publicado dia 09/10/2015
Após três anos, Bairro-Escola Rio Vermelho reflete sobre suas articulações comunitárias
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 09/10/2015
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Há três anos, uma vez por semana, os alunos da Escola Estadual Alfredo Magalhães, localizada no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, têm um encontro marcado com o chef Ramon Simões, do restaurante ecológico Armazém do Reino, e com os merendeiros da instituição. A ideia é, juntos, fazerem uma releitura da alimentação escolar, prever hábitos mais saudáveis e criar novas receitas para a merenda. Escondidinho de soja com mandioca e cuscuz recheado com molho de tomate e parmesão são algumas das opções que hoje figuram no cardápio.
“Antes usávamos uma quantidade maior de açúcar, gordura e sal em nossas refeições. Hoje os estudantes e as merendeiras compreendem que o excesso desses componentes trazem malefícios à saúde, e também aprendem sobre o manuseio e reaproveitamento dos alimentos”, esclarece o coordenador pedagógico do turno vespertino e vice diretor do noturno, Orlando Góes.
Batizado de Merenda com o Chef, o projeto é um dos ritos desenvolvidos a partir do programa Bairro-Escola Rio Vermelho (BERV), que propõe uma articulação comunitária para promover o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens por meio da ampliação das oportunidades educativas no bairro. Executado há três anos no Rio Vermelho, o programa tem como proposta transformar o território em uma grande sala de aula, com as aprendizagens expandidas para além das escolas, em contato permanente com a cultura local e o envolvimento de outros agentes em uma relação de educadores e aprendizes.
Nessa perspectiva, o Bairro-Escola Rio Vermelho segue atuando com quatro eixos principais: arranjos comunitários – que busca promover o encontro entre os saberes da escola e do território e materializá-los em projetos temáticos ou de ocupação de espaços públicos com fins educativos e culturais; comunicação e mobilização comunitária que cuida de corresponsabilizar a sociedade civil local na criação de projetos educativos que articulem escolas e o território; governança local, que se ocupa da construção de modelos de gestão compartilhada para o Bairro-Escola Rio Vermelho e pretende construir grupos representativos da comunidade orientados pela Carta de Princípios do programa; por último, as escolas, eixo que atua com a ideia de uma educação integral inovadora, através de atividades com professores, fomentando práticas pedagógicas que utilizem o território e experimentações e ações voltadas aos gestores escolares com incentivo de práticas da gestão democrática.
O eixo da governança local ainda se subdivide em outras duas instâncias, como explica Fernanda Colaço integrante da coordenação técnica do BERV, feita em parceria entre a Cipó – Comunicação Interativa, o Instituto Inspirare e a Associação Cidade Escola Aprendiz. Ela conta que a primeira delas é o grupo ampliado que permite encontros mensais de cerca de duas horas entre as diversas representações da sociedade.
“Nesse momento, as escolas, de fato, se reúnem com a comunidade – paróquias, empresários, universidades, estudantes. Todos têm a chance de se apresentar, e daí surgem múltiplas articulações”, esclarece. Para além disso, Fernanda destaca o momento do compartilhamento de experiências entre escolas e comunidade: “é importante para revelar as nuances dessas parcerias, seus entraves, seus tempos, considerando que a escola tem um tempo mais lento – ou porque é fragmentada ou porque toma decisões no coletivo. O fato é que, garantindo esse momento de fala, estimulamos aprendizagens e garantimos o diálogo desse território”, compreende.
A comissão gestora é a outra frente do eixo de governança local. Representada por nove pessoas, tem a missão de acompanhar os processuais do programa – entender os ganhos e os entraves -, orientá-los de acordo com o plano educativo local, pensar aspectos da comunicação e estratégias de continuidade. Este grupo se reúne de uma a duas semanas antes do grupo ampliado.
A coordenadora pedagógica da Escola Municipal Oswaldo Cruz, Katia Larissa de Oliveira, entende que a proposta do programa convoca as escolas a se repensarem como um local de atendimento para a comunidade, e esta como um apoio para as instituições. Ela reconhece que, em sua escola, o movimento de adesão vem acontecendo em partes, mas que as diretrizes vêm impactando a reformulação do projeto político pedagógico da instituição. “Nas reuniões do grupo ampliado temos a oportunidade de trocar as experiências com outras escolas, estaduais, municipais e particulares, e com a comunidade, contando com um leque de possibilidades trazidas por atores que têm o interesse de transformar o Rio Vermelho em um bairro educador“, relata.
