publicado dia 04/11/2021

Ensino híbrido: quais suas potencialidades e limites?

Reportagem:

Selo ReviraVolta da Escola PerguntaA pandemia de Covid-19 levou ao centro das atenções o ensino híbrido, sobretudo porque essa metodologia ativa é ideal para articular aprendizagens que acontecem em diferentes contextos e promover uma maior independência dos estudantes em relação aos professores. Mas nem tudo que parece ser ensino híbrido necessariamente é, e nem todos os desafios das escolas podem ser resolvidos a partir dele.

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“O ensino híbrido é, em primeiro lugar, um conjunto de estratégias organizadas e planejadas para que o professor seja um mediador e para colocar o estudante em uma situação ativa em relação ao conhecimento e às leituras de mundo”, explica Simone Lederman, pedagoga e uma das idealizadoras do Instituto Catalisador.

“É uma forma de aprendizagem que desperta neles a curiosidade, o reconhecimento e respeito ao ritmo próprio, a liberdade e, principalmente, o afeto”, afirma a professora Flavia Moura

As experiências pedagógicas promovidas a partir da metodologia favorecem a construção de conhecimentos contextualizados e significativos. A razão disso é a oportunidade que os estudantes têm de interagir colaborativamente com os colegas, buscar novos conhecimentos e soluções próprias a partir de seus interesses e saberes prévios, assim como interagir com os objetos de estudo a partir de diferentes abordagens e encarar os erros como parte da aprendizagem.

“É uma forma de aprendizagem que desperta neles a curiosidade, o reconhecimento e respeito ao ritmo próprio, a liberdade e, principalmente, o afeto, porque escolas são feitas de pessoas, então criar vínculos é fundamental”, afirma Flavia Moura, professora na rede pública do Rio de Janeiro (RJ).

Reconhecimento de habilidades e competências

Outro ponto estrutural do ensino híbrido é a personalização do processo de ensino e aprendizagem. A partir de uma avaliação diagnóstica das habilidades e competências da turma, o professor pode planejar ações coletivas e individuais para os estudantes, coletando ao longo das atividades novos dados que permitam reajustes no planejamento das próximas experiências pedagógicas. 

No ensino híbrido, as tecnologias digitais otimizam o tempo do professor e apoiam a coleta de informações acerca da aprendizagem dos estudantes, além de promover o letramento digital, tão necessário para o mundo contemporâneo. Enquanto pressionam o poder público por uma infraestrutura tecnológica adequada, as escolas não precisam se privar de trabalhar com a metodologia por falta de acesso aos recursos. 

“Ele pode acontecer no presencial ou no remoto, com tecnologia de ponta ou tecnologia de ponta dos dedos, como eu gosto de brincar em relação às atividades mão na massa. Mas também pode ser com leitura, com aula expositiva, porque o primordial é a intencionalidade pedagógica”, destaca Simone.

Nesse ponto, Priscila Gonsales, educadora e fundadora do Educadigital, orienta as escolas a refletirem sobre qual é o papel que a tecnologia desempenha nos processos de ensino e aprendizagem e como foi seu uso, se ocorreu, ao longo da pandemia. “Que benefícios e riscos ela traz? O que funcionou e o que não? O que aprendemos durante o período?”, sugere Priscila como questionamentos disparadores. 

Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC, e Maria Antonia Goulart, especialista em educação integral, inovação e tecnologia, também debateram o que pode o ensino híbrido e como implementá-lo a partir das Ciências da Educação, em entrevista a Natacha Costa, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz. Confira a conversa na íntegra: 

Pela potência dessa metodologia ativa e pelos resultados tão rápidos que os professores percebem ao implementá-la, o ensino híbrido tem sido apontado como o recurso que poderia resolver os desafios que a educação vive hoje, como as desigualdades de aprendizagem entre os estudantes, a reorganização curricular,  e o curto período até o fim do ano letivo, e a necessidade de recriar ou fortalecer o vínculo das turmas com a aprendizagem.

Embora o ensino híbrido de fato possa apoiar os educadores em todos esses pontos, ele não é uma bala de prata. “A Pedagogia sempre costuma ir pelos modismos, pelos slogans, quando o caminho é equilibrar e combinar estratégias diferentes, com intencionalidade”, lembra Simone.

