publicado dia 28/06/2017

Alvos de discriminação e exclusão, alunos LGBTs contam o que esperam da escola

Reportagem:

Há pouco mais de seis meses, a vida de Arthur Henrique dos Santos, 17 anos, sofreu uma reviravolta. Prestes a se formar no Ensino Médio e adentrar a vida adulta, o estudante sentiu que era hora de contar para sua mãe que era gay. Nada, no entanto, poderia tê-lo preparado para a resposta que recebeu: “eu não vou sustentar filho viado”.

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No dia seguinte, enquanto chorava sozinho no pátio da escola, alheio ao sinal que convocava os alunos a voltarem para a sala, um inspetor se aproximou. A suposição de que alguém, enfim, vinha acolhê-lo logo dissipou-se. “Vá chorar em outro canto”, disse. O episódio terminou com Arthur na diretoria sendo confrontado por ter cabulado aula. A gota d’água.

“Cansei de ouvir coisas homofóbicas na escola, de ouvir ‘além de viado é preto’. Nunca me senti acolhido. Não tinha espaço para pensar sexualidade e foi lá que me entendi negro e gay em uma sociedade racista e lgbtfóbica”, conta.

Relatos de preconceito e exclusão como o de Arthur, infelizmente, se mostram corriqueiros. Segundo a “Pesquisa Nacional Sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016”, feita pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), 73% dos alunos LGBTs já sofreram agressões verbais devido sua orientação sexual e 68% por conta de sua identidade de gênero, evidenciando como a escola pode ser um espaço hostil e violento para esses jovens.

“Eu ouvia o tempo todo que além de preta e pobre, eu tinha ‘escolhido’ ser sapatão”, diz Letícia Pereira sobre o que ouviu na escola

Para Letícia Gomes Pereira, de 18 anos, o ambiente escolar tóxico resultou em depressão e ansiedade, que a afastaram diversas vezes da sala de aula a ponto de quase repetir de ano. “Cheguei a fazer um calendário de quanto tempo faltava para acabar o Ensino Médio, porque não aguentava mais ver aquelas pessoas. Eu ouvia o tempo todo que além de preta e pobre, eu tinha ‘escolhido’ ser sapatão porque estava procurando mais uma opressão para chamar de minha”.

Todos os anos, diversos motivos levam milhares de adolescentes a largarem os estudos. Atualmente, estima-se que 2,5 milhões de jovens estão fora da escola. No caso da comunidade LGBT, discriminação e violência são causas que, não raro, levam ao abandono, diz Fábio Meirelles, ativista e coordenador-geral de Direitos Humanos do MEC entre 2011 e 2015.

“Mesmo quando eles continuam na escola, esse ambiente nocivo impacta na suas aprendizagens e desenvolvimento integral. Enquanto a escola não debater toda a diversidade humana, vai continuar reproduzindo o ciclo vicioso do preconceito”, critica.

Adolescentes travestis, transsexuais e transgêneros enfrentam ainda desafios que vão desde não ter seu nome social respeitado durante a chamada até o dilema de qual banheiro utilizar. O resultado é que raramente concluem os estudos e, frequentemente, são expulsos de casa e excluídos do mercado formal de trabalho.

O debate em sala de aula

Se tais dificuldades reforçam a necessidade da instauração de políticas públicas que respaldem os alunos LGBTs, na prática, o que vê é o contrário. Depois de suprimido dos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de Educação, o debate da orientação sexual e identidade de gênero também foi ignorado pela terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) — medida que coloca em xeque a formação de alunos para o respeito à diversidade e a concepção de escola com um espaço democrático de conhecimento e discussão.

Arthur lembra de um professor que abordou o tema, mas de forma superficial e breve. “Ele dizia que precisava cumprir o currículo e não podia passar mais tempo falando disso”, conta o jovem que também fundou um coletivo de gênero que promovia essas discussões.

