, o objetivo dessa dupla mobilidade é ir contra a sacralização da literatura, expressa nas escolas, por exemplo, pelo cadeado que tranca uma biblioteca.
Embora seja importante zelar pelos livros, o cuidado excessivo neste caso transmite uma mensagem negativa. “Isso gera uma noção de que a literatura é difícil e que as crianças devem se manter afastadas desses objetos.”
No total, já foram entregues 38 das 63 girotecas que serão destinadas as 60 escolas da rede. As demais devem ficar prontas até o final de 2019. Além dos móveis para as escolas, o projeto também conta com duas bancotecas.
“De um lado há um banco com espaço para sentar, e do outro, onde ficam as costas e no topo, há estantes. É um objeto com múltiplas funções, um conceito emprestado da permacultura”, explica Rodrigo. Elas ficarão instaladas na Biblioteca Municipal e na Casa do Professor, equipamento da Secretaria de Educação.
Corrigindo os textos de seus alunos em processo de alfabetização, Gislenilde Coelho se surpreendeu ao ver uma criança do 1º ano do Fundamental utilizando o pronome “lhe” adequadamente, tarefa que às vezes pode confundir até os mais experientes. “Perguntei de onde tinha tirado essa palavra, e ele respondeu que ouviu em uma história que alguém contou para ele”, explica a professora da escola municipal Zuleide Bogéa, em Arari.
“Ler é um momento afetivo”, diz a professora Gislenilde Coelho.
A contação de histórias ajuda a desenvolver a oralidade e a escrita, e colabora para as crianças trabalhem a imaginação. Formar os professores da rede para uma mediação de leitura pautada pela curiosidade e o prazer é a missão do pedagogo Jorge Franco de Oliveira, do Centro de Referências em Educação Integral.
“Geralmente as crianças veem a prática [da leitura] marcada pela obrigação e pela avaliação. Isso diminui as possibilidades de envolvimento real com as histórias. Além disso, os estudantes começam a associar a leitura ao contexto escolar, como algo que deve ser feito somente na escola”, diz Jorge.
Por meio de metodologias ativas, o formador trabalha questões como a acessibilidade dos livros, a importância de unir o momento da leitura às músicas, cantigas de roda e brincadeiras, a atenção às ilustrações. Faz parte da atuação do pedagogo abordar as formas de estímulo ao debate sobre as histórias e ouvir o que as crianças interpretam.
Outra tarefa do processo de formação em mediação de leitura é integrar a literatura ao território e às famílias.
“Buscamos valorizar a cultura local, fazendo uma provocação de quais maneiras isso pode ser importante para a formação do aluno”, explica Jorge, que também incentiva os educadores a trabalharem esses conhecimentos para além das festas e datas comemorativas que as escolas comumente realizam.
Gislenilde afirma que percebe quão relevante é a participação das famílias nesse processo. “Ler é um momento afetivo. Então, quando as crianças levam o livro para casa e os pais leem para ela, depois elas me contam com empolgação sobre isso. Dá para perceber como melhorou a conexão entre as pessoas.”