publicado dia 18/04/2023

Após 20 anos, como está o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas?

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Considerada um marco na promoção da Educação Antirracista, a Lei 10.639 ainda encontra obstáculos para se tornar uma realidade nas escolas do Brasil. Na maior parte das redes municipais, as ações são insuficientes para efetivar o ensino de história e cultura africana e afrobrasileira e a minoria trata do tema de maneira consistente e perene.

É o que revela a pesquisa Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, divulgada em 18 de abril por Geledés Instituto da Mulher Negra e pelo Instituto Alana.

Com a proposta de disponibilizar dados atualizados sobre o cumprimento da legislação, o estudo abarcou 1.187 secretarias municipais, correspondentes a 21% das redes municipais de ensino do país. De acordo com a pesquisa, só 29% realizam ações consistentes para garantir que as escolas escolas reconheçam, valorizem e promovam as contribuições de povos e nações africanas e afro-brasileiras na formação do Brasil.   

Beatriz Benedito, analista de políticas públicas do Instituto Alana, afirma que 71%, realizam pouca ou nenhuma atividade curricular voltada à temática africana e afro-brasileira. Em muitos casos, há ações apenas em datas específicas, como no mês da Consciência Negra.

“Precisamos repactuar o entendimento desta legislação, que deve ser aplicada de forma perene ao longo do ano letivo, para que crianças e adolescentes aprendam o currículo regular com diferentes perspectivas e ampliem o referencial teórico, incluindo referências de artistas, cientistas e intelectuais negros e negras”, defende.  

Ações consistentes são realidade em só 29% das secretarias 

A pesquisa agrupou os municípios em três perfis: as secretarias que realizam ações de maneira menos estruturada (53%), aquelas que não realizam nenhum tipo de ação (18%) e secretarias que realizam ações consistentes e perenes para a implementação da lei (29%).

Esse dado demonstra que 3 em cada 10 secretarias municipais brasileiras aplicam de fato a Lei 10.639/03. Essas redes têm em comum estrutura administrativa, regulamentação local, dotação orçamentária e periodicidade na realização de ações para atender às Diretrizes Curriculares Nacionais para as Relações Étnico-Raciais.

 “A pesquisa demonstra que o compromisso político é decisivo para a implementação assertiva da Lei 10.639/03, e, por isso, esperamos que os municípios que fizeram a escolha por educar para a igualdade racial possam inspirar outros a seguirem o mesmo caminho”, afirma Suelaine Carneiro, Coordenadora de Educação e Pesquisa do Geledés.  

Quais temas são considerados importantes para o ensino de história e cultura africana? 

Pesquisa ensino de história e cultura afrobrasileira e africana nas escolas

Diversidade cultural e contribuições da população negra para a literatura e alimentação são os temas mais citados pelas secretarias como importantes de serem trabalhados nas escolas. Foto: Istockphoto

Crédito: Istockphoto

A pesquisa também sondou os temas e conteúdos sobre relações étnico-raciais e ensino de história e cultura africana e afrobrasileira considerados importantes de serem trabalhados nas escolas. Ao lado das contribuições da população negra para a alimentação (33%) e literatura (43%), a diversidade de culturas quilombolas, afro-brasileiras e africanas é o tema mais valorizado pelas secretarias de Educação (60%).

Por outro lado, temas considerados mais polarizados e complexos, como a escravidão, foram menos citados pela pesquisa. O  legado da escravidão transatlântica nas Américas, por exemplo, é citado só por 6% e apenas 15% apontou a importância de falar sobre religiões de matriz africana e afrobrasileira. Além disso, só 3% consideram relevante discussão de construção de privilégios históricos.

Como mudar esse cenário?  

A pesquisa sinaliza que os gestores municipais sentem falta de apoio de estados e do governo federal para o cumprimento da Lei 10.639/03, não apenas por meio de ações diretas, mas também pela falta de cooperação técnica e financeira. E, apesar de 20 anos em vigência da lei, 42% dos que responderam à pesquisa apontaram dificuldades dos profissionais em transpor o ensino nos currículos e nos projetos das escolas, enquanto 33% afirmaram que as secretarias não recebem informações e orientações suficientes sobre a temática.  

Diante disso, Beatriz Benedito sugere algumas medidas para a total implementação da Lei 10.639/03, como: 

  • Capacitar professores para ministrar aulas sobre a história e cultura afro-brasileira e africana;  
  • Isso inclui a formação em temáticas específicas, mas também para a diversificação de referências utilizadas em diferentes disciplinas, bem como para o desenvolvimento de estratégias de ensino que possibilitem a reflexão crítica sobre o tema;  
  • A incorporação dos temas afro-brasileiros e africanos em diversas disciplinas, como história, geografia, literatura e artes. Pela importância de que os conteúdos sejam apresentados de forma integrada, para que os alunos possam compreender a influência da cultura africana na formação da sociedade brasileira; e  
  • A promoção de atividades complementares, em que as escolas promovam atividades extracurriculares como palestras, exposições, feiras de ciências, mostras de cinema e teatro envolvendo a temática afro-brasileira e africana.  

Para Beatriz, a existência de uma legislação como a da obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira significa a busca por contrapor heranças históricas coloniais, o que consequentemente exige mudanças como a decolonização dos currículos:  

“Isso significa repensar e questionar concepções, representações e estereótipos que foram construídos histórica e socialmente a partir dos processos de dominação, colonização e de escravização de povos. A entrada nesta agenda por meio de ações de valorização histórica e cultural é importante para o aprendizado de referenciais da negritude, mas é indispensável que se avance também na reflexão a partir do letramento racial e no questionamento da hierarquização de saberes e da construção de privilégios”.

* Reportagem de Ana Júlia Paiva 

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