publicado dia 25/11/2021

Posicionamento sobre o Direito à Educação em Contexto de Pandemia

por

Selo Reviravolta da EscolaAo lado da mobilização de estudantes e famílias, pauta da Campanha Bora pra Escola, consolidamos aqui um conjunto de recomendações, fruto da análise realizada a partir do trabalho de campo de OSCs e profissionais da educação que compõem o Centro de Referências em Educação Integral.

Tendo em vista a avaliação de que muitas famílias vêm sofrendo impactos significativos sobre suas condições socioeconômicas devido ao agravamento da pobreza, do desemprego e da insegurança alimentar, é de extrema importância que o poder público garanta as condições necessárias para o retorno presencial de todos os estudantes, com especial atenção aqueles em contextos de alta vulnerabilidade social.

Assim, alguns pontos devem ser observados para que não se constituam fatores de exclusão no âmbito das políticas educacionais:

1) Materiais escolares: É importante reafirmar a necessidade das redes de ensino disponibilizarem materiais como cadernos, livros didáticos, lápis, canetas, borrachas, dentre outros para seus estudantes. Há crianças e adolescentes sem frequentar as aulas por falta desses materiais. Assim, as escolas não devem impedir o acesso de estudantes em função dos materiais. É direito das crianças e jovens serem acolhidas como puderem estar até que as condições necessárias sejam criadas pelas secretarias. 

2) Uniforme, roupas adequadas, calçados e mochila: há famílias que não possuem condições financeiras de arcar com a compra de roupas e acessórios que se apresentam como condicionantes à frequência na escola. Encontramos, em alguns municípios, exigências específicas de vestuário: calças, calçados e mesmo a própria blusa do uniforme, nem sempre fornecida de forma gratuita. Destacamos aqui que as escolas não devem impedir o acesso de estudantes em função de vestuário. É direito das crianças e jovens serem acolhidas como puderem estar e cabe às secretarias constituir políticas de provimento a partir das necessidades dos estudantes. 

3) Transporte: além de uma dificuldade geral com transporte público em alguns municípios (oferta, itinerários, qualidade dos veículos, horários, lotação, etc), há municípios onde a passagem não é gratuita para os alunos, dificultando ou restringindo por completo o acesso à escola. Além disso, é fundamental que haja a oferta do transporte escolar em todas as regiões da cidade.

4) Documentação / avaliação diagnóstica: há casos nos quais as famílias não possuem seus documentos de identificação e/ou histórico escolar, que usualmente são exigidos pelas escolas para a realização da matrícula, transferência ou mudança de rede escolar. Nestes casos, se não há condições imediatas para arcar com os custos de aquisição dos documentos, os estudantes acabam não sendo matriculados ou não conseguindo as vagas desejadas, permanecendo com seu direito à educação negado. É preciso que as redes escolares se responsabilizem por garantir a vinculação escolar desses casos e atuem ativamente na articulação com a rede de proteção social (CRAS, CREAS, Conselho Tutelar, MP, SUS, entre outros) para apoiar as famílias na regularização dos documentos necessários. Quando não houver histórico escolar, que as escolas viabilizem o acesso às vagas mediante realização de avaliação diagnóstica para a identificação do ano escolar ou agrupamento adequado. De qualquer forma, o acesso dos estudantes sem documento deve ser imediato. A documentação não pode ser impeditivo para a realização da matrícula e frequência (até que a documentação esteja regularizada).

5) Condições sanitárias do ambiente escolar: os protocolos sanitários para a realização das atividades escolares têm variado de acordo com as diretrizes estabelecidas por cada gestão municipal / estadual. A fragilidade na implantação dos protocolos e a falta de investimentos nos EPIs têm gerado desconfiança nas famílias em relação à segurança sanitária das escolas, dificultando o retorno dos estudantes ao ensino presencial. É importante, portanto, que as redes escolares, além de oferecerem as estruturas adequadas à prevenção do contágio no ambiente escolar (com a utilização de máscaras, álcool em gel, lavagem regulares das mãos com sabão e distanciamento entre mesas e cadeiras) comuniquem (utilizando diversos canais: carro de som, outdoor, redes sociais, rádio local, jornal, cartazes, folhetos, dentre outros) às famílias sobre as condições oferecidas, de modo a gerar maior confiança e incentivar o retorno presencial. Além disso, é preciso que os itens máscaras e álcool em gel sejam disponibilizados para todo/a/es.

