publicado dia 08/12/2025

7 perguntas e respostas sobre o homeschooling e o Plano Nacional de Educação (PNE)

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒️ Resumo: O novo Plano Nacional de Educação (PNE) está chegando ao final de sua tramitação na Câmara dos Deputados. Entre outros pontos, o documento pode decidir sobre a Educação Domiciliar, também conhecida como homeschooling, no Brasil. Os especialistas Natália Assunção (Observatório de Gênero e Diversidade Sexual no PNE) e Salomão Ximenes (FEUSP) respondem às principais dúvidas sobre o assunto. 

A próxima votação do Plano Nacional de Educação (PNE) na Comissão Especial da Câmara dos Deputados está prevista para esta terça-feira, 9 de dezembro. Se aprovado, o texto que vai orientar as políticas educacionais brasileiras pelos próximos 10 anos segue para apreciação do Senado Federal. 

Na etapa final da Câmara, será discutido o último parecer do Projeto de Lei 2.614/2024, que entre outras alterações apresenta uma emenda para que seja “facultado às famílias o exercício da educação domiciliar”. A proposta foi apresentada pelo presidente da Frente Parlamentar Evangélica e deputado Gilberto Nascimento (PSD-SP).

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Para explicar o que é a educação domiciliar e suas implicações para o Plano Nacional de Educação, o Centro de Referências em Educação Integral ouviu Natália Assunção, criadora do Observatório de Gênero e Diversidade Sexual no PNE, e Salomão Ximenes, professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Confira a seguir 7 perguntas e respostas sobre homeschooling: 

1) O que é homeschooling ou Educação Domiciliar?

Trata-se da prática de educar crianças e adolescentes em casa, fora das escolas tradicionais. A responsabilidade pela instrução passa a ser da família ou de tutores contratados.

A forma como isso pode acontecer depende de uma regulamentação, atualmente inexistente, para determinar as condições para ocupar a posição de tutor, os conteúdos que devem ser abordados, frequência, avaliação, monitoramento, entre outros pontos.

Para Daniel Cara, professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), a Educação Domiciliar é uma tentativa de polarização que se assemelha a uma caraterística fascista de opor a escola e a sociedade à casa e à família, bem como de usar a Educação como terreno para uma guerra social e cultural.

“O objetivo da Educação Domiciliar é fazer com que na sociedade, no debate público, persista a ideia de que a sciedade e a escola e os demais espaços sociais são profanos e que a família deve ser concretamente a referência social de todas as pessoas. Isso aprisiona as possibilidades de vida de todas crianças e jovens que são acometidos por famílias que defendem a educação domiciliar”, afirmou o docente em live, realizada em 2023, ao lado do professor Jamil Cury. Assista na íntegra.

2) Legislação: o que a lei no Brasil diz atualmente sobre o homeschooling?

Embora algumas famílias consigam autorização judicial para exercer a Educação Domiciliar, no país não há lei federal específica que autorize e regulamente a prática da Educação Domiciliar, mas também não há qualquer legislação que a proíba. 

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a prática é inconstitucional sem regulamentação, o que exigiria uma lei federal. Há projetos de lei sobre o tema em curso no Congresso Nacional, como o PLP 22/2022 e o PLP 118/2025, mas esta é a primeira vez que ele aparece dentro do PNE.

3) Quais são as implicações de aprovar o homeschooling junto ao PNE? 

A Constituição Federal, em seu artigo 214, afirma que um dos objetivos do PNE é universalizar o atendimento escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), por sua vez, prevê a obrigatoriedade da frequência escolar entre os 4 e 17 anos de idade.

O professor Salomão Ximenes explica que a tentativa de aprovar o homeschooling por meio do PNE contradiz frontalmente as duas leis a que o Plano está submetido. “É uma tentativa oportunista de colocar um dispositivo alheio ao plano”, afirma o especialista, para quem essa modalidade de ensino é uma violação ao direito à Educação, que é das crianças e adolescentes, não da família. 

