publicado dia 26/05/2015

Letramento científico: uma ferramenta necessária para aprender a ler o mundo

Reportagem:

“É preciso ler o mundo”. O pensamento de Paulo Freire que ressalta a leitura da realidade como precedente à leitura da palavra foi o tom em comum da fala de muitos participantes que estiveram presentes no 1º Seminário Experimenta- Educação, Ciência, Tecnologia e Sustentabilidade, que aconteceu na última quinta-feira, 21 de maio, em São Paulo.  O objetivo foi discutir o aprendizado das ciências como uma das bandeiras da educação formal e não formal, e como condição para alcançar o desenvolvimento econômico e social.

Na ocasião, a frase do educador pernambucano foi citada diversas vezes por especialistas das áreas de tecnologia, ciências e educação – professores e pesquisadores de instituições públicas e privadas – e sintetizou uma das profundas razões da ciência existir como recurso de conhecimento.

O encontro problematizou questões relacionadas ao letramento científico nas escolas e trouxe dados do Sumário Executivo de Resultados 2014 que, entre outras análises, contempla o Indicador de Letramento Científico (ILC), estudo que visa a identificar o alcance da aplicação científica entre jovens e adultos em seu cotidiano.

Evento reuniu profissionais da educação para debater o letramento científico

Evento reuniu profissionais da educação para debater o letramento científico/ Crédito: divulgação

O chamado letramento científico visa ao entendimento da ciência e sua utilização pela sociedade em tarefas cotidianas como, por exemplo, a leitura dos dados em uma conta de luz ou a compreensão de uma bula de medicamentos. Foi essa habilidade de entendimento científico aplicado a uma vivência que foi analisada no estudo, que entrevistou 2002 pessoas de 15 a 40 anos, residentes no Distrito Federal e nove regiões metropolitanas brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Salvador, Curitiba e Belém.

A pesquisa, realizada pelo Instituto Abramundo, em parceria com o Instituto Paulo Montenegro e Ação Educativa, teve como base a experiência de mais de uma década dessas duas organizações na produção do Índice de Analfabetismo Funcional (Inaf), um indicador que permitiu revelar os baixos índices de letramento científico na sociedade brasileira.

O mundo como laboratório de ciências

No primeiro painel “Educação básica nacional e letramento científico”,  Alejandra Velasco, mestre em políticas públicas pela Universidade de Chicago e Coordenadora Geral do Todos pela Educação, analisou o Plano Nacional de Educação (PNE), e apontou que as principais metas do programa não concebem de forma ampla o letramento científico. “Nas duas primeiras metas que correspondem à educação infantil e fundamental, não há qualquer menção às ciências. No ensino médio há a inclusão do assunto de forma tímida, como no incentivo à participação em cursos tecnológicos e científicos”, identificou.

Alejandra também fez a comparação entre educação básica e ensino universitário; neste último há mais menções ao letramento, além de muito mais recursos disponíveis. “Claramente a preocupação com essa inclusão está mais ligada à educação superior”, disse.

Ainda de acordo com a coordenadora, a falta de recursos suficientes nas escolas do país faz com que a maioria delas não possua um laboratório, mas lembrou que isso não é um impeditivo. Hoje, diz a coordenadora, apenas 8,2% do total de escolas de educação básica da rede pública possuem laboratórios de ciência. “Não podemos nos limitar diante disso, já que o mundo todo é um laboratório aberto”, completou.

Segundo o professor Fernando Almeida, docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), essa etapa de descoberta deve ser feita com o espanto sobre o mundo, que irá gerar o desejo de conhecer e, por conseguinte, o encantamento. “A ciência é a origem do pensamento filosófico, então, o letramento científico vai acontecer quando houver essa perspectiva filosófica, esse processo de encanto, que é contagioso, sobre a Literatura, Matemática, História e outros diversos temas”.

Almeida também explicou a importância da sensibilização social como parte do letramento científico e a necessidade de cultivar a não alienação e evitar a indiferença estimulada pelas mídias convencionais. Para isso, é necessário que os estudantes tenham acesso a informações reais sobre situações de injustiça social que ocorrem no mundo desde cedo e que recebam, assim, estímulo para o pensar criticamente sobre o mundo que os cercam. “Se a criança não for estimulada a ter essa sensibilidade social, a ciência será uma mera categoria abstrata”, pontuou.

Para o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Luís Carlos de Menezes, que realizou a pesquisa, é preciso ainda pensar uma política educacional que envolva também a mídia para que o diálogo entre esses dois pólos possa ser unificador, ou seja, que os veículos de informação cumpram seu papel social.

