Como a escola pode alcançar todos os estudantes? 

Publicado dia 16/07/2021

Selo ReviraVolta da Escola PerguntaCerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola ou sem acesso a atividades pedagógicas, de acordo com o estudo Enfrentamento da cultura do fracasso escolar, publicado em janeiro de 2021 pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Para garantir que todos esses estudantes tenham condições de acessar e permanecer na escola, presencial ou remotamente, Estado, sociedade e famílias precisam trabalhar em conjunto.

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Conheça o guia Busca Ativa Escolar em crises e emergências, que visa apoiar governos estaduais e municipais na garantia do direito à educação de cada criança e cada adolescente.

“Grande parte dos motivos pelos quais crianças e adolescentes estão fora da escola são questões que a área da Educação não consegue lidar sozinha. Então a rede de proteção social precisa estar alerta e fortalecida para garantir que todos os meninos e meninas sejam atendidos pelos serviços públicos e possam estar na escola”, explica Julia Ribeiro, oficial de Educação do Unicef.

Para auxiliar as redes de Educação a organizarem seus próprios processos de criação e manutenção de vínculo com os estudantes neste contexto da pandemia, o Centro de Referências em Educação Integral descreveu seis etapas a serem observadas, tendo por base experiências reais de enfrentamento à exclusão escolar. Confira:

RESUMO

Quais são as principais etapas? 

1 – Identificação de estudantes em risco de exclusão escolar ou que já evadiram

2 – Organização do processo de busca ativa

3 – Busca ativa dos estudantes na prática

4 – Criação de condições para que as crianças e adolescentes possam estudar

5 – Acompanhamento dos casos

6 – Próximos passos

Quem faz o quê? 

Professores e coordenadores pedagógicos: identificam e organizam informações iniciais sobre crianças e adolescentes em desvinculação ou excluídos; trabalham pela manutenção do vínculo com famílias e estudantes e pela relevância do trabalho pedagógico para evitar novas evasões.

Gestores escolares: comunicam a Secretaria de Educação sobre a situação de evasão escolar em sua unidade; organizam e orientam o trabalho da busca ativa internamente; trabalham pela manutenção do vínculo com famílias e estudantes e pela relevância do trabalho pedagógico para evitar novas evasões.

Secretaria de Educação: mapeia os casos na rede em relação ao território, firma parceria com a rede intersetorial e organiza os processos da busca ativa e outras intervenções para a garantia do direito à Educação em todas as escolas.

Rede intersetorial: auxilia na busca das famílias; acompanha e atende as demandas que aparecem por meio da busca ativa; planeja intervenções no território para prevenir a exclusão escolar e outras violações de direitos.  

Equipes de campo: formadas por equipes das escolas, da Secretaria ou de projetos especializados, vão em busca de contato com as famílias; identificam e encaminham as demandas para serem atendidas pela rede intersetorial ou para resolver as questões com a própria escola; acompanham os casos para monitorar a efetivação de todos os direitos da família, crianças e adolescentes; reportam à escola e/ou à Secretaria o andamento dos casos.

As principais etapas da busca ativa de estudantes:

1 – Identificação de estudantes em risco de exclusão escolar ou que já evadiram

Uma criança que falta muito, um estudante que passa semanas sem retirar novas atividades remotas, o adolescente que nunca mais fez contato com o professor, um nome na lista que nunca apareceu na aula online. Estes costumam ser alguns dos sinais de um estudante em risco de evasão ou de efetivo abandono escolar e, muitas vezes, quem consegue percebê-los primeiro é o professor. 

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Ao menor indício de desvinculação, é preciso documentar o caso, relatando o que tem acontecido junto à ficha de contatos da família, e comunicar a gestão. Indícios de violência doméstica, trabalho infantil e outras vulnerabilidades, como a fome, também precisam ser encaminhados. O gestor escolar deve organizar as listas de estudantes em risco de evasão ou evadidos e encaminhar para a Secretaria de Educação. 

Nesse processo, vale uma atenção especial aos estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que em geral já percorreram uma trajetória de exclusão escolar anteriormente. “Eles foram os primeiros impactados, tanto pela questão da falta de inclusão digital quanto pela sobrevivência: muitos tiveram que parar de estudar para conseguir arranjar algum dinheiro”, observa Marília de Santis, diretora da EMEF Luiz Gonzaga do Nascimento Jr.

