publicado dia 27/04/2016
Como alcançar a interdisciplinaridade na escola?
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 27/04/2016
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Por definição, o termo interdisciplinaridade é bastante autoexplicativo. Diz de algo “que estabelece relações entre duas ou mais disciplinas ou ramos de conhecimento” ou “que é comum a duas ou mais disciplinas”. Na prática, no entanto, o movimento interdisciplinar precisa se ancorar em algumas diretrizes que o fortaleça como uma nova estratégia de pensar a educação e o afaste de algumas armadilhas comuns.
Primeiro, a interdisciplinaridade deve respeitar as especificidades das disciplinas, o que já elimina de saída a possibilidade de eliminar alguma delas, por exemplo. “Devemos pensá-las por áreas do conhecimento e em suas interligações sem que isso se revele por meras integrações, mas a partir do diálogo entre os seres humanos e os saberes”, avalia a supervisora da rede estadual de ensino de São Paulo, Rosângela Almeida Valerio.
A especialista, que integra o Grupo de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade (GEPI) da PUC-SP, instância criada nos anos 1960 pela pesquisadora Ivani Catarina Arantes Fazenda, alega que a interdisciplinaridade impõe uma nova consciência de ensino voltada para uma comunicação integradora dos programas de estudo das disciplinas. “O programa de Português, por exemplo, deve verificar o que há de convergente com a Matemática e assim sucessivamente”, explica Rosângela.
Por outro lado, se a escola ainda não possui repertório amplo nesse sentido uma boa estratégia é começar pelos projetos interdisciplinares uma vez que eles podem pautar o diálogo entre os docentes e demais profissionais escolares. Para tanto, Rosângela sugere algumas questões norteadoras. “Como se dá a formação escolar? Muito provavelmente ela será marcada pela separação das disciplinas umas das outras, pelo afastamento dos objetos de estudo do seu contexto”, avalia. Ela acredita que refletir coletivamente sobre essa fragmentação é um dos caminhos para entender que o saber compartimentado contribui para uma formação cada vez mais “míope, daltônica e vesga”, incapaz de promover compreensões maiores.
Outra fase importante, para a profissional, é aquela em que a equipe se pergunta “como iniciar um projeto interdisciplinar?”. Para Rosângela, esse questionamento pode estabelecer de maneira mais precisa a ligação entre o diálogo e as disciplinas a partir do esforço coletivo para esses pontos de convergência.
“A dica é começar pela consciência comum do grupo, pelo desejo dos envolvidos, considerando a complexidade envolvida e a possibilidade de se redefinir o projeto a cada dúvida ou resposta encontrada”, enfatiza a supervisora. Ela ainda reforça que a proposta interdisciplinar também deve vir pautada pelas expectativas de aprendizagem do grupo envolvido.
Para além disso, reconhece que a interdisciplinaridade só é possível quando as pessoas estão dispostas a estudá-la, compreende-la e praticá-la em seus espaços laborais, uma vez que não pressupõe junção de disciplinas, mas uma ousadia diante do conhecimento, uma abertura da compreensão do ato de aprender. “Ela exige uma profunda imersão na prática cotidiana e na teoria que embasa os fazeres pedagógicos. Requer criatividade, descoberta, um desejo planejado e construído em liberdade e parceria. Isso leva o grupo a uma outra dimensão do fazer pedagógico”, avalia a especialista.
Parte desse percurso foi trilhado pela especialista em 2005, ano em que assumiu a direção de uma escola em Bragança Paulista, interior de São Paulo. Rosângela conta que a instituição não tinha histórico interdisciplinar, fato que atestou ao assistir à aula de alguns dos professores.
A gestora então partiu de uma de suas predileções, a leitura, para propor novas estratégias à equipe. “Perguntei a eles como eram as práticas de leitura dentro da escola e eles me disseram que a ausência de uma biblioteca era um dificultador”, relembra.
Ela percebeu que o diminuto espaço dedicado aos livros era bastante desorganizado. Os poucos exemplares literários existentes dividiam espaço com materiais em desuso pela instituição. A ideia pactuada com toda a equipe foi a de inverter a área da biblioteca com a a área da sala dos professores, bastante maior.
A organização da nova sala de leitura envolveu os estudantes e monitoramento de todos os professores o que, representou para Rosângela, o primeiro movimento interdisciplinar da instituição. “Tudo partiu do diálogo, da parceria, da colaboração e do desejo de mudança”, atesta.
Após esta etapa, a gestora partiu para um trabalho de formação docente para a interdisciplinaridade, para apoiar os professores a trabalharem com a leitura nas diversas áreas do conhecimento. Esses momentos formativos foram feitos durante a Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). Ao todo, foram 31 encontros com duração de uma hora cada um.
O trabalho inicial foi feito com uma sala da escola, que atendia na época cerca de mil alunos nas etapas do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Rosângela conta que, a cada encontro, havia um esforço por fazer com que os docentes percebessem as conexões possíveis entre a sua disciplina e a leitura, entendida como mote central do projeto interdisciplinar que estava para nascer. “Lembro de uma situação em que a professora de Educação Física perguntou qual era a relação da disciplina com a leitura. Coloquei a ela que quando se trabalha um exercício físico e se pede um mapa cardíaco, tinha-se aí um recurso de leitura, e que esse gráfico poderia se relacionar com a Matemática. A ideia era ir vendo as amarrações que eles eram capazes de fazer e também apoiar na construção de outras”.
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Rosângela reforça que todo o percurso foi ancorado nos princípios da gestão democrática escolar. “Partimos de um desejo comum, e então fomos criando oportunidades e possibilidades, nada foi imposto”, sentencia. Tanto é que ao final dos 31 encontros, sistematizados pela gestora, a própria equipe se organizou para continuar as atividades como troca e socialização do que estava sendo feito na escola.
Um dos desdobramentos autônomos se deu com o jardim da escola. “Havia a prescrição no currículo e os docentes inovaram com as práticas em sala de aula”, relembra Rosângela. Em Ciências, a leitura do jardim se deu com o recolhimento dos insetos; a Matemática trabalhou com a medição dos diâmetros das árvores e plantas; Geografia fez o reconhecimento do terreno do jardim e também de áreas fora da escola, como o lago na entrada da cidade; História organizou a leitura do histórico escolar, ano de fundação, quem foi seu patrono etc.
Em suma, Rosângela entende que é impossível pensar a interdisciplinaridade como um modelo estático ou como um paradigma sobre o qual o currículo deve conformar-se. “É necessário sempre buscar a criatividade, a ousadia”, explica a gestora atestando que o trabalho em diferentes escolas nem sempre terão o mesmo resultado.
De maneira geral, ela vê que as escolas ainda caminham na busca pela interdisciplinaridade e reconhece que as escolas de ensino integral têm registrado um movimento interessante de colocar o currículo escolar ao centro da formação, em diálogo com os conhecimentos que se expandem para outras atividades. A seu ver, a formação continuada de professores não deve ser perdida de vista. “É fundamental para que os docentes entendam a interdisciplinaridade e a desenvolvam em suas atividades”, finaliza.