publicado dia 30/06/2016

Projeto político pedagógico: reflexão constante e permanente

Reportagem:

Créditos: divulgação

Créditos: Comunidade Educativa Cedac

É da Comunidade Educativa Cedac o livro Projeto Político Pedagógico: orientações para o gestor escolar entender, criar e revisar o PPP’, publicado em parceria com a Editora Moderna e a Fundação Santillana. A obra surge com o objetivo de apoiar os gestores escolares na construção e atualização do Projeto político pedagógico da escola a partir de uma perspectiva reflexiva, como explica a coordenadora executiva do Cedac, Roberta Panico.

“Partimos de um pressuposto de que as práticas de gestão devem ser refletidas e não replicadas. Por isso, o livro vem com essa proposta prática, de trazer insumos para que a gestão possa ser experimentada de um outro jeito”, coloca. Dentre as possibilidades, a publicação traz um roteiro de observação com perguntas que permite que as práticas sejam observadas, registradas e problematizadas.

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Roberta Panico fala sobre a importância dessa política, o seu processo de construção e revisão e a participação dos diversos atores da comunidade escolar. Confira.

Centro de Referências em Educação Integral: o que significa o Projeto Político Pedagógico em uma instituição escolar?

Roberta Panico: Uma questão importante dentro de uma escola é a constituição de uma equipe colaborativa de trabalho que deve ter como norte metas e objetivos comuns. O projeto político pedagógico é um produto desta equipe que constrói metas, propósitos educativos comuns e os documenta. No entanto, mais do que um produto final, o PPP traduz um processo permanente da escola que acontece em seu cotidiano. Ter papel higiênico ou não, permitir que os alunos se sirvam da comida ou não, tudo isso é projeto político pedagógico.

O que acontece, muitas vezes, é justamente um descompasso entre o documento formal e o que acontece no real. Por isso, buscamos discutir no livro esse movimento de elaboração, mas também de revisão, uma vez que a escola deve revelar em seu projeto as intencionalidades educativas existentes. O que ainda vemos com frequência é as escolas dedicarem apenas uma semana para sua construção e planejamento. Porém esse planejamento deve ser contínuo, o que é essencial, principalmente se tratando de uma organização humana como a escolar.

Para download

“… Um projeto educativo, seja escolar, familiar, ou institucional, requer revisão e ajustes constantes. Um projeto educativo é permanente. Não existe um produto final, pronto e acabado. Um Projeto Político Pedagógico exige uma reflexão constante e permanente”. (trecho do livro Projeto Político Pedagógico: orientações para o gestor escolar entender, criar e revisar o PPP, disponível para download).

CR: O que um PPP precisa contemplar?

RP: São vários os tipos possíveis de projetos políticos pedagógicos, mas há componentes essenciais. Um deles é caracterizar a comunidade escolar em que a escola está inserida, uma vez que não se pode projetar um plano de ação que não dialogue com ela. Estivemos trabalhando em um município do Maranhão, fazendo essa caracterização da comunidade escolar e alguns diretores ficaram impressionados com a quantidade de alunos que recebiam Bolsa Família. Saber que 80% deles recebiam o benefício deu um contexto social, revelou uma série de características e perfil daquela comunidade, e também as expectativas que tinham com a comunidade escolar.

Outra questão é sobre a missão, visão, valores e princípios. Mais do que trechos de textos filosóficos, essas definições precisam estar garantidas no cotidiano. A forma como os pais são recebidos, como se lida com os conflitos, como aparece a questão da disciplina, tudo isso precisa estar contemplado. É preciso fundamentar o que se quer projetar, o resto são decisões que que se toma a partir disso.

CR: Como a construção do Plano Político Pedagógico incide diretamente nas atividades escolares?

RP: O que tem que estar muito claro para a liderança escolar é que a revisão do texto pode ser feita em uma semana, mas colocá-lo em prática é todo dia. É papel da gestão escolar – diretores e coordenadores – retomar os princípios do plano político pedagógico em diversos momentos da rotina, buscando desdobrá-lo nas práticas pedagógicas. Por exemplo, nas reuniões de HTPC, é importante retomá-lo para que seus princípios balizem a aprendizagem dos alunos, por exemplo; eles também podem orientar os instrumentos de acompanhamento da escola, caso de decidir se os professores avaliam seus alunos ou se eles podem se autoavaliar. O que quero dizer com isso é que a equipe escolar tem que discutir esse projeto, e entender que ele também se estabelece nessas relações entre os profissionais escolares.

