publicado dia 27/02/2015
Em São Paulo, escolas municipais do Butantã ganham espaço para pensar conduta sustentável
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 27/02/2015
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Jefte Hugo Pereira é um grande observador e mobilizador na EMEF Maria Alice Borges Ghion, no Butantã, bairro da capital paulista. O agente de apoio que acompanhava as práticas pedagógicas da instituição foi capaz de sensibilizar os professores, com apoio da gestão escolar, para uma mudança de conduta nas atividades relacionadas ao meio ambiente. “Percebi que quando os professores e alunos trabalhavam a horta (que já existia na escola), as atividades giravam em torno do preparar a terra e plantar as sementes. E só isso não é suficiente”, relatou reforçando a necessidade de se atrelar a prática a um contexto amplo de sustentabilidade.
Essa percepção veio de sua participação no Grupo de Estudo de Sustentabilidade, criado pelo departamento de programas especiais de educação integral da Diretoria Regional de Educação (DRE) Butantã, em articulação com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) da prefeitura de São Paulo. O grupo nasceu com o objetivo de propiciar às escolas um espaço de troca de experiências sobre as ações sustentáveis.
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A diretiva, cada vez mais solidificada entre os gestores, vem ocasionando mudanças nas políticas e na compreensão do papel da escola. “Uma escola sustentável ‘caminha’ com as próprias pernas. É essa autonomia que queremos estimular”, explica a técnica de educação da DRE Butantã, Andréia Tolentino. Ela conta que o grupo foi ganhando força à medida que as pessoas foram se percebendo no território, e reconhecendo a existência de diferentes coletivos direcionados à causa. Para o grupo, também foi importante a percepção da escola enquanto protagonista e o reconhecimento de que, sozinha, não daria conta de tamanha articulação e mobilização.
O ponto de vista é compartilhado pela SVMA que, por sua vez, procura dialogar com outras secretarias para ações integradas. “A pessoa que vai pra escola é a mesma que frequenta o parque, procura pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS), pela assistência social”, observa a técnica da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) da Prefeitura do Município de São Paulo, Solange Cavalcante da Silva Redolfi, ressaltando a importância desses atores estarem envolvidos na criação de propostas e projetos sustentáveis.
Para ela, a escola tem um papel fundamental como espaço educador e não pode se pensar desvinculada das dimensões social, ambiental, política e econômica, garantindo a formação dos hábitos, da reflexão e de novas práticas. “Entendo que, com uma atuação em rede, estimulamos a intersetorialidade, a transdisciplinaridade e a interdisciplinaridade. Hoje, as matérias estão desfragmentadas. Mas a verdade é que a partir de uma horta, por exemplo, é possível estabelecer diversas relações e significados”, coloca Solange.
O diretor de programas especiais de educação integral da DRE Butantã, João Kleber Santana Souza, entende que a sustentabilidade deve ser pensada como condição humana. “As discussões que levantamos tratam da vida. Veja que quando falamos de uma horta, em uma abordagem pedagógica, é inerente a problematização do alimento enquanto direito. O mesmo ocorre com a crise hídrica. Não estamos falando de situações desarticuladas, mas da relação do ser humano com a natureza. Isso é educação integral, o entendimento de que o que a pessoa deve aprender na escola, é o que ela leva para sua relação com a vida”, reflete.
Para Andréia, as escolas da rede estão em momentos diversos da construção da sustentabilidade, explicando que isso é reflexo da abordagem tradicional da educação, e também de gestões pouco abertas ao diálogo, à participação. “Mas vivemos um movimento de força. A articulação em rede permite que as escolas vejam o desempenho das demais, troquem suas práticas, o que certamente potencializa esse avanço”, afirma.
A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente também possui a proposta de dotar a cidade de uma Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz (UMAPAZ), para ampliar a sensibilização e a preparação da sociedade para lidar com as riquezas e os riscos presentes na relação sócio-ambiental , bem como pela importância de fomentar e oferecer instrumentos para a ação conjunta de sociedade e governo em prol da sustentabilidade.
O grande objetivo é implementar pólos de educação ambiental nas 31 subprefeituras, desafio que, para a diretora do departamento de educação ambiental (DEA) Ana Valcarcel, convida diversos atores sociais para os enfrentamentos necessários. “A ideia é pensar as ações a partir do território, do diagnóstico local e, para isso, precisamos nos aproximar de quem já pensa o meio ambiente, a saúde, a educação. Precisamos nos pautar pela realidade das regiões”, afirma.
Outras escolas vem se organizando para incorporar o pensamento sustentável e desdobrá-lo em ações que as insiram neste contexto.
A escola tem feito um esforço para que as ações sustentáveis permeiem o currículo e o cotidiano da comunidade escolar e de seu entorno. O estudo do meio, com saídas para o território – a unidade fica em uma área remanescente da Mata Atlântica – é uma das formas dos alunos projetarem os aprendizados para o entorno, e pensar maneiras de dialogar com demais moradores a partir de seus projetos. Os alunos ainda são envolvidos no manuseio de composteiras para pensar a questão ambiental e, em relação aos alimentos, são incentivados a não desperdiçar e criar uma responsabilidade alimentar a partir do modo self service durante as refeições.
A unidade começou a se organizar para o repensar de suas práticas a partir do desperdício alimentar que verificavam ao servir as merendas. Muitos itens eram jogados fora, como peixe, soja, verduras e legumes demonstrando os hábitos alimentares pouco desenvolvidos pelos alunos. Com a participação no GT Sustentabilidade, surgiu a ideia de se trabalhar com a horta escolar e incentivar as crianças a experimentarem o que plantavam. Alguns restos de alimentos passaram a ser utilizados para alimentar as minhocas criadas para apoiar na fertilização do solo. Uma maneira encontrada de envolver a comunidade escolar no processo foi convidar funcionários e familiares a enviarem receitas saudáveis para que elas passassem a compor as refeições diárias. A ideia é que as sugestões integrem um livro, que será entregue aos alunos, para que essa conscientização se reflita no cotidiano familiar, e não só na escola. O óleo utilizado na cozinha também é depositado em galões e garrafas pets trazidas pelos estudantes e recolhido por uma empresa parceira que o transforma em biocombustível.
A partir da parceria com o centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CRESANS), instrumento público comunitário para a política de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Estado de São Paulo, a escola se organizou para combater o desperdício alimentar e conscientizar alunos e comunidade escolar para a importância da alimentação saudável. Os professores foram orientados a acompanhar os alunos na hora das refeições, degustando alimentos pouco conhecidos por eles e incentivando novas experiências. Essa prática compõe o Projeto Almoço e Projeto Intervalo. A saúde dos alunos, como casos recorrentes de cáries e sobrepeso, também está sendo tratada pela ótica da qualidade alimentar, e com o apoio de parcerias como da UNIFESP em palestras orientativas.