publicado dia 21/03/2025

Como as escolas brasileiras podem se preparar para eventos climáticos extremos?

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒 Resumo: A crise climática afeta toda a comunidade escolar. Entenda as mudanças necessárias na infraestrutura e no currículo, além de como a parceria com a comunidade pode ajudar a mitigar os efeitos. 

Em 2024, 1,17 milhão de crianças e adolescentes brasileiros tiveram os estudos interrompidos por causa de eventos climáticos extremos, de acordo com o relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Leia Mais

Os impactos foram mais graves no Rio Grande do Sul, quando as enchentes afetaram mais de 2 mil escolas da rede estadual de Educação e 741 mil estudantes ficaram sem aulas, e a seca na região amazônica, que fez com que cerca de 1,7 mil escolas, incluindo mais de 100 localizadas em áreas indígenas, ficassem sem atividades por tempo prolongado, impactando 436 mil estudantes.

Impactos do clima afetam todos na escola 

Cada vez mais frequentes, as ondas de calor extremo afetam estudantes, professores e profissionais da Educação. O quadro é agravado pela falta de climatização e pela superlotação nas salas de aula e outros espaços da escola. Para especialistas, além do desconforto, temperaturas acima de 38ºC podem comprometer a aprendizagem. 

Os estudantes não são os únicos a sofrer com as consequências da crise climática. Nas cozinhas de escolas da rede municipal do Rio de Janeiro (RJ), as merendeiras vem denunciando desde o ano passado a situação insalubre que enfrentam.

“A situação é grave com as salas lotadas de alunos, o pessoal da portaria exposto ao tempo e a situação das merendeiras, que além de tudo são terceirizadas, então quem fica doente é mandada embora”, diz  a merendeira Analia Gomes.

“Muitas das escolas não são totalmente climatizadas, muito menos as cozinhas, onde a sensação térmica chega a 50 graus, por causa dos fogões industriais ligados em horários de pico de calor e a indumentária que precisamos usar”, alerta a merendeira Analia Gomes, que também é uma das coordenadoras do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe).

Um canal de reclamações foi aberto às servidoras das cozinhas e, em menos de 24 horas, recebeu mais de 540 denúncias. Este ano, o Sepe solicitou às autoridades municipais e estaduais providências para garantir a saúde de profissionais e alunos nas escolas públicas. 

“A situação é grave com as salas lotadas de alunos, o pessoal da portaria exposto ao tempo e a situação das merendeiras, que além de tudo são terceirizadas, então quem fica doente é mandada embora”, diz Analia. 

Os próprios prédios escolares também estão em perigo. Há, no Brasil, 1.942 municípios em situação de risco de deslizamentos, enxurradas e inundações, de acordo com um levantamento federal

O cenário demanda políticas públicas urgentes para garantir a segurança e bem-estar de todas as pessoas e o direito à Educação, com apoio técnico e financeiro às Secretarias de Educação e escolas, para que elas possam promover as adaptações necessárias à crise climática.

Em São Paulo, a deputada estadual Monica Seixas (PSOL) apresentou o Projeto de Lei (PL) Escolas Mais Frescas, que propõe, entre outras medidas, o plantio de árvores, o uso de tintas térmicas e reflexivas, de cor branca, e não usar materiais metálicos ou de aço galvanizado nos telhados, a captação e uso de água da chuva, bem como implementar medidas para favorecer a ventilação natural.

Orientações para a adaptação das escolas

O Quadro Integral de Segurança Escolar da ONU apresenta três pilares que devem ser considerados para enfrentar a crise climática. O primeiro é a infraestrutura das escolas e sua capacidade de resistir a uma situação adversa, a gestão de risco no ambiente escolar e um currículo que traga a Educação para resiliência climática.

