publicado dia 13/04/2020
Especialista alerta para riscos da EaD na Educação de Jovens e Adultos
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 13/04/2020
Reportagem: Ingrid Matuoka
O Conselho Nacional de Educação (CNE) autorizou a realização de atividades a distância em caráter substitutivo às aulas presenciais durante o período de isolamento social, devido à pandemia do novo Coronavírus.
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A decisão inclui a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), mas para Edneia Gonçalves, diretora executiva adjunta da Ação Educativa, e especialista em EJA, a medida é “impensável”, por desconsiderar todas as especificidades e demandas da modalidade e seus sujeitos.
“A EaD seria bem vinda como mais uma das possibilidades metodológicas em um processo de articulação de saberes que inclui os multiletramentos e o acesso às novas tecnologias. Mas ainda não conseguimos discutir um modelo de EaD que dê conta das demais modalidades de ensino, quem dirá para EJA. É colocar embaixo do tapete todas as demandas por educação e atendimento de qualidade para jovens e adultos”, diz.
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, a especialista abordou as especificidades da modalidade e alternativas para manter jovens e adultos em contextos de aprendizagem. Confira os principais trechos:
Centro de Referências: Como avalia a situação da EJA durante essa pandemia de Covid-19 e os esforços das redes para tentar realizar algum trabalho pedagógico a distância?
Edneia Gonçalves: Essa discussão antecede a pandemia. Há um tempo temos visto um desinvestimento na EJA: ela não não aparece na BNCC, por exemplo. Os cursos noturnos, que concentram o maior número de estudantes de EJA em todos os níveis, têm sido fechados, e muitas redes têm optado por fazer EJA a distância no Ensino Médio, para manter o atendimento, ignorando as especificidades da modalidade.
CR: Na sua opinião, quais são características da Educação de Jovens e Adultos tornam a prática de EaD arriscada?
Edneia: Os estudantes da EJA têm na sua trajetória escolar uma marca muito grande da exclusão educacional, de ter que lidar com propostas que não consideram a rotina e o universo das pessoas adultas, e currículos que não levam em conta seus conhecimentos e experiências de aprendizagem não-formais, tampouco suas rotinas de trabalho e em relação à família.
Por isso, precisamos de políticas públicas voltadas a essa questão, de formação dos professores, de processos avaliativos e currículos que considerem as diversidades. Atender com qualidade na EJA tem a ver com o espaço escolar, o acesso ao professor, ser reconhecido como alguém que tem possibilidade de aprendizagem, que é um sujeito de conhecimento, e isso acontece quando acessa os rituais da escola. Isso tem a ver com aprendizagem mediada, compartilhada, presencial, de uma pessoa mais experiente nos conhecimentos acadêmicos, que é o professor.
E aí quando finalmente essa pessoa tem a possibilidade de escolarização, ela vai aprender em casa. Mas onde está o computador? E a internet? Quem vai mediar a relação com o celular, que é usado para uma série de coisas, mas que não é indicado para essa relação? Tirar do estudante o direito que ele tem ao acesso ao professor, a essa relação mediada de aprendizagem, é dizer que a escola não serve para nada.
E podemos pensar em construir uma possibilidade de formação integral na EJA onde a EaD seria bem vinda como mais uma das possibilidades metodológicas em um processo de articulação de saberes que inclui os multiletramentos e o acesso às novas tecnologias.
Mas ainda não conseguimos discutir um modelo de EaD que dê conta das demais modalidades de ensino, quem dirá para EJA. EaD exclusivamente é impensável, é colocar embaixo do tapete todas as demandas por educação e atendimento de qualidade para jovens e adultos.
CR: E quais alternativas poderiam ser adotadas para manter os adultos em um contexto de aprendizagem durante o isolamento social?
Edneia: O que pode acontecer é uma produção de conteúdos literários e de diálogos, por meio de aplicativos. É ter contato com as pessoas para manter a interlocução. Isso pode aparecer na forma de grupos e fóruns reunindo estudantes virtualmente para uma leitura de um conto, marcando um momento de disparar textos, jogos, brincadeiras. É pedir que eles gravem vídeos, áudios ou escrevam sobre o que estão fazendo em casa com seus filhos e netos, incentivar que troquem receitas, ou que transformem o que têm vivido em contos e poesias.
Mas não podemos pensar que isso vai substituir a aula presencial, porque para dar conta disso, precisaríamos primeiro formar os profissionais de educação, que precisam do contato presencial, para depois construir alternativas não presenciais.