publicado dia 21/02/2019
Olimpíada de Língua Portuguesa: “Ler e escrever são direitos de cidadania”, diz Conceição Evaristo
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 21/02/2019
Reportagem: Ingrid Matuoka
“Se nós vivemos em uma sociedade onde direitos e deveres são de pertença de todos os brasileiros, temos de pensar a leitura e a escrita como direitos de cidadania que a escola tem que garantir”, afirmou Conceição Evaristo durante o lançamento da 6ª Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, que ocorreu nesta quarta-feira 20, em São Paulo.
Leia + Ganhador do Jabuti, Mailson Furtado Viana transformou sua cidade sertaneja em literatura
Podem participar do concurso alunos de escolas públicas de todo o Brasil, do 5º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo site da Olimpíada.
Os estudantes podem participar dentro de cinco gêneros de conteúdo com o tema “O lugar onde vivo”: Poema para alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, Memória Literária para 6º e 7º anos, Crônica para 8º e 9º anos, Documentário para 1º e 2º anos do Ensino Médio e Artigo de Opinião para o 3º ano do Ensino Médio.
Para além de encarar a escrita como um instrumento social, isto é, que promove maior inserção na sociedade e possibilita a expressão de desejos, medos e direitos, Conceição Evaristo também ressaltou que permitir que os alunos escrevam suas próprias histórias pode ser um caminho para reparar a dívida que o Brasil carrega em relação às narrativas que foram construídas em torno das populações marginalizadas e violentadas ao longo dos séculos.
Nesse sentido, o tema da edição deste ano da Olimpíada, “O lugar onde vivo”, vai de encontro a este propósito, ao convidar crianças e jovens a olharem para o território que habitam na perspectiva física, afetiva, social e identitária.
A Olimpíada é promovida pela Fundação Itaú Social e o Ministério da Educação (MEC), sob a coordenação técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). No ano passado, participaram da Olimpíada 5 milhões de estudantes de 87% dos municípios brasileiros.
“No Brasil, sabemos mais sobre a Inconfidência Mineira do que sobre os quilombos de Minas Gerais, porque esse registro interessa menos para a história escrita e para a Literatura. Assim, a Olimpíada dá a oportunidade de professores trabalharem essas histórias locais que fazem sentido para o sujeito, para ele entender que a história dele vale a pena ser contada e escrita”, disse a autora mineira que inaugura o rol de escritores que serão homenageados a cada nova edição da Olimpíada de Língua Portuguesa.
Mas para que essa escrita possa ganhar vida preservando e valorizando a autenticidade de cada indivíduo, a escritora recomendou alguns cuidados:
“Um dos elementos que pode bloquear a escrita é a falta de leitura. A leitura provoca. Não só a leitura do texto escrito, mas a leitura que fazemos do rosto das pessoas, dos gestos, dos espaços físicos, da memória. Por isso, tenho dito para as classes populares, oriundas das culturas indígenas e africanas, que nós trazemos um cabedal de memória que é construído através da palavra” diz Conceição, que relata ter nascido rodeada de palavras. “Não tenho dúvidas de que foi esse cabedal oralizado que me permitiu caminhar pela escrita. Foi todo um acúmulo de palavras, experiências com a literatura oral, que eu pude depois transformar em literatura escrita.”
Para a escritora, há um imaginário equivocado em relação aos escritores. “Parece que escrever é algo que é dado, uma potência, uma oportunidade de determinadas categorias sociais, ou para os homens”. Neste cenário, é comum ver jovens escritores de camadas populares se afastarem da escrita. “Escrever é colocado em um lugar sagrado, mas a escrita e a leitura têm estar em um lugar de pertença de todos.”
Outro ponto trazido por Conceição foi o de que só consideramos um lugar se ele for importante para nós. Logo, se o professor consegue valorizar o lugar de pertença de cada aluno, mostrando esse território como importante na experiência dos estudantes, ele vai despertar esse desejo de escrita nos alunos.
“Gaúcho e amazonense falam português. O mineirês também é português. Essa amplitude dos falares brasileiros, de idioletos familiares e regionais, essa diversidade linguística tem que ser respeitada e utilizada como elemento para o texto escrito”. Nesta perspectiva, os professores têm o desafio de propiciar a aquisição da norma culta também aproveitando a experiência linguística que o aluno traz de casa, rompendo com o preconceito linguístico. “Também faz parte pensar qual Literatura, quem são os autores que os educadores levam para a sala de aula. São só os consagrados? A Olimpíada tem que encarnar o compromisso de valorizar a diversidade de um português falado, lido e escrito no Brasil”, explicou.