publicado dia 29/10/2025
Escolas se mobilizam contra a instalação de incinerador de lixo em Perus
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Roberta Tasselli
publicado dia 29/10/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Roberta Tasselli
🗒 Resumo: Comunidade de Perus, em São Paulo (SP), se mobiliza contra a instalação de um incinerador de lixo no território e envolve as escolas em ações pedagógicas sobre o tema.
A Prefeitura de São Paulo (SP) prevê a instalação de um incinerador de lixo em Perus, a sete quilômetros da Terra Indígena do Jaraguá e perto do Refúgio de Vida Silvestre do Parque Anhanguera, maior parque urbano de São Paulo (SP) e a maior área verde da capital.
A proposta despertou uma mobilização da população local, que questiona os impactos ambientais e sociais da medida. A discussão ultrapassou os limites das assembleias comunitárias e passou a fazer parte também das práticas educativas de escolas do território, que vêm transformando o debate em experiências de aprendizagem integradas ao cotidiano dos estudantes.
Foi nesse contexto que nasceu o movimento “Incinerador de Lixo em Perus, Não”. O grupo promove discussões e protestos, cobra a realização de audiências públicas, defende que a reciclagem e a compostagem sejam priorizadas e que as cooperativas de catadores sejam fortalecidas, como prevê o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS).
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Eles explicam que a queima de lixo em usinas libera gases tóxicos para o meio ambiente e a população, além dos gases de efeito estufa, que agravam a crise climática.
No caso específico de Perus, a proposta é que ele seja instalado no terreno do antigo Aterro Bandeirantes. Desativado em 2007, o local foi um dos maiores aterros sanitários da América Latina. Essa forma de tratamento do lixo continua a produzir chorume, mau cheiro e emissão de gases por até 20 anos após sua desativação.
“A escola é o lugar da produção de conhecimentos, e que depois as crianças levam esses assuntos para suas famílias”, diz Maria Helena Bertolini Bezerra
“Construir um incinerador sobre ou próximo a um local com presença de gás inflamável como um aterro sanitário que ainda gera biogás metano — que é altamente inflamável e ainda pode estar acumulado no subsolo — é uma atividade potencialmente perigosa, criando riscos de explosão e incêndio em grande escala. Só poderia ser reutilizado com base em estudos técnicos que monitorem a qualidade da água e do solo”, alerta a química e moradora Thaís Santos, também cofundadora da Comunidade Cultural Quilombaque e conselheira da WWF-Brasil.
A mobilização contra a instalação do incinerador também chegou às escolas de Perus, que passaram a discutir o tema em sala de aula. “A escola é o lugar da produção de conhecimentos, e que depois as crianças levam esses assuntos para suas famílias, e é o espaço da formação para a participação na vida cidadã e política”, diz Maria Helena Bertolini Bezerra, professora aposentada da rede municipal de São Paulo e do Ensino Superior, que participa de movimentos de Educação.
A professora do CIEJA Perus, Patrícia Siqueira Melo, concorda: “Nossa função é compartilhar essa informação com os estudantes e construir conhecimentos junto com eles, porque é algo que vai impactar a vida e a paisagem deles”.
“Quem mais vai sofrer com tudo isso é a população periférica, que é tratada como descartável”, diz a professora Patrícia Siqueira Melo
Essa não é a primeira vez que a comunidade se mobiliza. Perus protagoniza uma série de lutas contra a ditadura e a anistia, a partir da descoberta da vala clandestina de Perus, por direitos trabalhistas, com a maior luta sindical do país, as Queixadas, contra a instalação do aterro sanitário no começo dos anos 2000 e, depois, para evitar que ele fosse reativado por mais 25 anos.
“Vamos rememorar tudo que já aconteceu no bairro e o que está acontecendo agora, unindo isso ao currículo escolar. A proposta não é levar algo pronto, mas pensarmos todos juntos”, explica Maria Helena.
