Combatendo o racismo na escola: abordagens possíveis
Publicado dia 17/11/2017
Publicado dia 17/11/2017
Não há uma única forma de manifestação do racismo, tampouco de combatê-lo. No ensejo do Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, o Centro de Referências em Educação Integral reuniu experiências bem sucedidas de escolas e educadores que apontam caminhos para lutar contra o preconceito.
Entre as estratégias utilizadas para estimular atitudes mais inclusivas e o respeito às diferenças, destacam-se debates, brincadeiras, contação de histórias com bonecos, o reconhecimento de situações discriminatórias, bem como a incorporação de narrativas que tragam os negros como protagonistas.
Leia + “É preciso considerar as opressões estruturais, como o racismo, para discutir currículo”
“Da Educação Infantil à Superior, é essencial conhecer e ressaltar o protagonismo africano e afro-brasileiro na produção do conhecimento, como Dandara, Acotirene, Milton Santos, João José Reis, Muniz Sodré, Conceição Evaristo, Chiquinha da Silva, e relacionar esses exemplos positivos a cada um de nossos estudantes negros”, aponta Eduardo Oliveira, professor de História e Cultura Africana e Afro-brasileira na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Em Aracruz, interior do Espírito Santo, o Centro Municipal de Educação Básica Mário Leal Silva desenvolveu, ao longo de um ano, um projeto para estimular intervenções individuais e coletivas contra o racismo na escola, avançando em diferentes frentes.
“Da Educação Infantil à Superior, é essencial ressaltar o protagonismo africano e afro-brasileiro na produção do conhecimento”, aponta Eduardo Oliveira, da UFBA
A primeira etapa consistiu em um levantamento do perfil dos alunos e um diagnóstico para entender de que forma a escola abordava o preconceito racial, seguido por uma conversa com professores, familiares e funcionários.
Este encontro serviu para reforçar a importância da participação de todos no combate a essa violência e para a direção identificar atitudes preconceituosas na escola (sem mencionar nomes), com o intuito de esclarecer o que são atitudes racistas e de que maneiras, sutis ou evidentes, elas se manifestam no dia a dia.
A instituição também abriu a conversa para que a comunidade escolar pudesse contar histórias de quando viveram ou presenciaram situações discriminatórias. Para quem não quisesse se expor, foi oferecida a oportunidade de relatar a história em uma folha e entregá-la posteriormente para a direção.
As paredes da escola foram tomadas por diversos murais ao longo do ano, resultado de trabalhos desenvolvidos pelos alunos, apresentando temas como a tradição e palavras africanas e as influências culturais da África no Brasil.
Outros funcionários também se engajaram na missão: as merendeiras, por exemplo, preencheram o espaço com receitas africanas que passaram a preparar na cantina.
As reuniões de familiares também se tornaram palco para a discussão: os familiares compartilhavam com o grupo peças ou elementos de sua cultura. O encontro também servia para discutir a responsabilidade de todos para um convívio sem preconceitos.
Por fim, a direção combinou com familiares, professores, alunos e funcionários que, em casos de discriminação, os envolvidos participariam de uma conversa mediada pela gestão. A proposta é adotar um tom menos punitivista e mais educativo.
Em São Paulo, a Escola Municipal de Educação Infantil Nelson Mandela recorreu a bonecos de pano para abordar este assunto com os pequenos que, por vezes, espelham atitudes e falas de adultos carregadas de preconceito.
A diretora Cibele Racy contou que trouxe um boneco negro de tamanho real para a escola, e explicou para as crianças que se tratava de um príncipe africano chamado Azizi Abayomi.
“Isso já foi um choque para boa parte das crianças, porque ele era um príncipe, mas não tinha olhos azuis e cabelos louros”, diz a diretora sobre o primeiro boneco que levou à escola, ainda em 2011.
Em seguida, teve início um processo de conversa com as crianças sobre aquele personagem. Usando a imaginação, professores e alunos criavam a história de Azizi. “Estudar esse príncipe permitiu que os alunos falassem sobre a própria vida. Uma abordagem mais lúdica sobre o racismo, especialmente nessa idade, funciona melhor”, disse Cibele.
Pouco tempo depois, o personagem ganhou uma esposa e filhos, abrindo mais possibilidades de discussão, como gênero, diferentes configurações de família e relações inter-raciais.
No esforço de incluir a discussão nas aulas, a diretora da CMEB Mário Leal Silva, Mônica Louvem, apresentou o filme O Triunfo, que trata da hostilização contra alunos negros e das ações de um professor para mudar isso, e debateu as soluções encontradas pelo personagem com seu corpo docente.
Em seguida, formularam juntos sugestões de como introduzir conteúdos ligados à cultura africana no planejamento das aulas, como a leitura de textos e a análise de pinturas e desenhos e a posterior produção, que foi exposta nos murais da escola.
Em suas aulas, o professor Eduardo Oliveira, da UFBA, tenta mostrar como o racismo transforma diferença em desigualdade para perpetuar privilégios. Se quisermos quebrar este ciclo, diz, é preciso compreender as origens do preconceito, nosso País e a produção de conhecimento dentro das escolas e da Academia.
“O racismo não se perpetua por argumentos racionais, mas por uma percepção deturpada do outro. Por isso, é preciso ler o corpo dos nossos estudantes com dignidade e respeito, e começar a educá-los para ver as diferenças como oportunidade de enriquecimento de nós todos. É ler o cabelo, a cor da pele, lábios e nariz sem uma caracterização negativa, para inclusive aumentar a autoestima dos alunos”, coloca.
Se para os professores cabe atenção aos corpos e a valorização da cultura africana, por parte dos gestores, cabe integrar e garantir a efetivação das legislações sobre ensino de cultura e história africana no projeto político-pedagógico da escola, tornando-as presente não só na sala de aula, mas também nos espaços da administração, da merenda, da limpeza e segurança.
“É no cotidiano, no chão da escola, que a gente pode ter uma ação transformadora, para que possamos concretamente reconhecer os direitos de todos os cidadãos, particularmente de negras e negros, que têm sido vilipendiados nos últimos 500 anos da nossa história”, conclui o professor da UFBA.