Outra ação chave, em seu entendimento, é a relação com os familiares dos alunos, que vem sendo pensada pela escola. Ela conta que a instituição vem realizando palestras com educadores que já estão experimentando essa aproximação com a comunidade, caso do ex-diretor da EMEF Campos Salles, Braz Nogueira, que já esteve na escola. “É preciso sensibilizar a comunidade sobre a importância de participarem da construção da aprendizagem”, defende.
No ano passado, a Escola Municipal Ana Nery, outra parceira do Bairro-Escola Rio Vermelho, enxergou no centenário de Dorival Caymmi uma possibilidade de promover incursão pelo território com seus estudantes e equipe. “Tudo começou com a proposta de um projeto de música que acabou sendo desdobrado pelos demais professores em suas disciplinas”, relembra a docente e também vice-diretora da instituição, Florisbela da Silva Carvalho. Ela conta que para além das composições de Caymmi, os professores conseguiram abarcar poesia, culinária, história… “as crianças saíram às ruas para entrevistar a comunidade e acabaram por descobrir uma lavadeira dele e a entrevistaram”, lembra.
As atividades culminaram em uma apresentação dos estudantes para a comunidade, realizada em maio, na Praça Pau Brasil, no Rio Vermelho. A escola contou com o apoio do programa e, portanto da comunidade, para viabilizar palco, caixa de som, microfone e até os convites. “Surgiu a ideia de que as próprias crianças desenhassem a arte do convite e o programa nos apoiasse com a impressão deles, cerca de 300”, conta Florisbela.
Para ela e para a escola, fica a percepção de que a aprendizagem ganha quando proporcionada para além dos limites da sala de aula. “Hoje temos o desejo de percorrer o território, nos encontrar com outras escolas, trocar aprendizagens”, coloca Florisbela. Ela entende que a proposta possibilita maior envolvimento dos estudantes, uma vez que eles são convidados a exporem suas habilidades e competências para o novo. “Tínhamos pais, familiares e amigos, desconhecidos…Não tenho dúvidas de que a proposta do Bairro-Escola Rio Vermelho traz uma luz necessária não só a Salvador, mas a todos os estados brasileiros que devem pensar em como romper os paradigmas dos muros escolares”, finaliza.
Três anos após o início de suas atividades, o programa acumula sete escolas públicas parceiras, 1800 estudantes envolvidos em Trilhas Educativas (metodologia que incorpora os saberes locais no currículo escolar), 246 profissionais envolvidos em formação continuada, 65 novas oportunidades educativas, 31 merendeiras envolvidas no Merenda com o Chef, 300 adesões à carta de princípios do Bairro Escola. Para além disso, a metodologia vem inspirando outros territórios que já demonstram interesse em replicá-la: caso dos bairros de Pituaçu e Liberdade, e as cidades baianas de Jequié, Camaçari, Santo Antônio de Jesus e Florianópolis, em Santa Catarina.
Para Fernanda Colaço, o grande destaque é a possibilidade de fazer com que as escolas compreendam o que é uma educação integral e inovadora. “Elas ainda atuam muito no campo do desenvolvimento intelectual e quando trazemos essa proposta integrada apontamos para outras dimensões fundamentais na condução do desenvolvimento integral, como a social, cultural, física. Quando a escola se abre reconhece que o aprendizado não passa só pelo letramento e o território vem respondendo muito bem a essa percepção”, declara.
Ela também coloca o programa como um indutor de articulações internas entre as diferentes escolas. “Cada instituição acaba por sustentar diferentes grupos de interesse, o que acaba por fazer com que os planejamentos fiquem fragmentados”, expõe. Ela entende que, ao trazer parceiros da comunidade, é possível expor a necessidade da manutenção da interdisciplinaridade. “A gente sabe que escolas que operam em três turnos mantêm quase que três instituições diferentes… É importante trazer os gestores, coordenadores, vices e professores para essa construção, com o intuito de desvelar fragilidades, potências e projetar respostas e estratégias de superação”, finaliza.