Quando a professora Patrícia compartilhou a notícia com seus estudantes jovens, adultos e idosos, a reação foi de indignação. “Temos estudantes que estão no bairro há muito tempo e contaram que já tiveram que lutar pela retirada do aterro e que na década de 90 houve outra tentativa de implantar o incinerador”, conta.
Durante a conversa, surgiram muitas dúvidas. Como funciona um incinerador? Quais são os impactos para a nossa vida? Por que isso está sendo feito? Quem se beneficia e quem se prejudica com isso? A partir dessas indagações, a professora vai conduzir os estudos com a turma.
“Se não fosse a articulação do território, a informação não teria chegado aos moradores. E eles precisam compreender a realidade para, a partir disso, poderem interferir”, afirma Patrícia.
Na sexta-feira, 31 de outubro, o CIEJA Perus vai realizar a Feira de Economia Solidária, aberta para toda a comunidade. No período da tarde, acontece a roda de conversa “Outro mundo é possível! Incinerador de lixo em Perus, não!”, com Luzia Maria Honorato, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis e moradora de Perus.
“É um debate necessário para falar sobre esse modelo de lidar com os resíduos sólidos, o risco que nos causa e as alternativas viáveis com geração de renda para a população e cuidado com o meio ambiente, como é o caso de cooperativas de materiais recicláveis”, diz Patrícia.
Com as crianças, o movimento planeja lançar em breve um festival de vídeos de curta-metragem sobre lixo. “Vamos ver o que as crianças vão produzir de conhecimentos sobre o tema, junto aos professores, a partir de algo que está acontecendo muito próximo delas”, aponta Maria Helena, que também é formadora de professores e membro do Coletivo Paulo Freire e do movimento de reapropriação da Fábrica de Cimento.
De acordo com o plano da Prefeitura de São Paulo, mais dois incineradores devem ser construídos na capital: um na Zona Sul, em Santo Amaro, e outro na Zona Leste, em São Mateus.
“Quem mais vai sofrer com tudo isso é a população periférica, que é tratada como descartável. Estamos no território, queremos e temos direito a ter um lugar bom para viver”, diz Patrícia.
A construção do incinerador é de responsabilidade das concessionárias Loga e Ecourbis, com supervisão da Prefeitura de São Paulo, por meio da SP Regula, autarquia que administra o sistema de limpeza urbana da cidade.
A SP Regula informa que audiências públicas estão previstas e ocorrerão para a implementação dos Ecoparques e das Unidades de Recuperação Energética (URE) na cidade. Nessas reuniões, com data ainda a definir, a população terá a oportunidade de conhecer o projeto e tirar dúvidas. É importante esclarecer que as UREs não podem ser confundidas com os antigos incineradores dos anos 1970 e 1980. Elas não representam risco à saúde da população e prova disso é que a maioria dessas unidades pelo mundo está localizada em áreas residenciais. Na capital da Dinamarca, por exemplo, funciona há seis anos a CopenHill, uma URE que incinera 440 mil toneladas de resíduos por ano a menos de 1,5 quilômetro em linha reta da sede do Parlamento Dinamarquês.
Além disso, as Unidades de Recuperação Energética fazem parte do complexo dos Ecoparques, que têm como objetivo diminuir o volume de resíduos encaminhados aos aterros, gerando energia, criando empregos e melhorando os cuidados com o meio ambiente e preservando a saúde pública. A previsão é que sejam instalados três Ecoparques na cidade: um em Santo Amaro, ao lado do aterro desativado; outro na Zona Oeste, nas dependências do aterro desativado Bandeirantes; e o terceiro na Zona Leste, nas dependências do CTL São Mateus – este está em fase de licenciamento junto à CETESB. Em Perus, a área destinada ao Ecoparque fica no km 26 da Rodovia dos Bandeirantes. Nessa área também está prevista a instalação de uma URE.