6) Vacinação: É importante que a vacinação seja ofertada a toda a população, inclusive aos adolescentes em idade escolar, seguindo orientações das autoridades sanitárias do país. Recomenda-se, nesse sentido, uma ação conjunta das redes escolares com a política de vacinação, de modo a assegurar as condições adequadas à sua efetivação. Há municípios onde adolescentes aptos a serem imunizados ainda não estão sendo contemplados pelo calendário de vacinação, o que poderia fazer do retorno à escola um risco inclusive para parentes idosos e/ou com comorbidades. Estratégias de comunicação e mobilização que garantam o esquema vacinal completo dos adolescentes também são fundamentais neste momento.

7) Busca Ativa: o retorno presencial às escolas evidenciará um conjunto de casos de estudantes que perderam vínculo com a escola, ou estão em risco iminente de evasão escolar, além dos casos que não retornarão ao modo presencial por motivos diversos, desde o receio de contágio até as poucas condições de acesso adequado descritas anteriormente. Neste sentido, mais do que nunca, uma atuação direcionada a buscar ativamente essas crianças e esses adolescentes se faz necessária, não apenas por meio de contato telefônico, mas indo até as residências e buscando indicações de agentes comunitários que possam facilitar sua identificação e seu atendimento. Esta atuação demandará uma estratégia intersetorial que envolva as políticas públicas de educação, da assistência social, da saúde, dos conselhos tutelares, dentre outros potenciais parceiros de proteção social de crianças e adolescentes nos territórios. 

8) Estudantes e famílias em situação de rua, de insegurança alimentar, orfãos e trabalho desprotegido: em especial, diante da precarização das condições de vida da população como um todo, tem destaque a urgência de se atuar na identificação e na articulação das políticas sociais e educacionais para atendimento de parcela significativa de pessoas que se encontram em situação de rua, insegurança alimentar e trabalho infantil desprotegido, incluindo crianças, adolescentes e seus familiares. Além disso, é fundamental a atenção aos casos de estudantes órfãos (pais, mães, avós e/ou cuidadores) em função da COVID-19. Este atendimento demandará a corresponsabilização de toda a rede de proteção social, numa ação integrada que permita respostas rápidas e efetivas na construção de alternativas para a superação da exclusão social na qual se encontram. Ações emergenciais como campanhas de doações de alimentos e roupas, além da facilitação ao acesso aos benefícios como aluguel social, BPC, Auxílio Brasil, dentre outros, serão necessárias, tendo a escola como instituição estratégica para a identificação e encaminhamentos destes casos. 

9) Acolhimento sensível às experiências individuais e familiares de estudantes e profissionais durante a pandemia: a retomada das aulas presenciais está sendo um momento de reencontro dos estudantes e profissionais da educação permeado pelas experiências de processos de luto e de aflições vividas por esses sujeitos. É imprescindível que os Projetos Político Pedagógicos escolares tenham em vista as diversas subjetividades envolvidas no processo de ensino e aprendizagem, realizando um acolhimento direcionado ao tratamento adequado das questões identificadas individualmente, além de abordar a experiência pandêmica de forma coletiva. Nesse sentido, será fundamental que as redes de ensino promovam espaços formativos para que os profissionais da educação vivenciem esse acolhimento sensível e, por consequência, essa experiência apoie a criação de estratégias no âmbito das escolas para o acolhimento dos estudantes e de suas famílias.

