publicado dia 22/10/2021

Faz sentido pensar em perdas irreparáveis na aprendizagem durante a pandemia?

Reportagem:

Selo ReviraVolta da Escola PerguntaAs escolas brasileiras estão entre as que permaneceram fechadas por mais tempo em comparação a outros países, de acordo com um estudo do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), e ainda contando com pouca coordenação nacional. Além disso, as desigualdades sociais, ampliadas pela pandemia, levaram crianças e adolescentes ao trabalho infantil e à exclusão escolar. Soma-se a esse cenário as 604 mil mortes por Covid-19 (dado de 20/10/2021, de acordo com o Ministério da Saúde)  e os lutos que ainda precisam ser feitos. 

Leia + Como garantir que todos os estudantes aprendam na reabertura das escolas?

De fato, o contexto é dos mais desafiadores já vividos pelas escolas, mas pensar em “perdas irreparáveis” na aprendizagem e “geração perdida” é o que, na verdade, pode dificultar ainda mais as coisas.

“Quando se fala em educação e formação de seres humanos, pode se falar em perdas, mas irreparáveis nunca, porque há uma plasticidade nas possibilidades cognitivas, sociais e afetivas dos sujeitos de se adaptar e de aprender sempre. Do contrário, o educador abre mão de confiar na potência das crianças e adolescentes de se desenvolverem”, explica Regina Scarpa, educadora.

Aprender o tempo todo também significa aprender em qualquer lugar, inclusive em casa, ainda que as escolas sejam uma parte fundamental desse processo e possam atuar como catalisadoras das aprendizagens e proporcionar experiências educativas únicas. “Muitos não aprenderam o que estava no currículo, mas sobre a rotina e o convívio familiar, na comunidade, a importância dos cientistas, sobre saúde, desemprego, morte e perdas, sobre como resolver problemas, o que é uma competência essencial para a vida toda”, diz Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC.

Para a especialista, também preocupam as tentativas de “acelerar aprendizados”, já que estamos próximos do fim do ano. Ressalta ainda que, em vez disso, são necessárias novas e melhores condições para os educadores trabalharem e para as aprendizagens acontecerem; mais do que tudo, “acreditar que as crianças e os estudantes são muito mais sabidos do que podemos imaginar”.

Karina Rizek, consultora da Avante Educação e Mobilização Social e formadora da Escola de Educadores, destaca que negar esses discursos é crucial para que as escolas e a educação como um todo possam avançar e se reinventar: “Não existe retorno, existe seguir daqui, com tudo que passou, para frente, repensando o lugar da escola, as concepções de ensino e aprendizagem, de currículo e como e onde as aprendizagens acontecem”.

Perdas irreparáveis: de onde vem esse discurso? 

“O discurso de perdas irreparáveis é a reverberação dos discursos que a gente ouve há 520 anos nesse país, nessa perspectiva da eugenia e da supremacia branca, de que ‘os pobres é que não deixam o país ir para frente’, ‘são as crianças que não aprendem que são um problema para a educação’. Talvez as pessoas não se deem conta de qual é a base histórica desse discurso, o que está no imaginário coletivo sobre um país que sempre se sonhou branco, europeu, avançado, e que sempre responsabilizou as pessoas mais pobres e que foram colocadas na pobreza por esse sistema desigual. Esse discurso não é novo”, explicou Gina Vieira, professora na rede do Distrito Federal (DF), em uma entrevista a Natacha Costa, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz, com Helena Singer, presidente da Ashoka.

Juntas, as especialistas analisaram em profundidade o discurso de perdas irreparáveis: de onde vem, o que significa e quais são suas implicações. Confira a conversa na íntegra abaixo:

Em adição a essas análises, Regina Scarpa chama atenção para outro ponto: “visões alarmistas sempre precedem uma oferta milagrosa, e bem cara, de salvação dessa desgraça”.

Como seguir? 

Para que as escolas e os educadores e educadoras possam reconhecer e incorporar pedagogicamente as experiências e aprendizagens vivenciadas na pandemia, algumas condições são necessárias. Em primeiro lugar, é preciso acolher toda a comunidade escolar e promover a busca ativa das crianças e estudantes, garantindo o acesso deles e de suas famílias a todos os direitos fundamentais por meio de ações intersetoriais. 

Depois, é necessário que o poder público promova as condições sanitárias e epidemiológicas para que seja possível permanecer nas escolas de forma segura e dê estrutura para que todo o trabalho pedagógico possa ser realizado. 

Aí é hora de ouvir educadores, estudantes e famílias sobre como foi, e ainda é, a pandemia para todos e cada um, o que desejam manter desse período e o que da escola anterior à pandemia não desejam que volte a acontecer. “E também de valorizar muito os esforços que os professores empreenderam para manter o vínculo com os alunos”, acrescenta Regina.

“Quanto mais as decisões forem tomadas de forma compartilhada e dialogada, mais todo mundo se corresponsabiliza pelo resultado. Isso vai envolvendo cada vez mais as pessoas na escola para olhar além do currículo e começar a pensar e gerar uma reviravolta da escola, onde vai ser possível que cada escola faça sentido para aquelas pessoas, que seja amorosa, onde o aprender seja alegre, vivo e prazeroso, onde as relações sejam solidárias e atenciosas, em prol de uma sociedade e de um país melhor”, enfatiza Tereza.

Já em relação ao que fazer a partir dos diagnósticos das aprendizagens, a especialista recomenda que eles sirvam para que os coordenadores pedagógicos e educadores planejem experiências educativas personalizadas. Em uma turma é possível, por exemplo, identificar grupos que necessitam de um mesmo tipo de abordagem e definir atividades pedagógicas diferenciadas. 

Também é possível aproveitar as dinâmicas híbridas para atividades que os estudantes possam fazer sozinhos ou na comunidade em que vivem, com recursos tecnológicos ou não. 

“Só não é interessante pensar na estratégia de reforço escolar. É mais proveitoso oferecer outros recursos e investigar as razões dos estudantes não terem aprendido, para poder planejar um caminho. Outra ação é propor grupos de apoio entre os estudantes, com alguma orientação de um educador”, indica Tereza.

No planejamento das atividades, vale ainda atenção ao território e aos outros espaços que podem promover ou acolher experiências educativas, como exposições, parques e praças. “O desemparedamento é muito importante, as crianças ficaram muito tempo fechadas, então é usar espaços externos, elementos da natureza. E que esses momentos também permitam a sociabilidade, para que eles aproveitem esse momento de voltar a se relacionar, se respeitar, a aprender a estar com outros diferentes dele”, orienta Karina.

Sobretudo nos últimos meses, com a retomada presencial das atividades nas escolas, equipes de educadores vêm construindo possibilidades para valorizar e incorporar pedagogicamente as vivências dos estudantes e do território na pandemia. Conheça algumas experiências de escolas públicas, da educação infantil à de jovens e adultos.

*Foto: Creche Baroneza de Limeira/Divulgação

O que é a #Reviravolta da Escola?

Realizado pelo Centro de Referências em Educação Integral, em parceria com diversas instituições, a campanha #Reviravolta da Escola articula ações que buscam discutir as aprendizagens vividas em 2020 e 2021, assim como os caminhos possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.

Leia os demais conteúdos no site especial da #Reviravolta da Escola.

 

No lugar da volta, a reviravolta da escola

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