O estudante aponta também como problema o fato da educação sexual ser sempre tratada pela escola a partir do viés heterossexual e da lógica do medo, não do respeito. “Mas como é entre dois homens? E duas mulheres? A gente só descobre na pornografia, essa indústria machista, que subjuga, simplifica, humilha e tem uma visão deturpada do que é o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo”, diz Arthur.

“Pensar educação sem pensar o aluno é algo descolado da realidade”, diz Arthur Henrique dos Santos, 17 anos

Crédito: Ingrid Matuoka

Letícia compartilha da mesma preocupação. Para ela, falar sobre orientação e identidade de gênero em sala de aula é, inclusive, uma questão de saúde pública. “Ainda tem gente que acredita que sexo entre duas mulheres não precisa de proteção”, lembra. Na escola, a jovem encontrou no grêmio estudantil o único espaço onde se sentia segura e havia debate sobre sexualidade, afetividade e identidade.

O cenário de inclusão no Ensino Superior, tampouco, parece mais promissor. Hoje cursando o primeiro ano da Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, Arthur se vê desamparado. “Sou bolsista, negro, LGBT, dentro de uma fundação particular, onde o coletivo negro não se atenta às questões LGBT e onde o coletivo LGBT não se atenta às questões sociais. É um ambiente muito solitário”, desabafa.

O que os alunos LGBTs querem da escola

Em 2016, a ONG Ação Educativa lançou a cartilha “Por que discutir gênero na escola?”, elaborada por três estudantes negras, moradoras da periferia de São Paulo. O documento traz o assunto de maneira acessível e didática, podendo ser utilizado pelos alunos, professores e gestores da escola.

Para Aniely Silva, 19 anos, uma das autoras, o irônico é que o tema já está presente nas escolas, mas sob a forma de lgbtfobia, discriminação e violência. “São questões presentes, que a gente vivencia todos os dias, só que a partir do conservadorismo. A escola precisa aprender a abordar de forma positiva como esses temas aparecem”, explica.

Também responsável pela autoria da cartilha, Jheniffer Gomes, 21, ressalta ainda a necessidade de aprimorar a formação dos docentes. “Precisamos de professores com formação para lidar com esses jovens, que no mínimo respeitem nossa individualidade e não tratem do assunto de forma excludente e preconceituosa”.

Além da ausência de discussões mais densas e informadas sobre orientação sexual e identidade de gênero, as escolas raramente coíbem violências contra LGBTs, até em razão de, por várias vezes, não entender certas atitudes e palavras como violentas.

Fábio Meirelles, que acompanhou diversas pesquisas que procuraram identificar o que os alunos LGBTs querem na escola enquanto esteve no MEC, conta que os principais resultados indicam um espaço acolhedor, inclusivo, e que não discrimine. “Os alunos LGBTs querem um lugar que não propague mais violência, que valorize suas escolhas. E querem mais: uma escola laica, que não seja racista e sexista”, conta.

A escola idealizada por Arthur, para começar, teria como foco a formação do corpo docente. “Eu formaria uma equipe preparada, com tato para lidar com questões de raça, sexualidade e identidade de gênero. A figura do professor e a estrutura escolar são muito importantes para o quanto nos sentimos confortáveis ou não na escola”.

Para além disso, o jovem sonha com uma escola que valorize o protagonismo estudantil e as individualidades humanas. “Muitas escolas enxergam a educação formal e a educação que está ligada ao indivíduo como duas dimensões muito separadas. Pensar educação sem pensar o aluno é algo descolado da realidade”, afirma.

Letícia, por sua vez, afirma sentir falta de uma ouvidoria estudantil LGBT para reportar violências. “Nós queremos agir, queremos reclamar de abuso de professor que “brinca” que só não pega menina da sala porque dá cadeia, dos comentários ofensivos de colegas. A escola tem que também servir de apoio, porque o adolescente tem mil coisas passando na cabeça, e não quer ir para a escola só para entrar e sair”.

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