publicado dia 29/11/2017
O impacto do teto de gastos nas políticas de educação
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 29/11/2017
Reportagem: Ingrid Matuoka
No Brasil, 2,5 milhões de crianças estão fora da escola, a profissão docente continua desvalorizada e as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) amargam para sair do papel.
Em meio a este cenário, em dezembro de 2016, o governo Michel Temer (PMDB) aprovou a Emenda Constitucional (EC) 95, que limita os gastos públicos nas áreas sociais à inflação pelos próximos 20 anos. O dinheiro economizado será destinado a pagar a dívida pública.
Nos últimos 21 anos, em apenas quatro (1996, 2003, 2015 e 2016) o reajuste dos gastos públicos foi abaixo da inflação oficial (IPCA). Agora, com a EC 95, esse investimento será limitado por duas décadas mesmo que o País volte a crescer.
O Projeto de Lei Orçamentária Anual – PLOA é enviado pelo Executivo ao Congresso e, depois de aprovado, torna-se o Orçamento da União para o ano seguinte.
Para o ano que vem, quando começa a valer a EC para a Educação, será considerada a inflação de 2017, que deve ficar em torno dos 3%, segundo o boletim Focus do Banco Central, criando um teto bem mais baixo para os gastos públicos em relação a 2016, quando inflação foi de 6,29%.
Segundo Gil Castelo Branco, economista da ONG Contas Abertas, indicações de uma queda ainda mais abrupta nos orçamentos já podem ser vistas por meio do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2018.
Um dos setores mais atingidos, segundo levantamento realizado pelo especialista deve ser justamente o Ministério da Educação, que receberá 37% menos recursos.
Se os apoiadores da medida defendem que o teto de gastos é necessário para o ajuste fiscal e não irá prejudicar o desenvolvimento social, para especialistas ouvidos pelo Centro de Referências em Educação Integral a realidade é outra.
Fernando Abrucio, professor na FGV que esteve presente no evento “Ajuste Fiscal e o Impacto da PEC 241/55 sobre as Políticas de Educação e Saúde”, promovido pela Câmara Municipal de São Paulo, acredita que é preciso realizar a reforma — a questão é como fazê-la.
Leia+: Teto de Gastos inviabiliza a implementação do PNE, afirmam especialistas
Para o professor, muitos erros de política fiscal e econômica foram cometidos entre 2011 e 2014, contudo, a resolução desse problema não pode ser feita a partir do aumento da desigualdade.
“Desde Wittgenstein [filósofo que viveu entre 1889 e 1951] se diz que questões colocadas como contraditórias, às vezes, precisam ser feitas ao mesmo tempo. Assim, fazer uma reforma que garanta o desenvolvimento econômico do País não é necessariamente oposto a combater a desigualdade. A ideia de que é preciso escolher um ou o outro não se sustenta histórica ou logicamente”, disse Abrucio.
Além da EC 95, há ainda outro ponto sufocando o financiamento da Educação. De cada dez reais investidos na área, apenas dois vêm da União. O restante é repassado por estados e municípios – recursos intimamente atrelados ao imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS).
Isso significa que se há uma recessão econômica e a população consome menos, há menos investimento em educação. Isso afeta principalmente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – o Fundeb – que financia 40 milhões de estudantes e é extremamente dependente da arrecadação de ICMS.
Escolheu-se inviabilizar o PNE e reduzir os investimentos no maior programa de financiamento de educação do País, o Fundeb
José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em financiamento da Educação, afirma que a estimativa é que a União gaste R$ 15 bilhões a menos em 2018 do que gastava em 2012.
“O Brasil vive um boom populacional, momento que no mundo inteiro serve para o país crescer, mas escolhemos inviabilizar o PNE e reduzir os investimentos no maior programa de financiamento de educação do País [o Fundeb]”, lamenta o professor, complementando que no processo de ajuste fiscal não há divisão de sacrifícios, onerando sobremaneira as classes economicamente menos favorecidas da população.
O PNE estabeleceu como meta atingir 7% do PIB até 2019 e 10% do PIB até 2024. Hoje, segundo o INEP, o Brasil investe apenas 5% do valor, considerando o que de fato vai para o sistema público. Com a EC 95, esta meta já não será cumprida — e as demais tampouco.
“As metas do PNE de responsabilidade da União já estão inviabilizadas”, alerta Luiz Araújo, docente da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. “A médio prazo, os aportes que a União dava para programas como o Pronatec e Pró-Infância serão praticamente congelados”.
Nelson Cardoso Amaral, docente da Universidade Federal de Goiás, publicou um estudo sobre a EC 95 e as metas do PNE na edição de outubro da Revista Brasileira de Educação, no qual afirma que “a EC 95 determinou a ‘morte’ do PNE”.
“Um novo governo assumirá em 2019 e encontrará um orçamento construído e aprovado pelo grupo atual e, independentemente de qual linha ideológica tenha, terá bons argumentos para iniciar somente no orçamento de 2020 uma reversão do caminho implementado. Nesse momento, já estarão transcorridos quase seis anos do PNE (2014-2024). Seria possível, a partir daí, incrementar ações que levassem ao cumprimento das metas em pouco mais de quatro anos?”, questiona o pesquisador.
De acordo com uma análise feita pelo movimento Todos pela Educação, professores com Ensino Superior ganham pouco mais da metade do que recebem pessoas de outras áreas com o mesmo nível de formação.
A meta 17 do PNE pretendia alterar esse quadro ao prever a equiparação da remuneração dos professores com os demais profissionais com mesmo grau acadêmico. Na prática, porém, o objetivo está longe de ser viabilizado.
“Para o estado de São Paulo, isso significaria um reajuste de 70% em média. Como assegurar esse reajuste em meio a tantos cortes? E o que isso significa para a qualidade da educação?”, questiona o professor José Marcelino.
De acordo com levantamento divulgado este ano pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 14 estados brasileiros pagam menos do que o piso aos professores em início de carreira.
14 estados brasileiros pagam menos do que o piso aos professores em início de carreira
“Educação de qualidade é salário”, pontua José Marcelino, lembrando que de 85 a 90% dos gastos em uma escola é pagamento de salário. “É assim em qualquer lugar do mundo, porque reduzir esse investimento é diminuir salário, as condições e a qualidade do trabalho”.
Nesta perspectiva, a medida contribui diretamente para a escassa procura pelos cursos de licenciatura e a baixa qualidade de muitos existentes.
Limitar os gastos públicos por 20 anos não é a única maneira de contornar uma crise. Portugal, por exemplo, adotou um modelo de recuperação das contas do país sem cortar gastos sociais, e sua economia tem crescido desde então.
Ursula Peres, professora do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP e especialista em orçamento público, também esteve presente no evento da Câmara Municipal de São Paulo, onde fez um panorama econômico, no qual mostrou que no começo dos anos 2000 a dívida em relação ao PIB chegou em 60%, mas não houve alarde como agora.
A docente também sugeriu, a partir do histórico brasileiro, dar atenção à receita ao invés de cortar gastos, e fazer uma reforma tributária. “Tributação sobre renda, lucro e ganho de capital podem ser a saída, e não como fazemos, cobrando sobre bens e serviços”, afirmou.
Dados mostram que os brasileiros que ganham até 2 salários mínimos têm uma carga tributária 20% maior do que aqueles que ganham 30 salários mínimos. “Esses são os pontos que precisamos enfrentar verdadeiramente”, concluiu.