“Aprovar a Educação Domiciliar é retroceder 36 anos, quando assinamos a Convenção dos Direitos das Crianças, reconhecendo que eles são sujeitos de direitos autônomos em relação à família e comunidade, e não podem ser negociados ou reduzidos. O homeschooling submete esse direito ao interesse das famílias, mas as crianças não devem ter que pedir autorização das famílias para exercitar direitos que são seus”, explica Salomão.

“O resultado é dizer que crianças e adolescentes são seres humanos de segunda categoria, porque um de seus direitos é relativizado em função de desejos privados de suas famílias e comunidades”, complementa.

4) Quais são os riscos do homeschooling? Como ele pode afetar o Direito à Educação e a proteção integral das crianças e adolescentes?

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que 70% das violências sexuais contra crianças e adolescentes acontecem em casa. Outras violências, como castigos físicos e negligências, também ocorrem principalmente no ambiente doméstico. 

“A escola tem papel fundamental em mostrar o que é ou não é aceitável que façam com o próprio corpo, que é um dos objetivos da Educação Sexual. A escola acaba sendo o espaço onde muitas vezes as crianças conseguem reconhecer o que está acontecendo com elas e pedir ajuda”, afirma Natália Assunção. 

A escola também é o espaço onde as diversidades de corpos, identidades e formas de ver o mundo convivem. “Não ter a escola como espaço socializador tira o acesso a quem é diferente de você e do seu círculo social”, diz Natália. 

Mais do que isso, a escola tem o papel de ensinar o respeito às diversidades, um direito constitucionalmente garantido. “É sobre aprender que há diversidade no mundo e que todas as pessoas merecem respeito. Eu, como pessoa trans, teria tido uma experiência escolar diferente se desde a escola eu soubesse que pessoas trans existem e têm direitos. É preciso fazer da escola um espaço de socialização acolhedora e diversa para além da família”, afirma a especialista.

5) Quais os impactos do homeschooling para as crianças com deficiência?

De acordo com o Censo Escolar 2024, 92,6% dos estudantes que são público da Educação Especial estavam matriculados em classes regulares. Salomão Ximenes explica que essa é uma conquista histórica e internacionalmente reconhecida, já que a sociedade tende a crer que as pessoas com deficiência devem permanecer em casa ou em instituições. 

“A obrigatoriedade da matrícula em escolas foi um grande dispositivo para alcançarmos essa taxa. Quando a obrigatoriedade é relativizada, o receio é que voltemos a uma situação de segregação, em que famílias podem ser orientadas a manter essas crianças em ambiente doméstico ou instituições, como há 15 ou 20 anos”, explica Salomão.

6) Como dialogar com as famílias sobre o homeschooling?

Um ponto em comum entre quem defende a Educação Domiciliar e quem é contra diz respeito ao desejo de que as famílias participem mais da Educação. “Mas o homeschooling faz isso abandonando elementos essenciais para o desenvolvimento das crianças e do ambiente democrático e plural na sociedade”, observa o professor Salomão.

“A escola tem que ser o espaço em que as famílias participam e constroem juntos. A forma de levar os interesses das famílias para a escola é mediante a participação. Que elas sejam ouvidas, incluídas e participem de decisões da gestão e dos debates sobre a construção das perspectivas curriculares que querem desenvolver”, orienta.

7) O que a Educação Integral diz sobre o homeschooling?

Para a Educação Integral, o desenvolvimento de crianças e adolescentes, bem como de jovens e adultos, acontece com qualidade quando todas as instâncias da sociedade trabalham colaborativamente: escola, família, comunidade, território e outras áreas do setor público. 

Isso porque desenvolver as múltiplas dimensões de um sujeito demanda experiências diversificadas, tempos e espaços variados, e com pessoas diferentes. “A escola é um espaço público, seja ela uma instituição pública ou privada. É onde há convívio, alteridade, troca, aprendizagem”, define Salomão. 

Em nota contra a aprovação da educação domiciliar no PNE, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) afirmou que o homeschooling compromete o desenvolvimento integral. 

“Quando se permite que a função educacional seja exercida por qualquer pessoa do seio familiar, sem formação adequada, expõe-se as crianças a práticas inadequadas, comprometendo seu pleno desenvolvimento nas múltiplas dimensões (intelectual, física, emocional, social e cultural)”.

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