publicado dia 11/03/2024

10 aprendizados sobre o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas 

Reportagem:

🗒️ Resumo: A partir da experiência de seis municípios brasileiros, pesquisa do Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana levanta 10 condições centrais para implementar a Lei 10.639/03 e garantir o direito dos estudantes a conhecer a história e cultura africana e afro-brasileira com qualidade. 

Formação continuada, orçamento, transformação do fazer pedagógico e trabalho intersetorial estão no centro das ações desenvolvidas por redes educacionais para implementar a Lei 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira em todas as escolas do país.

Leia + Geledés e Alana lançam pesquisa sobre municípios que colocam a Lei 10.639/03 em prática

É o que revela a pesquisa Lei 10.639/03 na prática: experiências de seis municípios no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, de Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana, lançada em 20/2.

“As experiências mostram que a implementação dessa lei amplia o respeito pelo outro e o fortalecimento das relações, afeta estudantes, professores e familiares. Somos uma sociedade de pessoas diferentes e isso não pode ser transformado em desigualdade e hierarquização de saber e poder, é simplesmente o estado de direito à diferença”, explica Tânia Portella, pesquisadora e consultora de Geledés Instituto da Mulher Negra.

Para compreender a fundo os desafios e aprendizados na implementação da lei, foram ouvidos seis municípios: Belém (PA), Cabo Frio (RJ), Criciúma (SC), Diadema (SP), Ibitiara (BA) e Londrina (PR).

“O racismo estrutural é o que constrói todas as políticas brasileiras. Por isso é tão importante ressaltar e exaltar as secretarias que cuidam dessa agenda de forma comprometida”, diz Beatriz Benedito, analista de políticas públicas no Instituto Alana.

A partir do estudo das experiências, a pesquisa lista 10 aprendizados compartilhados entre os municípios para identificar o que funciona em uma implementação da legislação de forma efetiva e com qualidade. 

“A designação de verbas e materiais, a formação de professores e gestores, bem como diagnósticos para ver como a Educação para as relações étnico-raciais está em cada escola são fundamentais”, afirma Beatriz.

Em abril de 2023, o Geledés e o Alana publicaram a primeira etapa da pesquisa. Realizada com 21% (1.187) das Secretarias Municipais de Educação, o estudo apresentou um grave cenário em que 71% das redes não cumprem a lei, realizando pouca ou nenhuma ação para efetivá-la.

Tânia afirma que muito desse cenário se deve ao sufocamento de políticas pela falta de recursos, equipe e estrutura para que ela aconteça, e explica como a sociedade pode contribuir para sua efetivação:

“A gestão pública precisa dar condições para que a implementação aconteça. As famílias precisam acompanhar o que está sendo ofertado na escola. Os estudantes, a partir do momento em que adquirem o saber de que têm direito de conhecer várias visões de mundo e construções de conhecimentos, podem cobrar o acesso a isso”, diz.

Confira os 10 aprendizados compartilhados pelas redes na implementação da Lei 10.639/03:

  1. Criação e/ou fortalecimento de equipe ou responsável para coordenar as ações

As experiências mostram que a institucionalização da Lei 10.639/03 na estrutura administrativa das redes é importante para promover a implementação nas escolas. Por outro lado, é necessária também a presença de profissionais comprometidos com uma educação antirracista ocupando esses espaços e outros cargos de gestão dentro da secretaria e da gestão das escolas.

  1. Previsão orçamentária para o cumprimento de ações relacionadas à implementação da Lei 10.639/03

É importante prever essa destinação orçamentária estruturada para a realização de ações com escolas, aquisição de materiais didáticos e paradidáticos e formação de professores, já que ela demonstra o compromisso da gestão para o cumprimento da lei, por meio de projetos mais estruturados e perenes.

  1. Regulamentação em nível municipal para aproximar a lei federal da realidade do território brasileiro como um todo

Regulamentar a lei localmente é fundamental para aproximar as diretrizes federais da realidade de cada município, permitir a criação de núcleos e coordenadorias e refletir esse contexto nos projetos e instrumentos de educação, como os currículos. O relatório lançado em abril mostra que só um em cada cinco municípios respondentes possui regulamentação específica sobre o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira. 