2 – Organização do processo de busca ativa

Quando a Secretaria de Educação recebe essas informações, ela deve acionar a rede intersetorial e organizar as funções de cada ator na busca ativa. Em Itapevi (SP), rede que atende 29 mil estudantes da Educação Infantil, Ensino Fundamental I e Educação de Jovens e Adultos, a Secretaria conseguiu recuperar metade dos 246 estudantes evadidos e segue em busca dos demais.

Para realizar esse trabalho, a Secretaria reuniu todas as listas das escolas e mapeou as regiões com mais casos. Depois, firmou parcerias com outras secretarias do município, como Saúde, Cultura, Segurança, Esporte, Assistência e Desenvolvimento Social, a Diretoria Estadual de Ensino e um promotor da Vara da Infância. 

Essa rede apoia a garantia de condições para as famílias e estudantes, de forma que as crianças e os adolescentes possam acessar e permanecer na escola, e buscam seus cadastros informações sobre as famílias, suas demandas e onde seria possível encontrá-las. Em relação às escolas, que em geral ficam responsáveis por ir atrás dos estudantes, cada unidade designa um diretor e mais uma pessoa que centralizam todas as ações e fazem a comunicação com a Secretaria. 

“Antes, as escolas já faziam esse trabalho de busca ativa, mas era algo mais interno. Hoje, a Secretaria, que é a grande responsável por alcançar todos os estudantes, tem a visão geral da rede, o que facilita mapear os territórios que têm mais evasão e endereçar questões específicas, como uma região que tem muita violência e precisa de Segurança Pública ou de mais atendimento da Assistência Social”, relata Leonilda Rodrigues Simoni, supervisora de ensino da Secretaria Municipal de Educação de Itapevi (SP). 

3 – Busca ativa dos estudantes na prática

Com a lista dos estudantes, seus contatos e as funções atribuídas, começa o processo de busca ativa em si. Para conseguir contato com as famílias, podem ser mobilizadas diversas estratégias: ligações telefônicas, visitas aos endereços cadastrados, conversas com vizinhos e pessoas da comunidade, mensagens pelo WhatsApp e redes sociais, cartas e e-mails, cartazes pelo bairro e até recados por carro de som, no rádio e televisão. 

As demais Secretarias do município também podem auxiliar nesse contato inicial, perguntando para todas as famílias que acessam os serviços se as crianças e adolescentes estão matriculados e realizando as atividades pedagógicas. 

Em São Paulo (SP), a EMEF Padre José Pegoraro aproveitou outras ações, como a entrega de cestas básicas, para conseguir contato com as famílias. “Não estamos aqui só para ensinar conteúdos”, diz o professor Diego Navarro, que também criou, junto de seus colegas, o podcast Padre Cast, com as principais informações para as famílias. “É um formato econômico em termos de dados, que pode baixar e ouvir depois, e circulou bem no WhatsApp, muito melhor do que em texto”, conta. 

Em geral, é a equipe de cada escola que fica responsável por realizar a busca ativa, mas às vezes podem contar com o apoio de equipes da Secretaria ou de parcerias com outras instituições. Esse é o caso do município de Marabá (PA), que atua junto ao Projeto Territórios em Rede, uma iniciativa da Fundação em Vale, em parceria com a Cidade Escola Aprendiz e a Secretaria Municipal de Educação.

Cristilene Longobardi é uma das articuladoras de campo do projeto que realiza hoje a busca ativa de 700 estudantes. 

“Nosso trabalho é intervir em uma situação de violação de direitos da família, da criança e do adolescente, e amparar em relação às demandas que estão influenciando nesse processo. Por trás de uma atividade não realizada tem uma história muito mais complicada, tem políticas públicas que não chegaram, e é nosso papel endereçá-las”, explica. 

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A articuladora de campo Cristilene Longobardi durante uma das visitas presenciais

Crédito: Cristilene Longobardi

Em relação às orientações de como conduzir a conversa com a família assim que a escola consegue o primeiro contato, Cristilene tem uma regra de ouro: oferecer acolhimento e nenhum julgamento. “Apresento o projeto, conto como identificamos que a criança ou adolescente está fora da escola, pergunto como está essa situação e conto que o meu propósito é auxiliar a família da melhor forma que ela precisar”, relata Cristilene. 

