publicado dia 20/12/2022
Além de garantir direitos, Educação Integral promove mais e melhores aprendizagens
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 20/12/2022
Reportagem: Ingrid Matuoka
Ou cuida ou educa. Ou promove o desenvolvimento das habilidades artísticas e sociais, ou do intelectual. Para a Educação Integral, essas separações não fazem sentido e seu objetivo é cada vez mais integrá-las, de modo a promover as aprendizagens.
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“Ao olhar para o estudante como um todo, pensamos também no papel da escola como um espaço de defesa dos direitos: os direitos de aprendizagem, de alimentação, de proteção. Crianças e adolescentes não aprendem com medo, com fome, na insegurança”, afirmou Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral.
A especialista explicou por que a Educação Integral tem a propriedade de promover aprendizagens curriculares significativas e duradouras para os estudantes e ainda analisou em que medida as avaliações externas podem contribuir para esse processo. Confira a entrevista:
Tereza Perez: Na Educação Integral, o sujeito é encarado em sua integralidade, considerando também seu contexto, o território e a comunidade em que está inserido e que pautam o currículo.
Ao olhar para o estudante como um todo, pensamos também no papel da escola como um espaço de defesa dos direitos: os direitos de aprendizagem, de alimentação, de proteção. Crianças e adolescentes não aprendem com medo, com fome, na insegurança. Por isso, a escola precisa trabalhar intersetorialmente com a Saúde, a Assistência Social, a Cultura, entre outros.
A escola tem em si toda a complexidade da sociedade porque não está à parte dela, por isso a necessidade de um olhar mais humanizado, de um óculos com lentes humanizadoras para entender o que acontece no ambiente escolar, na sala de aula, e também nas aprendizagens, porque uma criança para aprender Língua Portuguesa já traz um repertório que vem de casa e da comunidade.
A tarefa é, então, conhecer esse repertório, sistematizar novos saberes e fazer com que a criança progrida, tornando a aprendizagem cada vez mais complexa. Como ensinou [o teórico do ensino Lev] Vygotsky, é trabalhar na zona de desenvolvimento potencial, em que o professor traz um conflito que o estudante tem condições de usar o repertório que já possui para uma compreensão inicial, e o incentiva a ir atrás de novas aprendizagens para resolver a questão.
Isso traz sentido para as aprendizagens. Sentido do ponto de vista da prática social, do que está acontecendo e do que ele quer aprender, bem como do ponto de vista cognitivo, aproveitando a potência da inteligência que todos e todas as estudantes têm.
Quando atuo assim, faço com que as crianças e adolescentes aprendam cada vez mais e melhor, mas também garanto o valor do conhecimento e de aprender ao longo da vida.
TP: O domínio da língua, da capacidade de ler todos os tipos de texto, até o que está nas entrelinhas, é absolutamente essencial para exercer a cidadania, para estar inserido no mundo.
Mas também para viver outras histórias e problemáticas, para ter um olhar mais amplo para tudo que acontece, além de poder trabalhar questões mais subjetivas. Não dá para pensar em Educação Integral sem um ensino e aprendizagem de língua muito consistente.
“Precisamos da escola para transformar o saber do fazer no saber do compreender”, afirma Tereza Perez.
Já na Matemática, é interessante lembrar que o sistema de numeração indo-arábico, por onde todo mundo pensa e produz Matemática, começa com os hindus e os árabes, muito em função do comércio. São saberes que estavam na sociedade, que partem da prática.
No livro “Na vida dez, na escola zero“, de Terezinha Nunes Carraher, a autora mostra crianças que trabalhavam na feira e sabiam fazer contas por causa disso, um recurso mental que a escola não aproveitava.
Trago estes dois exemplos para dizer que o papel da escola é aproveitar esses saberes da sociedade e sistematizar e aprofundar. Precisamos da escola para transformar o saber do fazer no saber do compreender. Sem conectar a Matemática, que está em toda a parte, com o que acontece na vida dos estudantes, a aprendizagem fica burocrática e se resume a decorar fórmulas para passar na prova – ou não.
TP: Se não tenho Educação Integral, vou educar parcialmente? A Educação Integral é a base para que eu possa aprender aquilo que está como expectativa do currículo, mas é também o lugar da socialização, de aprender a dialogar, a conviver com as diferenças, a pesquisar, validar, aprofundar, tudo isso junto.
Também tem a ver com não separar cuidar e educar, e as duas coisas são um ato de amor. Cesar Callegari fala que a escola é território do afeto – do amor, mas também de tudo que afeta.