CR: Com quais atores o Plano Político Pedagógico deve dialogar?

RP: Aqui se faz necessário falar sobre mecanismos de participação, para que a escola saiba lidar com a entrada de diversos atores como diretores, professores, estudantes e familiares. No discurso, é comum ouvir que todos constroem o PPP, mas é claro que familiares não vão escrever esse projeto. Ou seja, essa participação nem sempre é igual, o que não quer dizer que ela não deva acontecer, somente entender quando e como se dá essa entrada.

Também é importante entender que a participação vem com planejamento, até porque os públicos precisam ser seduzidos, mobilizados, e essa ação também está na mão da gestão. Estamos falando de uma instituição educativa, então todo mundo que está lá tem que ter clareza de seu papel educativo, mesmo no caso de equipes terceirizadas, é preciso garantir discussões que os façam ter clareza da sua contribuição, do seu papel educativo. Então, mais uma vez reforço a importância da gestão escolar promover reuniões com suas equipes para que elas se conheçam e discutam o PPP da escola, uma forma de garantir que os valores da escola permeiem todas essas relações.

CR: Qual a importância da atuação de instâncias como conselho escolar, associação de pais e mestres, conselho de classe e grêmios estudantis?

RP: Essas instâncias são importantes pois podem colocar em prática muitos dos princípios e valores defendidos pelas escolas. Apesar dos conselhos escolares serem obrigatórios em algumas redes, se não se faz a discussão do que ele é, para que ele serve, como ele revela a intencionalidade educativa da escola, é possível que esse sentido se perca. Aqui também vejo a necessidade da gestão apoiar no planejamento e na entrada dessas instâncias, percebendo o melhor momento, como de fato se tornam representativas de seus pares, e como esse conhecimento produzido volta para o grupo.

Muitas vezes vemos diretores falarem que querem a participação, mas acabam colocando a expectativa de atender as suas necessidades e não é isso. Participar é se sentir pertencente, ter uma espaço de escuta garantido, escutar a perspectiva do outro.

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CR: Caso a escola não tenha consolidada essas instâncias, como garantir a participação das diversas representações – gestores, professores, coordenadores, estudantes e famílias?

RP: Acho que tudo parte de um movimento de construção. Já estive em redes que não tinham conselho escolar, mas tinham forte a questão da participação entre a comunidade, organizada em trabalhos voluntários. É uma questão do diretor se aproximar e discutir a gestão democrática a partir de sua operacionalização, como se faz uma gestão de outra forma? Os mecanismos legais nem sempre garantem processos mais democráticos e participativos. A questão é fazer e refletir sobre o que se faz, pois algumas de nossas leis ainda estão no lugar da vanguarda e precisam ser superadas.

Tenho o caso de uma escola inserida em um contexto de vulnerabilidade social que era invadida de maneira recorrente em horário de aula, pelo tráfico, e a diretora não sabia o que fazer. Quando ela viu que podia contar com os pais daquela comunidade e reforçar o papel educativo daquele espaço, ela percebeu que tinha outros mecanismos na mão, e que os problemas que eram aparentemente dela, eram de todo o grupo. Foi então que estabeleceu um conselho que passaria a pensar coletivamente em ações para a unidade e minar os problemas recorrentes. Agora, para isso, temos que trilhar um percurso de formação desses gestores , sem dúvida, uma dívida histórica e social do país.

CR: Por quanto tempo um plano político pedagógico deve vigorar em uma escola? Como identificar o momento de revisitá-lo?

RP: Geralmente o que se tem é um ano, mas achamos que esse tempo é curto para se revisar uma proposta, e até orientamos que as unidades escolares reconstruam esse tempo. De fato, não é uma coisa rígida, mas tem coisas que não vamos dar conta em um ano. É legal que a escola possa definir esse tempo, orientada pelo que de fato aconteceu na unidade. Tem redes que deixam isso aberto e outras que dão prazo. O importante, para mim, é que esse processo ajude as escolas, não as faça meras cumpridoras de ordens.