  1. Coordenação da secretaria de iniciativas realizadas pelas escolas com constância, ao longo do ano, e não apenas em datas comemorativas ou em casos de racismo

O acompanhamento das iniciativas já realizadas em escolas da rede é importante para identificar temas e ações que interessam à comunidade escolar, impulsionar ações que já ocorrem nas escolas e promover troca de experiências entre elas, rompendo a perspectiva da pedagogia do evento e aproximando estudantes de história e cultura africana e afro-brasileira de modo linear e constante, integrado ao currículo e ao cotidiano escolar.

  1. Uso de materiais didáticos que estejam de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais

A composição do acervo das bibliotecas escolares precisa contemplar títulos que abordam as relações étnico-raciais, subsidiando a atuação dos professores e ampliando o repertório — um dos caminhos para isso, por exemplo, é o Programa Nacional do Livro Didático. As diretrizes curriculares devem prever o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira ao longo do ano, e os currículos devem considerar a diversidade das escolas e garantir sua autonomia. 

  1. Formação de professoras e professores, gestão escolar e demais profissionais da educação que atuam diretamente na comunidade escolar

A falta de conhecimento sobre como aplicar a Lei 10.639/03 e a resistência de profissionais da comunidade escolar estão entre os principais desafios para a sua implementação. Nesse sentido, a oferta de formações específicas e continuadas pelas Secretarias Municipais de Educação é essencial para a sensibilização, conscientização e instrumentalização dos profissionais dentro da escola.

  1. Realização de diagnóstico junto às escolas para identificar os desafios e as práticas já realizadas na rede

A realização de um diagnóstico da rede em relação à implementação da Lei 10.639/03 é um passo importante para uma atuação efetiva das secretarias, pois possibilita compreender como se dá e qual é o nível dessa implementação pelas escolas. Ao mesmo tempo, permite entender desafios decorrentes dela, conhecer e disseminar boas práticas e desenvolver um planejamento para atuar com base na realidade da rede, traçando estratégias para escolas e públicos específicos. 

  1. Uso de dados qualificados e uso de indicadores educacionais por raça e cor para orientar as políticas educacionais no município

A produção e o uso de dados qualificados para a formulação de políticas educacionais são fundamentais, e observá-los a partir do recorte racial pode ser transformador para as políticas de educação de um município. É importante prever a coleta das informações de raça e cor e garantir a autodeclaração de crianças e famílias nos cadastros educacionais. Apenas com dados racializados é possível gerar evidências para a realização de políticas públicas mais assertivas no combate ao racismo e redução de desigualdades.

  1. Engajamento dos profissionais da educação e diálogo com familiares e responsáveis, especialmente os que ainda não estão comprometidos com o tema

Diretores escolares e coordenadores pedagógicos comprometidos com a implementação da lei dão condições e criam um ambiente propício à sua aplicação. Nas escolas em que eles possuem maior repertório sobre a educação étnico-racial, a atuação tende a ser mais estruturada, pois oferece apoio aos professores, e há mais chance de que toda a comunidade possua um letramento racial. Boas experiências também envolvem os estudantes no desenvolvimento de discussões e práticas antirracistas dentro das escolas, via criação de comitês ou comissões de alunos.

  1. Realização de parcerias com outras entidades, organizações, universidades e representantes de movimentos negros

As parcerias são importantes para garantir melhores condições de implementação da legislação, já que as secretarias possuem realidades muito distintas, em contexto de atuação, tamanho e capacidade técnica. Atuar com outros órgãos e instituições pode ser um caminho interessante. Cooperações podem ser realizadas com atores externos, como universidades, institutos, movimento negro local e também dentro do governo. As universidades públicas se mostraram parceiras importantes das redes e das escolas, principalmente nas formações e elaboração de materiais. Há, inclusive, uma demanda dos professores entrevistados por proximidade e apoio mais direto da universidade para embasar e aprofundar as questões com as quais não se sentem preparados para trabalhar. 

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