10) Compromisso com a garantia da aprendizagem de todo/a/es: o contexto de diversidade na oferta e no acesso ao ensino remoto na pandemia gerou uma grande heterogeneidade em relação às trajetórias escolares dos estudantes. Nesse sentido, organizar a escola na perspectiva de seriação e gradação de conteúdos de modo estanque não é suficiente. O risco da manutenção dessa lógica representa hoje um risco ao direito à educação, com especial ênfase à evasão escolar. Assim, as escolas e as redes precisarão construir novas formas de organização do tempo, espaço para a implementação de modalidades organizativas que promovam maior colaboração entre os estudantes e a personalização do ensino com foco em uma aprendizagem efetiva. Estas práticas devem ser acompanhadas de formas contextualizadas de avaliação dos estudantes com ênfase em avaliações de caráter formativo em oposição às avaliações somativas de caráter meritocrático com potencial altamente excludente, em especial, neste contexto.

As saídas, portanto, devem ser pensadas e implementadas a partir das necessidades do território. Algumas perguntas essenciais devem pautar o planejamento das redes e escolas a partir de agora: 

  • É possível organizar agrupamentos heterogêneos com base nas aprendizagens?
  • É possível articular organizações do território para conhecer as realidades dos estudantes e a partir disso, cocriar coletivamente um projeto aderente às demandas e necessidades do território?
  • Sendo possível a realização de diferentes agrupamentos e conhecendo a realidade dos estudantes, quais são as modalidades organizativas do currículo e formas de avaliação mais adequadas às necessidades dos estudantes?

11) Estratégias pedagógicas e gestão democrática: muitas famílias demonstram preocupação com medidas de aprovação automática, considerando que seus filhos não conseguiram desenvolver, durante a pandemia, processos de aprendizado considerados adequados. Como estratégia, muitos têm evitado o retorno às aulas, imaginando que, no próximo ano letivo, os alunos possam refazer o ano escolar “comprometido” pela pandemia, resgatando conteúdos e processos pedagógicos de forma plenamente presencial. Compreendemos que esse dado aponta para a necessidade de se desenvolverem estratégias específicas para buscar responder a eventuais lacunas do processo educacional e que essas estratégias sejam compartilhadas de forma transparente com a comunidade escolar. Assim, alunos e seus familiares poderiam discutir acerca destas estratégias, compreendê-las e, consequentemente, colaborar para que sejam cumpridas, sem prejuízos ao direito à educação das crianças e dos adolescentes. Nesse sentido, é fundamental reforçar o papel central que a gestão democrática das escolas pode desempenhar para a reconstrução do sentido e da efetividade da escola na vida das crianças, jovens, adultos e suas famílias.

12) Valorização dos profissionais que atuam nas escolas: é fundamental analisar e intervir para que os profissionais da educação contem com condições materiais e formação continuada para o enfrentamento dos enormes desafios pedagógicos que a pandemia de COVID – 19 impõe à docência. A formação deve reconhecer os professores como profissionais, valorizar suas análises e práticas e apoiá-los a partir das necessidades concretas de sua prática profissional neste contexto. É recomendável também que os profissionais tenham a oportunidade de compartilhar desafios e estratégias com seus pares. Além disso, é fundamental apoiar as escolas no trabalho de articulação com a rede de proteção social a partir de políticas intersetoriais formuladas na gestão dos municípios e estados. A escola isoladamente terá dificuldade de estabelecer tais alianças se as mesmas não forem pactuadas entre as secretarias responsáveis por cada setor.

O que é a #Reviravolta da Escola?

Realizado pelo Centro de Referências em Educação Integral, em parceria com diversas instituições, a campanha #Reviravolta da Escola articula ações que buscam discutir as aprendizagens vividas em 2020, assim como os caminhos possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.

Leia os demais conteúdos no site especial da #Reviravolta da Escola.

CR defende ações para garantia de direitos em meio ao agravamento da pandemia

As plataformas da Cidade Escola Aprendiz utilizam cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade.
Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.