Crédito: divulgação

Crédito: divulgação

Letramento científico em formação

Ainda segundo o professor Menezes a formação docente na rede pública tem uma abrangência muito pequena em ciências. O estudo que serviu para compor o ILC constatou que dois terços dos brasileiros tem o letramento não científico ou meramente rudimentar. E o letramento proficiente entre professores chega a meros 11%.

Alejandra Velasco fez uma análise sobre a Meta 15 do PNE, que trata da formação adequada do professor na disciplina que leciona. Apenas 34% dos professores de ciências possuem formação na área. Em Biologia, 52% possuem formação específica, já em Física, apenas 19% dos professores têm diploma na área.

Luis Carlos se diz assustado com os 15% de letramento científico nos cargos de chefia em instituições públicas e privadas. Para mudar esse quadro, a solução pode ser um diálogo entre os setores envolvidos. “Se fala muito em desenvolvimento nacional, mas não há desenvolvimento que se faça sem um aprofundamento sério e isso vai depender de iniciativas que integrem MEC, Capes, terceiro setor e outros esforços”, aponta.

A percepção de que o ensino fundamental e médio necessitam ser o pilares do aprofundamento no letramento científico foi unânime. Para a pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, Sandra Unbehaum, um dos desafios é o fato da educação fundamental ter forte presença da iniciativa privada. “Parece que temos um certo pudor em trazê-los para esse diálogo, existe pouca interlocução”, disse.

Sandra também lembrou da importância da inclusão das mulheres na ciência. “As mulheres ainda estão pouco presentes, necessitamos refletir sobre como esse conhecimento pode chegar de forma igualitária para meninas e meninos”, provocou.

O 1º Seminário Experimenta também contou com a presença do Instituto Akatu, além dos palestrantes Bernadete Gatti, vice-presidente da Fundação Carlos Chagas; Ricardo Urzal Garcia, presidente da Abramundo, Anderson Leonidas Gomes, professor do Departamento de Física da UFPE; Paulo Monteira Vieira, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora; Nilson José Machado, da Faculdade de Educação da USP;  Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP e Eduardo Felipe Pérez Matias, doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP, entre outros.

Confira abaixo alguns depoimentos de alguns participantes sobre o papel da escola, gestão pública e comunidade na expansão do Letramento Científico:

Escola

“Um dos papéis é permitir ao indivíduo que ele construa um projeto pessoal e social mais amplo, que inclui a questão dos valores. Isso é o que a escola básica deve fazer por lei. Acontece que a política educacional nacional ainda não tem exercido isso na educação superior. Com isso, a educação básica, que deveria formar o cidadão para o ingresso à universidade e ao mercado de trabalho, acaba morrendo na praia. Hoje os currículos começaram a ser pautados pelos exames vestibulares e pelo Enem, não há um currículo amplo que constitua o estudante como cidadão. Temos que fortalecer a escola: melhorar a infraestrutura, salários e carreiras dos professores.”
Claudia Davis, professora da PUC-SP, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas.

“Na educação fundamental a ciência deve aparecer como elemento integrado, não separada da Química, Física, Biologia e Matemática. É preciso que se desenvolva a curiosidade. Temos que parar de ficar apenas transmitindo informações para as crianças e jovens. Às vezes, melhor que uma resposta definitiva é uma boa pergunta. A professora pode não ter formação científica, mas se ela conseguir partilhar a curiosidade como visão de mundo, ela vai atuar nesse letramento. Questões como: será que a estrela Dalva é uma estrela mesmo? Por que ela brilha diferente? Será que uma dessas estrelas não pode ser um sol, ou um planeta? Ciência tem que ser divertido e tem que emocionar…”
Luis Carlos de Menezes, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo.

Comunidade e Gestão Pública

“É essencial o envolvimento da família na escola. Quando fui secretário de Educação em Pernambuco, notei que as melhores escolas que saíram dos baixos indicadores eram escolas do interior, pois lá é mais fácil para a família se envolver por razões de mobilidade. Nas escolas de grandes cidades é preciso achar formas para manter essa proximidade, como lições de casa que os filhos levam para os pais fazerem juntos. As iniciativas por um letramento científico precisam começar no ensino fundamental, e por isso a gestão pública é muito importante. Os gestores precisam receber esse tipo de informação, ser treinados para entender o letramento científico”.
Anderson Gomes, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco.

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