“Tem vários graus possíveis de transformação nas comunidades escolares, desde a questão das edificações, que precisam ser sustentáveis, resilientes e proteger as comunidades, até o currículo”, aponta Rachel Trajber, coordenadora do Programa Cemaden Educação, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

“É importante mexer no currículo, mas se a infraestrutura e as demais práticas da escola não são sustentáveis, vai ser difícil ter aderência à vida prática das pessoas”, pontua Rachel Trajber.

Em 2012, a legislação brasileira também incorporou práticas de educação para a redução de riscos por meio da Educação, com a Lei n°. 12.608/12, que estipula que “os currículos do Ensino Fundamental e Médio devem incluir os princípios da proteção e defesa civil e a Educação Ambiental de forma integrada aos conteúdos obrigatórios”. 

Em 2024, o Brasil também promulgou a Lei n°. 14.926, que incluiu as mudanças climáticas no currículo escolar. “É importante mexer no currículo, mas se a infraestrutura e as demais práticas da escola não são sustentáveis, vai ser difícil ter aderência à vida prática das pessoas”, pontua Rachel.

Nos últimos anos, o governo federal, municípios e universidades têm elaborado guias para apoiar as redes de ensino a realizarem as adaptações necessárias, como as publicações “Escola Resiliente: missões colaborativas por uma escola segura”, de Rodrigo D’Almeida, “O acesso ao verde e a resiliência climática nas escolas das capitais brasileiras”, do Instituto Alana, e o “Guia da Escola Resiliente”, de Márcia Miranda Marques.

A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) também realiza a pós-graduação gratuita e a distância “Escolas Resilientes e Educação para a Redução do Risco de Desastres”, voltado para professores e gestores escolares.

O trabalho da escola e a parceria com a comunidade

O Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Castro Alves, em Salvador (BA), construiu sua unidade um metro e meio acima do nível da rua para evitar as enchentes que acometem a região. Com isso, a unidade não apenas se protegeu das águas, como se tornou um abrigo para a comunidade. 

Essa parceria é fundamental quando o assunto é a adaptação das escolas para enfrentar a crise climática, que não podem ficar sozinhas com essa responsabilidade e dependem também da atuação do poder público. 

Márcia Miranda Marques, autora do Guia da Escola Resiliente, fruto de sua tese de mestrado na Universidade Federal do Pará, relata no material caminhos para aproximar escola e comunidade nessa missão.

“Criar uma disciplina, uma cartilha, de Educação Ambiental é empobrecedor, porque precisamos enxergá-la a partir do nosso território, do que a minha gente sabe, percebendo as injustiças climáticas e onde somos vulneráveis”, orienta Márcia Miranda Marques.

“Explico como fazer rodas de conversa, ementas, e principalmente como ouvir a comunidade, reconhecer seus saberes e fazeres, e quebrar o paradigma que eles têm de achar que não sabem nada”, diz Márcia.

É a partir do conhecimento que essa população têm do território que a escola pode incentivar que os estudantes se engajem na identificação e solução de problemas ambientais locais, junto à comunidade. 

Em sua atuação com a comunidade quilombola Castanhanduba, em Óbidos (PA), Márcia convidou lideranças e a escola para estudarem juntos o ciclo de vida da castanheira e pensar a atividade extrativista realizada na região, que estava fazendo a planta sumir do território.

“Eles foram trazendo seus conhecimentos, eu trouxe outros, e compreendemos os problemas que eles enfrentavam”, relata Márcia. Juntos, criaram suas próprias soluções, como mutirões para plantar castanhas, limpar os igarapés e diminuir a retirada de árvores da mata ciliar.

“Criar uma disciplina, uma cartilha, de Educação Ambiental é empobrecedor, porque precisamos enxergá-la a partir do nosso território, do que a minha gente sabe, percebendo as injustiças climáticas e onde somos vulneráveis. Depois, podemos partir para a construção conjunta de ações e buscar políticas públicas para apoiar”, orienta Márcia.

Como a Educação Integral pode contribuir para o contexto de crise climática

As plataformas da Cidade Escola Aprendiz utilizam cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade.
Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.