“O desafio do século XXI é preparar os estudantes para serem pessoas e cidadãos melhores”, diz Simone Lederman

Essa metodologia ativa pode, por outro lado, ser um dos pilares para a transformação das escolas e sua adaptação ao mundo contemporâneo. “O desafio do século XXI é preparar os estudantes para serem pessoas e cidadãos melhores, que saibam dialogar e questionar por que as coisas são de um jeito e não de outro — e isso é a base da metodologia ativa — é aprender a fazer e resolver as coisas de forma autônoma, não só para conquistar posições no mercado de trabalho, mas porque isso traz uma experiência subjetiva que constrói uma identidade para além do consumo e do imediatismo, ajudando os estudantes a encontrar um propósito e um lugar no mundo, que não é só pessoal, mas coletivo”, observa Simone, para quem também vale atenção especial às propostas que crianças e jovens trazem para recriar a escola.

As condições necessárias

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Estudantes da EE Brasílio Machado usam o laboratório de informática durante o desenvolvimento das atividades do ensino híbrido

Crédito: EE Brasílio Machado

Além de recursos, infraestrutura tecnológica e apoio técnico da Secretaria, as escolas e educadores também precisam de formação para poder implementar o ensino híbrido. Nesse sentido, a fundamentação teórica é crucial mas, enquanto uma metodologia ativa, ela pede que os professores também possam vivenciá-la na prática, para que entendam a experiência que vão promover para os estudantes integralmente.

Além da formação, o professor precisa de parceria, seja com os pares da própria escola ou de outras, porque a criatividade é participativa. Ninguém é criativo sozinho, porque não é um talento pessoal, mas o que se faz no coletivo. Então o ensino híbrido só ganha forças no coletivo, porque o educador vê o que deu certo na experiência do outro, fica curioso e intrigado, e experimenta também, mas do seu jeito”, diz Simone Lederman.

A gestora da EE Brasílio Machado, em São Paulo (SP), Simone Romano, também orienta os professores a começarem a experimentar devagar, com poucos recursos e mudanças em um primeiro momento: “E ouvir os estudantes, porque eles têm muitos conhecimentos sobre os recursos digitais e sobre as vivências deles com a metodologia”.

Para a professora Flavia, vale ainda o exercício de olhar para os erros com menos peso: “Toda mudança leva tempo e envolve errar, então é importante uma postura flexível para encarar esse processo como uma aprendizagem também para os professores”.

Algumas experiências de escolas públicas com o ensino híbrido

  • Misturando bactérias e formas geométricas

Em 2014, quando Flavia Moura lecionava Matemática para o 7º ano na Escola Municipal Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro (RJ), ela criou em parceria com a professora de Biologia, Carla Fernanda Ferreira Pires, uma rotação por estações sobre bactérias e formas geométricas. “Era uma escola com pouquíssimos recursos, mas onde tive liberdade e apoio da direção para fazer diferente”, relata.

Após o planejamento das atividades, a dupla criou três estações: em uma, os estudantes leram e discutiram acerca de um texto sobre o Reino Monera para, em seguida, sortear uma carta com três perguntas e desafiar o colega a responder. Em outra, usando massinha, construíram três formas diferentes de bactérias em modelos 3D. Na última, utilizando recortes de papéis coloridos, criaram modelos de célula bacteriana com formas geométricas 2D. 

Havia, ainda, uma estação extra para os estudantes que terminassem as estações antes da turma toda: ela tinha revistas, materiais para leitura e um crachá de monitor, para os jovens que desejassem voltar às três primeiras estações e auxiliar os colegas.

À esquerda, a estação para criar as células das bactérias e, à direita, a estação extra, com revistas e crachás de monitores

Crédito: Flávia Moura

“Enquanto isso, eu andava pela sala para acompanhá-los, observando os que caminhavam bem nos objetivos estipulados em cada atividade e, principalmente, conversando e orientando os que apresentavam dificuldades. Isso é permitir personalizar, olhar individualmente, respeitar o ritmo e a forma que cada um aprende. Depois de umas duas semanas nessa mudança, mesmo com todas as limitações digitais, comecei a perceber os estudantes mais animados, participativos e menos faltosos!”, diz a educadora.

  • Mão na massa, vídeos e murais

Durante uma formação do Instituto Catalisador com a EMEF Professora Alice Meirelles Reis, em São Paulo (SP), que aconteceu ao longo do primeiro semestre de 2020, as equipes de ambas instituições se puseram a pensar em como promover metodologias ativas no ensino remoto.

Decidiram, então, enviar cadernos impressos com atividades mão na massa para os estudantes, acompanhados de todos os materiais necessários, como tesoura, papéis e riscantes. Para orientá-los, os educadores gravavam vídeos curtos (enviados pelo WhatsApp) e a devolutiva das atividades, que poderia acontecer ao longo de uma semana, era feita por meio de fotos, vídeos e áudios. Por fim, os educadores publicavam as produções dos estudantes em um mural virtual e colaborativo, por meio da plataforma Padlet.