4 – Criação de condições para que as crianças e adolescentes possam estudar

Após identificar a demanda da família e a causa da exclusão escolar de uma criança ou adolescente, o responsável pela busca ativa precisa encaminhar o caso para o setor responsável. 

Cristilene conta, por exemplo, de um adolescente que tinha algumas dificuldades na fala e, desde antes da pandemia, costumava faltar muito às aulas por vergonha. Com a pandemia, ele ficou ainda mais desmotivado a estudar. “A família não tinha como pagar um fonoaudiólogo, então eu fui até o posto de Saúde, conversei com o responsável e agendei um horário para o menino. Hoje ele já está fazendo sessões com um profissional e voltou a participar das atividades escolares”, comemora Cristilene, ressaltando a importância da parceria entre todas as secretarias do município.

Outros casos envolvem acionar a Assistência Social para garantir condições de moradia e alimentação, ou mesmo fazer uma mediação entre a família e a escola para resolver conflitos e outros entraves à participação das crianças e adolescentes no trabalho pedagógico, como a oferta de atividades remotas, online e impressas. Nestes episódios, é fundamental o diálogo com a Secretaria de Educação para que ela possa criar as condições necessárias para viabilizar a chegada dessas atividades. 

Ao longo da pandemia, há secretarias que providenciaram chips com conectividade para os estudantes, outras distribuíram tablets para as aulas remotas. Em São Paulo (SP), o professor Diego Navarro e seus colegas também se empenharam em planejar atividades e formatos de aulas que engajassem os estudantes. “O podcast Padre Cast, que nasceu como meio de comunicação com as famílias, depois se tornou um instrumento de estímulo à participação dos estudantes, porque eles gostaram do formato e nós pudemos promover debates que interessavam a eles, com o que surgia nas nossas conversas”, avalia.

Já em Marabá (PA), Natércia Monteiro de Souza, gestora escolar da EMEF Deuzuita Melo de Albuquerque, percebeu que os estudantes com deficiência estavam ficando à margem das atividades remotas enviadas para a casa das crianças e, por isso, decidiu criar cadernos personalizados para cada aluno, mantendo o mesmo tema da turma, mas fazendo as adequações necessárias para promover a inclusão.

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Retirada de materiais impressos na EMEF Deuzuita Melo de Albuquerque

Crédito: Natércia Monteiro de Souza

“Nós temos que ir atrás do que evadiram e apoiar os que ainda estão com a gente de todas as formas, pelas atividades pedagógicas e pelo vínculo. Sempre ligo para as famílias para perguntar como estão, para reforçar a importância das crianças continuarem os estudos. É a nossa união que pode nos fortalecer”, diz Natércia. 

5 – Acompanhamento dos casos

As informações colhidas a partir da primeira entrevista são anexadas à ficha do estudante, que deve ser atualizada periodicamente com as medidas adotadas para reinserir o estudante no contexto escolar, além de servir para acompanhar os casos. “Eu ligo para as famílias, pergunto como elas estão e se precisam de algo. Só funciona se for uma relação de parceria”, afirma Cristilene, que visita presencialmente as famílias com regularidade. Caso seja identificada uma nova violação de direito da família, da criança ou adolescente, o processo é reiniciado.

6 – Próximos passos

Com esta etapa cumprida, é hora de olhar para como abrir e manter funcionando uma escola segura e como garantir que todos os estudantes possam aprender. Saiba mais na série “#ReviraVolta da Escola Pergunta”, clicando sobre os links.

O Centro de Referências em Educação Integral também conversou sobre busca ativa com Eliana Maria da Cruz Silva, Secretária de Educação de Itapevi (SP) e Julia Ventura, gestora estratégica da Associação Cidade Escola Aprendiz. Confira a entrevista em vídeo na íntegra:

O que é a #Reviravolta da Escola?

Realizado pelo Centro de Referências em Educação Integral, em parceria com diversas instituições, a campanha #Reviravolta da Escola articula ações que buscam discutir as aprendizagens vividas em 2020, assim como os caminhos possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.

Leia os demais conteúdos no site especial da #Reviravolta da Escola.

Projeto Territórios em Rede promove busca ativa de crianças e adolescentes em Marabá (PA)

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