publicado dia 23/01/2025
No Pará, indígenas se mobilizam contra troca de ensino presencial por EAD
Reportagem: Da Redação
publicado dia 23/01/2025
Reportagem: Da Redação
🗒️Resumo: Em reação a mudanças na legislação estadual paraense, centenas de indígenas ocupam pacificamente a Secretaria de Educação, em Belém (PA), desde 14/01. De acordo com lideranças indígenas, a alteração na lei foi feita sem consulta prévia e abre caminho para a substituição do ensino presencial pela EAD nos territórios, algo que é rejeitado pelos manifestantes. A mudança também é questionada no STF pela APIB e pelo MPF.
Há quase 10 dias, ao menos 300 indígenas ocupam pacificamente a Secretaria de Educação do Estado do Pará, em protesto contra mudanças na oferta educacional nos seus territórios.
Entre os participantes do protesto, na cidade que sediará a COP 30, Belém (PA), estão lideranças dos povos Sateré-Mawé, Wai Wai, Munduruku, Arapiuns, Borari, Jaraqui e Guarani.
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O foco do descontentamento é a Lei 10.820/2024, que é estadual. Aprovada em dezembro, a legislação abre caminho para a troca do ensino presencial por educação a distância (EAD) em escolas localizadas em áreas consideradas remotas, como comunidades quilombolas e terras indígenas.
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No caso, o temor é pela substituição das aulas presenciais por conteúdos pré-gravados, exibidos em vídeo em televisões. Mais do que uma mudança burocrática ou de método de ensino, a alteração coloca em risco a transmissão de saberes tradicionais nas comunidades indígenas da região.
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A Educação específica, diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária é um direito garantido aos povos indígenas pela Constituição de 1988. Atualmente, cerca de 80,9 mil indígenas vivem no Pará, de acordo com o Censo do IBGE.
Além da violação do direito à Educação e da falta de consulta aos povos afetados, lideranças indígenas afirmam que o enfraquecimento do ensino presencial pode empurrar as juventudes indígenas para fora dos territórios, além de impactar negativamente o acesso deles ao Ensino Superior.
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Para lideranças indígenas ouvidas pelo site Amazônia Real, a nova lei está inserida em um contexto de avanço do agronegócio e da mineração em terras indígenas.
Outro ponto, visibilizado pela Repórter Brasil e pela Agência Pública, é que a situação já é bastante precária, com muitas comunidades sem energia elétrica ou estrutura adequada, além de acesso intermitente à Internet. A nova lei também reduz o salário de professores que hoje atuam nesses locais, dificultando a presença dos docentes nos territórios indígenas.
A plataforma Amazônia Vox apurou ainda que o investimento destinado à Educação Indígena no Pará teve corte de 85% entre 2023 e 2024. De acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025 aprovada pelos parlamentares paraenses, só R$500 mil serão destinados para a implementação da Educação Escolar Indígena. O valor é 55 vezes menor do que o alocado no orçamento do Amazonas, por exemplo.
Educação Indígena no STF
Em sintonia com as demandas indígenas, a articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e o Ministério Público Federal (MPF) se manifestaram formalmente contra as alterações.
Pouco mais de um mês após a mobilização indígena, a APIB ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7778) contra a lei paraense. A argumentação da entidade é de que a mudança retirou a legislação estadual o chamado Sistema Modular de Ensino Indígena (SOMEI), provocando um cenário de insegurança jurídica. Segundo o site do STF, o pedido é para que “sejam afastadas interpretações da lei que não incluam a educação indígena e suas especificidades”.
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Já o MPF pediu explicações ao Ministério da Educação (MEC) e solicitou à Justiça Federal a proibição da substituição das aulas presenciais por ensino à distância.
Em nota técnica, o MEC registrou que a legislação não prevê EAD para povos e comunidades tradicionais, como os indígenas, quilombolas, ribeirinhos e trabalhadores rurais assentados.
“Em atenção aos fundamentos constitucionais e legais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a oferta da Educação a Distância e seus derivados, como ‘modelo de aulas telepresenciais’ ou sistemas interativos de oferta educacional, especificamente para comunidades rurais em sua diversidade, não encontram sustentação nos marcos legais da educação”, destaca a nota técnica. O MPF defende também que cada um dos povos e comunidades tradicionais do Pará deve ser consultado antes de qualquer tomada de decisão do estado sobre esse tema.
Pressionado, o governo do Pará se reuniu com lideranças indígenas e anunciou, em 22/01, a criação de um grupo de trabalho para elaborar um projeto de lei sobre a Política Estadual de Educação Escolar Indígena.