publicado dia 08/08/2014
Desvendando o PNE: meta 3 problematiza o papel do Ensino Médio
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 08/08/2014
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Uma leitura da situação educacional dos adolescentes de 15 a 17 anos revela uma realidade ainda desafiadora para o país. Se é possível comemorar a presença de 8,4 milhões deles na escola, ainda é preciso pensar formas de resgatar outros 1,5 milhão que está fora desse atendimento. Também se faz necessário considerar que grande parte desses alunos não frequentam o ano escolar adequado; entre os matriculados, 54,4% desses jovens estão no Ensino Médio, e a outra parte retida no ensino fundamental, apontam os dados do Observatório do PNE.
A escola não se constitui como uma referência positiva para a juventude e o caminho para essa ressignificação depende da resolução de um de seus principais dilemas, como avalia Ricardo Henriques superintendente executivo do Instituto Unibanco e professor do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Além de não atrair grande parte dos jovens, essa escola ainda faz com que os alunos saiam antes do tempo”.
O reconhecimento desse cenário, no entanto, não é de todo negativo na leitura de Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM. Para ela, a busca ativa pelo cumprimento das metas relacionadas ao ensino médio vai ajudar a “descortinar” a desigualdade brasileira, como explica. “Na medida em que formos procurar esses jovens que estão fora da escola, vamos trazer à tona situações de iniquidade, injustiça, de jovens que trabalham, de escolas que não ofertam atendimento no turno adequado”. Na análise da especialista, em relação ao aumento das matrículas, a situação é ainda mais provocadora. “Porque aí teremos que pensar uma escola da juventude e para a juventude”.
O debate aponta para a necessidade de um rearranjo educacional que antecede a própria etapa escolar. “Se grande parte dos alunos que deveria estar no ensino médio está retida no segundo ciclo do ensino fundamental, precisamos nos voltar para a questão da qualidade”, observa Marcos Magalhães, presidente do Instituto de Co-responsabilidade pela Educação (ICE). Para ele, a desmotivação se concretiza como um dos principais entraves para a continuidade dos estudos. “Como imaginar que um garoto que termina o ensino fundamental com a mesma idade que deveria estar finalizando o médio queira permanecer na escola?”, problematiza.
O acesso e a permanência, então, dizem da capacidade de sedução das escolas. Segundo Marcos Magalhães, que realizou pesquisa com adolescentes em Pernambuco para a implementação do Programa Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, os alunos têm as respostas para grande parte das indagações. “O que mais ouvi é que a escola é chata, profundamente desinteressante e incapaz de estabelecer conexões entre o ensino e o mundo lá fora”, relata.
Os alunos continuam a ser submetidos a uma estrutura curricular extensa e enciclopédica sob a lógica da decoreba, dinâmica que se concretiza como um gargalo no Ensino Médio, como explica Heloisa Mesquita, gestora do Programa de Educação Pública Inovadora do Instituto Inspirare. “As escolas se preparam para trabalhar unicamente o acadêmico e isso é sentido pelo adolescente que claro, precisa dessa dimensão, mas também da composição com suas habilidades sócio-emocionais, seu repertório cultural”, avalia. Para a gestora, essa condução é fundamental na passagem entre as etapas, para que o aluno consiga projetar seus sonhos para o futuro. Sem isso, o estudante não reconhece suas vocações e se perde em suas decisões, gap comumente identificado no Ensino Médio.
Essa condução diz de um modelo pedagógico que compreende os alunos em sua integralidade. Para Heloisa, isso parte de um entendimento de que a adolescência é diversa em si mesma: “basta pensarmos que ela compreende do sexto ano do ensino fundamental até o final do ensino médio”. Fica então para a escola a demanda de acolher esse vasto campo de experiências, aprendizagens e habilidades com soluções que em nada sustentam o arquétipo da escola centralizadora, reservadora de verdades, que só inviabiliza e limita as possibilidades educativas.
Para Ricardo Henriques, a aproximação dos desafios contemporâneos pede flexibilização dos processos de ensino e aprendizagem que, na leitura de Marcos Magalhães, devem ter como condutor o seguinte questionamento: “Que pessoa é essa que eu devo formar para os dias de hoje?”, questiona, valorizando abordagens que considerem o projeto de vida dos alunos.
Segundo os especialistas, o esforço deve ser o de achar um equilíbrio entre as demandas do currículo regular, acrescido das competências sócio-emocionais e dimensão profissionalizante. Contudo, a formação para o mercado de trabalho, na análise de Pilar Lacerda, precisa ser problematizada. “A visão de que o ensino médio tem que ser profissionalizante é míope e reduz o espaço do jovem, que deve participar dessa decisão. Temos que fazê-lo protagonista de uma escola em que ele se reconheça e proporcionar momentos construtivos e críticos”, defende.
Essa perspectiva só reforça a necessidade da ampliação da jornada escolar do ensino médio, segundo os entrevistados, que também defendem a formação continuada de professores e a dedicação exclusiva deles, para que haja maior interação com os objetivos de aprendizagem desses alunos.
Nesse sentido, não se encaixa a oferta noturna do ensino médio, como critica Marcos Magalhães. “Essa solução temporária, que já dura 40 anos, nasceu como justificativa à falta de estrutura e hoje retem grande parte das matrículas”, considera ao passo que propõe uma reflexão: “Em um turno regular se tem algo em torno de 4,5 horas aula ao dia, no curso noturno isso cai para 1,8 horas. É muito baixa a probabilidade de que alguém aprenda algo razoável nesse período”, condena o especialista que nega a sustentação do modelo por uma demanda trabalhista dos jovens: “só 20% dos matriculados no período se encontram trabalhando”.
Ainda que não se eximam das responsabilidades da escola a necessidade de uma adaptação da pedagogia e da gestão em prol de uma postura dialógica com a juventude, é clara a percepção de que ela não deve ser a única a conduzir esse processo, como pontua Ricardo Henriques. “A integralidade está na capacidade de acionar outros instrumentos”, reforça.
Nesse sentido, os especialistas apontam para a importância de políticas públicas compensatórias que tenham foco nos jovens e em proposições de mudanças para toda a educação básica. “Precisamos ter compromisso com a educação cidadã antes mesmo de enxergar esse adolescente como alguém que vai para a universidade ou mercado de trabalho”, reforça Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do Todos pela Educação.
O especialista defende a condução pedagógica a partir da parceria entre família, escola e comunidade que se traduz a partir das chamadas 5 Atitudes, material elaborado pela instituição após percorrer todas as regiões brasileiras para ouvir pais de alunos e educadores sobre as ações e comportamentos que favoreceriam esse cenário.
Complementar a essa postura, fica o desafio pela intersetorialidade entre a educação e demais setores, como de assistência social, cultura e saúde e também pelo regime de colaboração que prevê a articulação de União, estados e municípios para o pleno desenvolvimento das redes de ensino, ponto, que segundo Pilar Lacerda, ainda é problemático. “Enquanto não agregarmos as secretarias e departamentos nessa perspectiva, continuaremos fazendo mais do mesmo. Precisamos partir para o desconhecido, com o desconforto da mudança, mas cientes de que sem transformarmos nosso olhar continuaremos patinando”, conclui.