publicado dia 05/09/2024
Combate ao racismo na escola deve ser permanente e multidimensional; entenda
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 05/09/2024
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: Combater o racismo na escola depende de realizar ações concretas o ano todo, encarar suas várias formas de manifestação, garantir direitos sociais e atuar de forma coletiva, envolvendo todas as pessoas da escola e da comunidade. Entenda o processo nesta reportagem, a partir do debate com especialistas no tema que aconteceu durante o 8º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação.
Reconhecer que o racismo está na escola e enfrentá-lo permanentemente, e em todas as suas dimensões, não apenas quando essa violência se manifesta nas relações entre as pessoas, é urgente para construir outros futuros.
Essa é a síntese do debate “Jornalismo e Racismo na Escola”, que aconteceu durante o 8º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, realizado pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) nesta terça-feira (3/9).
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“O racismo na escola dialoga com a persistência do mito da democracia racial. É papel da escola e da sociedade enfrentar esse mito”, explicou Ednéia Gonçalves, educadora, socióloga e coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa, sobre o primeiro passo na direção de combater o racismo: identificar todas as suas manifestações na escola e no território.
O que é o mito da democracia racial? Trata-se da falsa crença de que a abolição da escravização, em 1888, teria sido suficiente para livrar o país do racismo e ofertar igualdade de condições para todas as pessoas. Essa visão mascara as profundas desigualdades sociais, econômicas e políticas enfrentadas por negros e indígenas, bem como a falta de políticas e ações concretas de combate ao racismo. Entre as consequências, há a perpetuação do racismo e a propagação de um discurso que culpabiliza os sujeitos historicamente marginalizados por suas atuais condições de existência.
Daniel Helene, coordenador da Escola Vera Cruz, enumerou algumas das dimensões a serem levadas em conta neste momento de diagnóstico: “Historicamente a escola reproduz o racismo na sociedade invisibilizando casos de racismo, mostrando negros e indígenas subalternizados, selecionando materiais didáticos, deixando de garantir às equipes docentes formação continuada para as relações étnico-raciais e negligenciando a contratação de profissionais não brancos”.
Nomear o racismo como tal e diferenciá-lo do bullying também é fundamental, ainda que ambos sejam crimes no Brasil. A Lei 14.811 define como bullying o ato de “intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais”.
Já o racismo é uma violência coletiva porque deriva da visão hierárquica entre grupos a partir de sua procedência e características. “Se uma menina negra é xingada, desumanizada, por causa de seu cabelo, essa violência é contra toda uma população. Normalmente acontece a dupla violência, do racismo e do bullying, contra uma pessoa só”, elucidou Ednéia.
Se a violência racista se dirige a toda uma população, seu combate também deve ser coletivo. “É preciso envolver e formar toda a equipe pedagógica, de gestão, estudantes e famílias. Não defendo o punitivismo na escola, mas o trabalho constante, porque o racismo é constante”, definiu Ednéia.
Daniel concorda: “Há uma ideia falsa e perversa de que o racismo está apenas nos que praticaram o racismo, que precisam ser afastados. Combater o racismo é muito mais do que expurgá-lo”.
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Neste trabalho, a atuação das pessoas brancas é essencial, que devem ser capazes de utilizar seus privilégios para efetivar as ações necessárias, como confrontar famílias racistas. “Racismo não é problema de pessoa preta”, resumiu Ednéia.
“Não vejo caminho que não passe pela formação de professores, das equipes administrativas da escola e das famílias”, complementou Daniel, destacando que o enfrentamento deve ser sistemático. “A escola tem o papel de construir outros futuros e isso vem acompanhado de responsabilidades fundamentais”, disse.
O combate ao racismo também passa por mobilizar a rede intersetorial, como Saúde e Assistência Social, para garantir todos os direitos das crianças, adolescentes e suas famílias, combatendo as desigualdades sociais produzidas ao longo da história.
O que é a lei 10.639/03? A lei instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira em toda a Educação Básica no Brasil. Seu objetivo é promover o reconhecimento e a valorização das contribuições históricas e contemporâneas destas populações para a formação do Brasil e sua influência no mundo, bem como combater o racismo e estimular uma compreensão mais ampla da diversidade cultural do país.
“A escola precisa desempenhar sua função social em um país desigual como o Brasil […] e fortalecer os indivíduos para se perceberem como portadores de direitos e igualdade, e de possibilidade de reivindicá-los”, reforçou Ednéia.
Muitas escolas públicas brasileiras já possuem práticas consolidadas no combate ao racismo e implementação da Lei 10.639/03 e podem ser referências nesta missão.
“É preciso acolher a história, a memória e o conhecimento de todas as pessoas. Acolher sinceramente o saber do outro. […] E articular os conhecimentos sistematizados ao longo da história aos conhecimentos dos territórios e das diferentes culturas. Só assim podemos construir uma Educação equitativa que faça sentido para todas as pessoas”, finalizou Ednéia.
*Foto: Tiago Queiroz/Jeduca