Espaço de Bitita: conheça a escola que conecta currículo, diversidade e território para uma Educação Integral
Publicado dia 06/11/2024
Publicado dia 06/11/2024
Na EMEF Espaço de Bitita, em São Paulo (SP), a valorização da diversidade e o acompanhamento pedagógico individualizado, em meio a um trabalho coletivo, democrático e conectado ao território, estão no centro das ações da escola, que atende Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos a partir da concepção de Educação Integral. Conheça a história da escola e confira um Raio-X detalhado de seu trabalho no Especial Escolas de Educação Integral.
Até o 3° ano do Ensino Fundamental, estão alfabetizados 95% dos estudantes da EMEF Espaço de Bitita, em São Paulo (SP), uma escola composta por 25% de estudantes cuja língua nativa é outra.
Mais do que isso, alcançam esse resultado a partir de um trabalho pedagógico que conecta o currículo à vida. Em Bitita, as crianças estudam a sério, o que também significa brincar com água, em espaços abertos e naturais, festejar na rua e visitar exposições na cidade.
Nas salas de aula, os estudantes estão sempre em agrupamentos produtivos, uma estratégia que favorece a aprendizagem e a atitude colaborativa, ao invés de competitiva, entre a turma.
Há momentos individuais de estudo, mas a maior parte do tempo é em contato com colegas de diferentes idades, variadas experiências educativas dentro e fora da sala de aula, com garantia de tempo livre para descansar, brincar e realizar atividades lúdicas, esportivas e artísticas.
Os materiais pedagógicos da escola são todos produzidos pelos professores em parceria com a gestão. Com base em múltiplas metodologias ativas, atrelam os componentes curriculares a questões sociais contemporâneas e do território, que contribuem para a formação crítica, cidadã e democrática dos estudantes.
“No 8° ano, por exemplo, quando vamos abordar notícias e reportagens em Língua Portuguesa, trago fake news, notícias reais e redes sociais. Em outra etapa, trabalhamos com reportagens sobre trabalho infantil e análogo à escravidão, uma realidade para muitos de nossos estudantes e suas famílias, empregados em oficinas de costura do bairro”, conta a professora Fernanda Zientara.
Nos anos finais do Ensino Fundamental, e em algumas oportunidades experimentais no 4° e 5° ano, a aprendizagem acontece por meio de roteiros de aprendizagem.
“É um material explicativo que nos dá tempo hábil para atender as demandas específicas de cada estudante e perceber dificuldades, porque acompanhamos individualmente. Já faço uma avaliação e adapto para o tempo e a forma de cada um aprender”, explica Fernanda.
Além dos roteiros, os estudantes podem escolher entre oficinas eletivas. Atualmente, há oficinas para estudar histórias e culturas tradicionais, percussão, criar uma websérie a partir do livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus (1914-1977) – autora consagrada que nomeia a escola –, realizar o Slam de Bitita e estudantes do 9° que ensinam sistemas do corpo humano para o 5° ano.
Com durações variadas, as oficinas são criadas pelos professores. “É uma forma de aproximar os conteúdos dos desejos e vontades dos estudantes”, afirma Carlos Eduardo Fernandes Jr., coordenador pedagógico da unidade.
Fora dos muros da escola, que aliás são mais baixos para favorecer a integração com os arredores, os estudantes realizam festas, cortejos, manifestações e passeios. Recentemente, visitaram a exposição Um Defeito de Cor, baseada no livro de Ana Maria Gonçalves, que conta a história de Luísa Mahin, ou Kehinde, a mãe do abolicionista Luiz Gama.
“A cidade inteira é nossa escola. Não tem um limite, vamos onde for preciso, onde tenha a ver com o projeto que está acontecendo. A gente sai em 16 a 20 pessoas, por tutoria e com quem quer. Vamos de metrô, que é bem perto da escola, e pagamos as passagens dos alunos”, relata Carlos Eduardo.
Com os estudantes de 8° e 9° ano, desenvolvem o projeto Escola Sem Fronteiras, em parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, que fica ao lado da escola, e ETECs. A escola recebe estagiários e, em contrapartida, os estudantes ganham aulas de preparo para ingressar nestas unidades e fazem visitas para conhecê-las.
