publicado dia 17/04/2025

Funk na escola: como aliar música, matemática e crítica social

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒 Resumo: Nesta entrevista, o músico, pesquisador e ativista, Thiago de Souza, criador do Canal do Thiagson, explica a relação entre funk e geometria e traz inspirações de como abordar o ritmo musical na escola.

Nos batuques sobre as mesas, nos passinhos no pátio e na ponta da língua de crianças e adolescentes, o funk já faz parte da realidade de muitas escolas brasileiras, mas ainda não ganhou as lousas e cadernos nas salas de aula. Nem mesmo nas aulas de Música é comum estudar um dos ritmos musicais que mais faz sucesso no Brasil – e, cada vez mais, também fora dele.

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Para ajudar a garantir seu devido lugar, o músico, pesquisador e ativista Thiago de Souza publicou sua tese de doutorado Putologia Avançada: Musicologia do Funk pelo Departamento de Música da Universidade de São Paulo (USP) em 2024.

No estudo, ele usa figuras geométricas para explicar o ritmo do funk. Pontos marcados em um círculo conforme a batida do funk, ao serem unidos, formam um pentágono – a representação geométrica do famoso “tum tchá tchá tum tchá”.

Além da análise musical, sua tese também aborda questões sociais, raciais e de gêneros neste universo cultural. Em seu perfil nas redes sociais, o Canal do Thiagson, há mais divulgações científicas sobre funk, música periférica urbana, preconceitos musicais, racismo e sexualidade na música, entre outros.

Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, o especialista explicou a relação entre funk e geometria, deu orientações de como abordar o tema na escola e destacou os ganhos para o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes ao se aproximarem do ritmo por meio da Educação.

“O que todo mundo ganha é uma consciência do que é o Brasil, das desigualdades sociais e entre as diferenças raças. O Brasil é um país muito racista, que no passado pregou que não era racista, então isso promove uma consciência social para o que o funk traz como resultado sonoro de como a sociedade funciona”, afirma Thiago.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista: 

Centro de Referências em Educação Integral: Qual a relação entre a batida do funk e a geometria? 

Thiago de Souza: É uma forma visual de representar os ritmos da música. Esses ritmos populares trabalham com a repetição, então faz sentido representá-los em um círculo. As repetições de padrões rítmicos dividem o círculo em partes iguais matematicamente e assim conseguimos perceber em cada momento do tempo onde ocorre cada emissão, e traçar os pontos. 

“O funk é um tipo de música julgada por ser considerada uma música pobre, menos elaborada, o que não é verdade”, diz Thiago de Souza

É uma forma de tentar explicar essas representações visuais ou até a transposição de uma música em texto. É uma forma de tentar explicar a experiência musical.

E isso é importante para perceber que a música, como ela se manifesta, tem elementos muito desconhecidos. O funk é um tipo de música julgada por ser considerada uma música pobre, menos elaborada, o que não é verdade, e repetitiva, o que também não é verdade, levando em conta que a repetição em si não é um problema, mas é o que se faz com a repetição. Esse esquema mostra o que tem de informação musical no funk.

CR: Como os professores podem utilizar esses conhecimentos do seu trabalho sobre música, funk e geometria na escola? 

Thiago: Pode ser aproveitado nas aulas de Matemática, como parte da geometria. O funk envolve questões matemáticas, da contagem dos tempos, de como ele se subdivide, porque os músicos têm uma maneira própria de medição do tempo, bem racional e matemática, e que obedece outra lógica, que não é a do segundo e milissegundo. 

Também nas aulas de Música, porque não tem problema nenhum levar qualquer tipo de funk e falar do ritmo, da batida, da melodia, dos timbres, da parte técnica. Quando se discute funk, costumam falar muito do conteúdo das letras, que chocam a moralidade e a opinião pública, e com isso se perde a substância musical, que é o motor de tudo, o que causa muito interesse, e não necessariamente o que está sendo cantado.

“A Educação não pode ser o lugar moralizador, que vai dizer o que presta para ser estudado ou não”, afirma.

Além disso, tem as discussões sociais, porque o meu trabalho fala bastante da música, mas também do significado da letra, o significado político do que está sendo cantado – político no sentido amplo, não partidário.

A sala de aula é o lugar para discutir e analisar a realidade, e o funk já está nela, é uma realidade vivida pelos alunos. As escolas e universidades têm dificuldade em digerir o presente, se integrar a ele, mas a Educação não pode ser o lugar moralizador, que vai dizer o que presta para ser estudado ou não. Então é trazer a realidade sem julgamento moral, porque ele impede a reflexão da vida, e tornar a escola um espaço mais conectado com a realidade. 

Onde os funks mais violentos e explícitos já fizerem parte da realidade do aluno, devemos trabalhar com isso e procurar despertar uma conscientização para aquilo. Desnaturalizar o que está naturalizado, fazer olhar com estranheza, uma das missões da Educação, que vale para o funk e para tudo.

No caso de crianças de classes mais altas, que provavelmente vivem um outro tipo de funk, estudar esse tipo de música vai acrescentar em consciência musical, porque o funk é nossa música contemporânea popular brasileira, que tem se internacionalizado através das redes sociais, então faz parte da cultura jovem.

CR: Como esse tipo de trabalho contribui para o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes? 

Thiago: O que todo mundo ganha é uma consciência do que é o Brasil, das desigualdades sociais e entre as diferenças raças. O Brasil é um país muito racista, que no passado pregou que não era racista, então isso promove uma consciência social para o que o funk traz como resultado sonoro de como a sociedade funciona. 

“A música é uma forma de conhecer o mundo, os código sociais, o que acontece no mundo, através da escuta”, explica.

A música é uma forma de conhecer o mundo, os código sociais, o que acontece no mundo, através da escuta. Todo mundo vai ganhar conhecendo o Brasil e tendo mais consciência social e sonora do que está ouvindo.

Também ajuda a combater o preconceito musical de que funk não é música, não tem ritmo e melodia. Ainda usam esses antigos valores europeus para ditar o que é música e para instituir um preconceito e desmerecer toda cultura musical preta e periférica. Essa criança vai perceber que esses discursos que tentam deslegitimar qualquer gênero musical não são científicos, é uma disputa política. 

Ao derrubar a moralidade nos espaços de Educação, também se ganha no interesse dos estudantes e não fica a escola como o lugar de “assunto chato” e como se escutar funk, jogar futebol e videogame não fossem Educação também.

No vídeo a seguir, Thiago explica a relação entre funk e geometria:

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