Se há um ambiente escolar favorável, com gestão democrática, propicia o que é essencial na educação: a integração entre aprendizagens curriculares com o respeito e a socialização.
TP: A avaliação precisa estar centrada nas competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), nosso eixo curricular que traz procedimentos, conceitos, valores e atitudes necessários para o desenvolvimento integral dos estudantes.
Também é preciso que as avaliações atentem aos processos, aos percursos de cada aluno. Se ele não chegou a um resultado esperado, por exemplo, mas avançou muito durante o percurso, então está bem avaliado. Precisamos valorizar demais as aprendizagens e as conquistas.
“Temos 70 bilhões de reais investido na baixa autoestima, na exclusão escolar, na responsabilização dos indivíduos, no desprestígio desse estudante diante da sociedade e da família, como se ele não servisse para estudar. Quando um estudante repete, quem falhou foi a escola, não ele”, diz Tereza Perez.
Vale ainda ter grupos de apoio constantes, não como algo momentâneo para lidar com a pandemia, porque esses grupos ajudam as crianças e adolescentes a terem aprendizagens equivalentes durante o ano, o que é difícil de acontecer, porque os repertórios e possibilidades de aprender são muito distintos entre a turma. Então esse grupo auxilia o estudante com mais dificuldade trazendo novas propostas e metodologias.
Esses grupos precisam existir dentro das escolas porque a repetência é a pior coisa que pode acontecer. De acordo com o Unicef, em 2019 havia cerca de 7 milhões de estudantes em distorção idade-série, o que significa que eles já repetiram pelo menos dois anos.
Se considerarmos o custo base de 5 mil reais por aluno ao ano, temos 70 bilhões de reais investido na baixa autoestima, na exclusão escolar, na responsabilização dos indivíduos, no desprestígio desse estudante diante da sociedade e da família, como se ele não servisse para estudar. Quando um estudante repete, quem falhou foi a escola, não ele.
Então é melhor investir esse recurso nos grupos de apoio, porque se a escola está atenta à avaliação formativa e ao progresso do estudante ao longo do ano, ela não deixa a repetência acontecer.
TP: O ideal seria o Ideb melhorar, trazendo mais elementos para analisar, como clima escolar, enfrentamento ao racismo, sexismo, capacitismo na escola, porque tudo isso impacta diretamente nas condições que os estudantes têm para aprender e se desenvolver.
Também é importante que a avaliação não seja feita só pelos educadores, mas que os estudantes e famílias participem, para compor algo que nos dê boas pistas de atuação, não um retrato acabado.
Mas o Ideb pode ser interessante quando utilizado para mapear onde estão os territórios e as escolas em situação mais crítica e articular todo o regime de colaboração entre União, Estados e Municípios para auxiliar quem mais precisa.
Também vale compor o Ideb com outros índices para ter um panorama mais completo. O Instituto Rodrigo Mendes lançou recentemente o Painel de Indicadores da Educação Especial, que dá maior visibilidade para as crianças com deficiência. Tem o Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (IDeA), da Fundação Tide Setubal, que vai apontar o índice socioeconômico, e o Ioeb (Indice de Oportunidades da Educação Brasileira), que olha para quais foram as oportunidades oferecidas pela gestão pública e não propõe nenhum tipo de ranqueamento.
A análise do índice é dividida em quadrantes: têm os municípios que tiveram notas boas e avançaram, os que tiveram notas boas e não avançaram, os que tiveram notas abaixo da mediana e avançaram e os que não tiveram nota boa e não avançaram. Com isso, conseguimos ver onde estão os esforços em avançar.
O Ioeb 2021 mostrou, por exemplo, que em 15 das 27 unidades federativas (55%) houve uma melhora na maioria dos municípios. Na região Nordeste, todos os Estados apresentaram aumento de oportunidades.
TP: Um sistema de avaliação teria que considerar as aprendizagens básicas para nortear as políticas públicas, não para avaliar os alunos, nem para ranquear os Estados, municípios e escolas.
Ele precisa introduzir a questão do clima escolar, os aspectos de respeito, das políticas antirracistas, de enfrentamento ao sexismo, capacitismo, e analisar os dados para fornecer relatórios qualitativos por territórios para os Estados, municípios e escolas, e isso é viável de fazer.
Depois, é estabelecer políticas para auxiliar na melhoria desses dados e oferecer as condições para implementá-las. A responsabilidade pela melhoria da qualidade da educação não pode continuar recaindo unicamente sobre os professores, que muitas vezes não têm condições de colocar em prática, sozinhos, essas políticas – é responsabilidade do sistema todo.