“Cada um tinha gerência sobre seu tempo e formas de produção, convocando as crianças a uma participação ativa; haviam dois momentos de aprendizagem: a elaboração da atividade em si e ao observar o mural. Esse último ponto foi algo que trabalhamos muito com elas: entregar a atividade é mais do que uma cobrança, mas uma oportunidade de refletir sobre a própria produção e aprender com os colegas, porque não se aprende só naquela aula, em um tempo estanque, mas vai processando, elaborando, se apropriando, e o mural é ideal para isso, já que reúne e combina as diferentes produções. Na escola presencial isso já acontece, mas vale destacar com as crianças esse caráter interativo e de continuidade das aprendizagens”, orienta Simone Lederman.

  • Adaptando atividades já conhecidas

Simone Romano, gestora da EE Brasílio Machado, relembra algumas das atividades que os estudantes já realizaram a partir do ensino híbrido, muito próximas de experiências de ensino e aprendizagem mais tradicionais, mas privilegiando o protagonismo dos estudantes e o compartilhamento de conhecimentos entre eles. 

Nos estudos sobre o sistema solar, cada estudante ficava responsável por estudar, à sua maneira, sobre um dos corpos celestes, e apresentar seus achados para a turma também no formato e com os recursos que julgasse mais adequados.

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Os animais representados com folhas, criados pelos estudantes, em exposição no mural da escola

Crédito: EE Brasílio Machado

Já nas pesquisas que fizeram sobre animais, dividiram-se em grupos para estudar um animal escolhido e, depois, representaram-no por meio de uma arte experimental usando folhas de árvores. A finalização foi um World Café e uma exposição das artes pela escola.

“O trabalho com ensino híbrido resulta em aprendizados para além dos mensuráveis em avaliações externas. São coisas que os estudantes podem levar para a vida toda”, observa Simone. 

O ensino híbrido e a necessária proteção de dados; fique atento!

Por envolver, em vários casos, o uso de recursos digitais e plataformas virtuais, o ensino híbrido também requer um cuidado especial com os dados de escolas, professores, estudantes e suas famílias. 

Para começar, vale atenção à adequação do recurso à faixa etária e propósito pedagógico. Depois, é importante ler todos os Termos e Condições Gerais de Uso para entender quais dados serão coletados, para que eles servem, por quanto tempo ficarão armazenados e se serão compartilhados – e com quem. É preciso, ainda, observar quais metadados serão rastreados, ou seja, aqueles que são fornecidos sem que se tenha consciência, como informações sobre navegação, cliques, curtidas, palavras pesquisadas, contatos com quem interage, entre outros. 

“O que está em jogo aqui é uma escolha consciente de gestão em comum acordo com as famílias”, explica Priscila Gonsales

“O que está em jogo aqui é uma escolha consciente de gestão em comum acordo com as famílias: Por que estamos escolhendo essa plataforma? Ela está em conformidade com as legislações brasileiras? Ano passado fizemos um estudo que mostrou que as duas principais plataformas, Google e Microsoft, não se baseiam nas leis brasileiras, responsabilizam a escola por qualquer questão de mau uso que ocorra ou contestação dos pais e, ainda, tudo o que estiver fora do “pacote educação”, como o YouTube, será utilizado comercialmente”, explica Priscila Gonsales, educadora e fundadora do Educadigital.

Para tornar mais compreensível a relação entre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e a educação, a especialista orienta promover formações com gestores e docentes. “Como base, recomendo conteúdos como o guia “A Escola no Mundo Digital: Dados e direitos de estudantes”, do Instituto Alana, que oferece uma série de informações, inclusive uma passo a passo de como ler e interpretar os termos de uso e as políticas de privacidade de plataformas educacionais. Também o livro Privacidade e Proteção de Dados de Crianças e Adolescentes, que é a primeira obra específica sobre o tema no Brasil e é de acesso livre e gratuito, e o curso Filhos Conectados, on-line, gratuito e voltado para as famílias”, diz.

O que é a #Reviravolta da Escola?

Realizado pelo Centro de Referências em Educação Integral, em parceria com diversas instituições, a campanha #Reviravolta da Escola articula ações que buscam discutir as aprendizagens vividas em 2020 e 2021, assim como os caminhos possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.

Leia os demais conteúdos no site especial da #Reviravolta da Escola.

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