CR: Os processos dizem mais de um PPP do que o documento final, de fato?

RP: Sim, para mim contam mais os processos que mostram como vamos fazendo do projeto político pedagógico um instrumento de reflexão do trabalho da escola. Em algumas redes em que fomos discutir o PPP, saíram ideias de criar um portfólio das ações que vão sendo desenvolvidas, uma ideia simples e que pode dizer muito no momento de repensá-lo.

Por isso que, na maioria das vezes, essas ações não são de curto prazo. Imagine que se tenha como princípio formar leitores, não vai ser um projeto curto que vai atender a esse desafio, mas sim entender qual o envolvimento da escola, dos diversos atores e se ela precisará de apoio de outras instituições. A nossa recomendação é sempre definir responsáveis para cada meta, para que essas coisas não se percam.

CR: E quando a escola começa algum projeto ou ação em caráter experimental e depois ele passa a compor o PPP? Como vê esse movimento?

RP: As ações podem começar, mesmo não tendo sido projetadas, desde que não firam os valores e missões do PPP. A autoria parte do pertencimento e se ocorre esse movimento é porque a equipe pode criar, ter autonomia para essas criações. Muitas vezes elas surgem com os professores, são importantes para a escola e aí deve ser feito um trabalho de como legitimá-la.

Na prática

Centro de Ensino Fundamental 01 de Planaltina (CEF 01) – também conhecido como Centrinho – ilustra a possibilidade de escolas realizarem ações que depois vem fazer parte do Projeto Político Pedagógico. Na unidade, o projeto “Diversidade na Escola” nasceu da necessidade de minimizar as discriminações nas relações escolares e pautá-las pelo respeito à diversidade. Um ano após, a ação foi tirada do âmbito de projeto e passou a compor as diretrizes escolares.

CR: Qual a autonomia de uma escola de rever seus processos, tornando-os mais dialógicos e horizontais, se eles não estiverem previstos no PPP (exemplo: articulação com o território, abertura do currículo prevendo interfaces com a cultura, esporte etc)?

RP: Quando se fala de educação integral estamos falando de princípios e valores que estão na escola. Falamos dela [da escola] se responsabilizar pela formação do sujeito e isso tem que estar ancorado no projeto político pedagógico, entendendo a necessidade de ampliar a jornada ou buscar equipamentos pelo território. Claro que também se aprende nesse processo, mas vejo que quando isso não está institucionalizado, parte de pessoas que aderem à agenda e não da instituição. A educação integral deve ser um princípio a ser revelado no projeto político pedagógico da escola.

CR: Como o PPP se insere nas políticas educacionais? Ele é um instrumento de viabilização das políticas propostas pelo governo? Como se dá a interlocução do PPP, escola e agenda governamental? É possível pensar em interlocuções também com outras secretarias?

RP: Ele precisa considerar as políticas educacionais locais. No livro, discutimos como o PPP deve se relacionar aos planos de educação, sejam eles estaduais ou municipais. Ele não se dá a parte e sim em uma escola que faz parte de uma rede. É a questão da política se realizar do micro para o macro.

A meu ver, esse alinhamento também fortalece o pedagógico da escola. Por exemplo, as escolas geralmente recebem propostas de projetos de outras instituições e com essa política clara fica mais fácil avaliar um possível aceite: a proposta vai ao encontro do projeto? Ou mesmo de fazê-la mais proativa em busca de parcerias que ela mesmo já reconheceu serem necessárias.

Quanto à interlocução, as secretarias devem garantir técnicos para fazerem esse movimento de parceria com a equipe escolar; o papel não deve ser apenas de fiscalização e cobrança, mas propositivo.

CR: Com relação ao Plano Nacional de Educação e à Base Nacional Curricular Comum, como o PPP dialoga com elas?

RP: Existem pressupostos que precisam dialogar na construção de um PPP. É uma escala que precisa acontecer. Por exemplo, onde a política municipal, que deve ser refletida pela escola, está contida na base e no PNE? Precisamos criar esses movimentos, porque os documentos parecem estanques, mas não são, uma vez que eles ficam prontos é que se devem começar os trabalhos de colocá-los em prática.

Como articular as famílias e a comunidade local ao projeto educativo da escola?

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