publicado dia 27/05/2025
Conheça a Espaço de Bitita, uma das escolas afetadas pelo afastamento de diretores em São Paulo (SP)
Reportagem: Da Redação
publicado dia 27/05/2025
Reportagem: Da Redação
🗒️Resumo: A EMEF Espaço de Bitita, localizada na região do Canindé em São Paulo (SP), é uma das escolas públicas municipais afetadas pelo afastamento de diretores anunciada na última sexta-feira (23/05). Saiba mais sobre o trabalho pedagógico realizado pela escola.
Marcada pela diversidade e pela conexão com o território e comunidade escolar, a EMEF Espaço de Bitita é uma referência no campo da Educação Integral. Na última sexta-feira (23/05), professores, estudantes e gestão escolar foram surpreendidos pela notícia do afastamento do atual diretor da escola, medida tomada unilateralmente pela Secretaria Municipal de Educação (SME) da capital paulista.
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Na segunda-feira (26/03), parte da comunidade se uniu a ativistas, estudantes e educadores em protesto contra a medida. A alteração da gestão também é criticada por especialistas em Educação.
Presente no ato em favor da atual direção e contrária ao afastamento, Mariana de Almeida mostra preocupação com a medida. “A escola é muito importante no território, é uma das poucas aqui e a mais inclusiva, com mais projetos com os imigrantes e atenção para as crianças”, descreve Mariana, que é mãe de dois estudantes do Ensino Fundamental.
“A comunidade escolar é muito empática. Qualquer demanda que a gente tenha levamos para a escola. E isso é um processo do diretor, de olhar para cada criança, escutar e dar toda atenção. A gente não tem noção do que vai acontecer, se os projetos pedagógicos serão mantidos”, afirma.
Cartazes afixados na porta da escola contra o afastamento do atual diretor da Espaço de Bitita
Crédito: Nataly Simões/Aprendiz
Em contexto desafiador, escola é reconhecida nacionalmente pelo trabalho pedagógico
A Espaço de Bitita está localizada na área remanescente da favela do Canindé, onde Bitita (apelido carinhoso dado a escritora Carolina Maria de Jesus por seu avô) criou seus três filhos, trabalhou como catadora e escreveu vários livros, entre eles o clássico da Literatura “Quarto de Despejo”.
Antes conhecida pelo nome Infante Dom Henrique, a escola alterou, de forma coletiva e com anuência da comunidade escolar, o nome da unidade para homenagear a escritora, uma das maiores expoentes da Literatura Negra no Brasil.
Historicamente vulnerabilizada, a região abriga hoje grande quantidade de migrantes e refugiados, além de sediar abrigos para pessoas em situação de rua, mulheres trans, vítimas de violência e dependentes químicos. Atualmente, metade dos 750 estudantes do Ensino Fundamental recebidos pela escola são negros, 25% imigrantes ou refugiados e 10% deles vivem em centros de acolhida da região. Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), ofertada no período noturno, a Espaço de Bitita recebe ainda 40 pessoas trans.
Apesar do contexto desafiador, a escola é reconhecida pelo trabalho pedagógico inclusivo e democrático, acumulando premiações relevantes nos últimos anos.
Em 2016 e 2018, a unidade recebeu o nacional Prêmio em Direitos Humanos. Em 2017, foi reconhecida pelo Prêmio Territórios, do Instituto Tomie Ohtake, e pelo Criativos da Escola do Instituto Alana, além do Prêmio Educador Nota 10 da Fundação Victor Civita/Nova Escola. Em 2021 e 2022, recebeu premiação do Instituto Paulo Freire. Por fim, em 2023, foi vencedora do Prêmio Heitor Villa-Lobos pelo seu trabalho com a Arte e a Música. Ela também integra o Escolas 2030, programa global de pesquisa-ação que busca avaliar, desenvolver e disseminar boas práticas para a educação de qualidade de crianças e jovens.
Como é estudar na Espaço de Bitita
Estudantes do Ensino Fundamental durante atividade em sala de aula: o coletivo é a marca da escola.
Crédito: Patrick Silva/Alma Preta
Pela manhã, frequentam os estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental, das 7h às 12h. À tarde, das 12h20 às 19h, são atendidos os anos iniciais em tempo integral. Das 19h às 23h, funciona a EJA.
Nas salas de aula, os estudantes estão sempre em agrupamentos produtivos, estratégia pedagógica que favorece a aprendizagem e a atitude colaborativa. Além dos momentos individuais de estudo, as crianças ficam em contato com colegas de diferentes idades, variadas experiências educativas dentro e fora da sala de aula, com garantia de tempo livre para descansar, brincar e realizar atividades lúdicas, esportivas e artísticas.
Os materiais pedagógicos da escola são todos produzidos pelos professores em parceria com a gestão. Com base em múltiplas metodologias ativas, atrelam os componentes curriculares a questões sociais contemporâneas e do território, que contribuem para a formação crítica, cidadã e democrática dos estudantes.
Os estudantes com deficiência participam de todas as atividades da escola junto aos seus colegas, de forma inclusiva. Professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE) planejam, desenvolvem e avaliam o trabalho pedagógico em conjunto com os demais profissionais da unidade, além de realizarem formações no tema para os colegas.
A escola possui 10 salas de aula, quadras, jardins, parquinho, horta, laboratório de informática, sala de leitura, vídeo e biblioteca, sala de Atendimento Educacional Especializado e de Recursos Multifuncionais, além de cozinha, amplo pátio para refeições e cinco banheiros, sendo um deles acessível.
Em parceria com universidades públicas e privadas da cidade, recebe cerca de 50 a 60 estagiários por ano para atuarem na unidade. A Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, promove palestras e formação continuada para professores e gestores.
Outros institutos, coletivos e organizações sociais oferecem aulas de Língua Portuguesa para imigrantes, cursos profissionalizantes, produção de materiais didáticos personalizados e uso de recursos tecnológicos. Além disso, desde 2017, a escola participa do Programa de Escolas Associadas da UNESCO no Brasil, com ações que se relacionam com uma pauta global da Educação.
Fora dos muros da escola, os estudantes realizam festas, cortejos, manifestações e passeios.
“A cidade inteira é nossa escola. Não tem um limite, vamos onde for preciso, onde tenha a ver com o projeto que está acontecendo. A gente sai em 16 a 20 pessoas, por tutoria e com quem quer. Vamos de metrô, que é bem perto da escola, e pagamos as passagens dos alunos”, relatou o coordenador pedagógico Carlos Eduardo.
Em 2024, visitaram a exposição Um Defeito de Cor, baseada no livro de Ana Maria Gonçalves, que conta a história de Luísa Mahin, ou Kehinde, a mãe do abolicionista Luiz Gama.
O trabalho no âmbito das Relações Étnico-Raciais foi reconhecido pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra, que se manifestou publicamente contra o afastamento do atual diretor.
Na esteira dos protestos contra a medida, a EMEF Waldir Garcia, outra referência em Educação Integral e Inclusiva, localizada em Manaus (AM), também se solidarizou com a escola paulistana.
“As escolas de São Paulo sempre foram fonte de inspiração para práticas educacionais inovadoras em todo o Brasil. No entanto, ações como essas representam um retrocesso, ameaçando conquistas históricas da Educação Pública e Democrática”, afirmou em nota de repúdio publicada nas redes sociais.