“Desejamos incentivar a continuidade dos estudos e que nossos estudantes saibam que há possibilidades de escolha dentro do próprio território. Eles ficam encantados com as oportunidades que conhecem lá”, diz Fernanda.
A escola está localizada na área remanescente da favela do Canindé, onde Bitita, apelido carinhoso dado a Carolina Maria por seu avô, criou seus três filhos, trabalhou como catadora e escreveu vários livros.
A região historicamente vulnerabilizada abriga hoje grande quantidade de migrantes e refugiados, além de sediar abrigos para pessoas em situação de rua, mulheres trans, vítimas de violência e dependentes químicos.
“Temos uma luta constante contra a evasão escolar, em especial por causa do trabalho infantil. Hoje são 50 estudantes fora da escola ou com muitas faltas”, relata Carlos Eduardo.
Há também casos de violências contra as crianças e adolescentes e demandas por atuação intersetorial para que os estudantes tenham condições de permanecer na escola.
“Chamo uma reunião de território, onde junta a assistente social, a psicóloga da UBS, e alguém do Serviço de Proteção Social à Criança e Adolescente Vítimas de Violência, e faço os encaminhamentos e acompanhamentos. Mas é exaustivo, porque são muitos casos e não temos uma estrutura de devolutivas bem estabelecida. Eventualmente percebo que tem algum caso que não acompanhamos direito”, lamenta o coordenador pedagógico.
A mudança na forma de estar e aprender na escola transformou também a relação entre os estudantes. Até cerca de 2018, não eram incomuns casos de violências como racismo, xenofobia e agressões físicas.
“Hoje, quando acontece algo mais grave, geralmente é um aluno que veio este ano para a escola. São estudantes que muitas vezes sofreram violências institucionais e reproduzem elas aqui. Mas logo eles percebem que nossa forma de lidar com os conflitos é mais tranquila, é com diálogo e participação democrática”, conta Fernanda, que leciona na escola desde 2010.
Bitita possui uma série de instâncias de participação que envolvem toda a comunidade escolar, dos funcionários às lideranças comunitárias. Juntos, tomam decisões pedagógicas, financeiras e de rotina.
“Temos abertura para realizar nossos projetos e decidir as coisas juntos, nunca de forma unilateral. Isso favorece a relação com nossos pares e no engajamento para fazer as coisas acontecerem da forma mais adequada e prazerosa possível, além de tornar o ambiente mais tranquilo de trabalhar, o que as famílias e os estudantes percebem e nos dão sua confiança”, afirma a professora Fernanda.
Rozivaldo Souza Cruz, pai de duas estudantes que estão na escola desde o 1° ano do Ensino Fundamental, é um dos familiares mais envolvidos com a escola. Além de “procurar nunca faltar” nas reuniões, uma vez por semana se responsabiliza por acompanhar um pequeno grupo de estudantes da escola até um equipamento cultural vizinho, onde realizam atividades de música.
“Se eu e outro pai não fizesse isso, eles não iam poder participar, então ficamos muito felizes de contribuir”, diz Rozivaldo, que acrescenta: “Aqui na comunidade todo mundo só procura essa escola”.
“A gestão democrática constrói vínculo com a comunidade escolar e é o que mantém isso aqui de pé. É esse coletivo maior que sustenta tudo isso”, pontua Carlos Eduardo.
*Foto: Patrick Silva/Alma Preta
Ficha técnica | Especial Escolas de Educação Integral
Coordenação técnica: Fernando Mendes, Natacha Costa e Raiana Ribeiro
Edição: Tory Helena
Reportagem: Ingrid Matuoka
Conteúdo digital: Larissa Alves
Design: Vinicius Corrêa
Centro de Referências em Educação Integral
O Centro de Referências em Educação Integral promove, desde 2013, a pesquisa, o desenvolvimento metodológico, o aprimoramento e a difusão gratuita de referências, estratégias e instrumentais que contribuam para o fortalecimento da agenda de Educação Integral no Brasil.
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