publicado dia 14/03/2019
Por que isolar as escolas não resolve o problema da violência?
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 14/03/2019
Reportagem: Ingrid Matuoka
Na esteira de outros episódios de violência causados por armas de fogo em escolas brasileiras, como Realengo (RJ) e São Caetano do Sul (SP), ambos em 2011, e o de Goiânia (GO), em 2017, a morte de 9 pessoas na Escola Estadual Raul Brasil em Suzano (SP) e um comerciante, reacende o debate sobre como prevenir esse tipo de violência no espaço escolar.
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O aumento da vigilância e policiamento, a construção de grades, cercas e muros foram consideradas por alguns representantes do poder público e da sociedade como soluções para o combate à violência — fechando assim as escolas para o território e a comunidade.
Mas há outros caminhos. Na contramão dessa proposta, a Educação Integral se espelha em estudos de segurança pública e experiências de escolas que, mesmo em territórios que convivem com a violência urbana cotidiana, abriram suas portas para a comunidade e se conectaram com o entorno para enfrentar problemas dentro e fora da sala de aula.
A socióloga e educadora Helena Singer e o especialista em direito da criança e do adolescente Ariel de Castro Alves analisam as possibilidades para lidar com a violência no espaço escolar.
Após um episódio de violência, é comum que as escolas procurem meios para aumentar a vigilância, o policiamento, fechando-se para o território e a comunidade.
Para Helena Singer, contudo, esse método não parece eficaz. No Brasil, todos os maiores episódios violentos nas escolas foram causados por pessoas que tinham algum vínculo com a escola e, portanto, teriam acesso ao espaço da mesma maneira.
“No caso de Suzano, os dois homicidas eram ex-estudantes. Mesmo com portão fechado e catraca, se eles pedissem, possivelmente entrariam”, diz a socióloga.
“Catracas, bibliotecas trancadas e portões fechados denunciam a desconfiança da escola em relação aos estudantes e funcionários, e portanto, estes acabam se reconhecendo como indivíduos indignos de confiança, além de contaminar com insegurança as relações, sejam eles alunos ou professores”, explica Singer.
Sobre os crimes causados por armas de fogo em escolas dos Estados Unidos, o presidente Donald Trump defendeu a possibilidade de armar os professores. Essa ideia já ressoa pelo Brasil.
“O que causa o homicídio é o acesso à arma. Não houvesse arma, não haveria homicídio”, resume Helena Singer. Segundo o jornal The Washington Post, 80% das armas utilizadas por crianças e adolescentes em tiroteios dentro de escolas americanas desde 1999 vieram de suas casas ou de amigos e parentes.
Na proposta de armar os professores, além de responsabilizá-los indevidamente pela prevenção de uma tragédia, a mensagem passada para educadores e estudantes é preocupante.
“Para os educadores, pode prevalecer a noção de que infância e juventude são casos de polícia. Para as crianças, que veem policiais armados nas ruas para defender cidadãos, ao ver um professor armado, surge a hipótese de que entre eles pode haver um assassino”, afirma a socióloga.
Caminhos alternativos aos de aumentar o isolamento das escolas e outros procedimentos de controle e vigilância, dizem respeito a promover o movimento contrário, de abertura e conexão.
Escolas como o Cieja Campo Limpo e a EMEF Campos Salles, em bairros de alta violência urbana, são exemplo exitosos. Há, ainda, bairros e outras instituições que, por meio da revitalização e ampliação de espaços de convivência, afastaram a violência.
“A relação de pertencimento da escola com a comunidade é fundamental para evitar situações de violência. As escolas deveriam abrir aos finais de semana e os professores mediadores poderiam estabelecer as relações comunitárias, com as famílias, com ONGs e com colaboradores”, explica Ariel de Castro, que promoveu esse trabalho em São Bernardo do Campo (SP) entre 2009 e 2013.
Durante a atuação, por meio da mediação de conflitos, e a atuação conjunta entre as escolas estaduais e municipais, universidades, assistência social, saúde, polícias, Fundação Criança, Fundação Casa, promotorias e Vara da Infância e Juventude, conselhos tutelares, com organizações não-governais e entidades privadas, o especialista relata que viu uma diminuição de 60% dos atos infracionais nas escolas públicas da cidade.
“Quando há mais confiança nas pessoas, há menos violência”, diz Helena Singer, destacando que as escolas devem ser um centro de confiança entre professores, família e comunidade, onde podem ser acolhidos e orientados sobre formas pacíficas de resolver conflitos na relação com o território, vizinhos, organizações, e outros agentes.
“A escola é um dos centros comunitários de maior importância. Só em Suzano, eram quase mil alunos na escola, o que significa cerca de 4 mil pessoas envolvidas pensando em familiares de professores e alunos. É um poder enorme de conexão e transformação”, sugere Singer.
Além dessas ações, Ariel de Castro lembra que é preciso que as escolas possam contar com o apoio de equipes técnicas especializadas (psicólogos, assistentes sociais e pedagogos), e cultivem mais espaços para debates sobre temas relacionados à diversidade e cidadania.
“A melhor prevenção [à violência] é por meio do diálogo e dos vínculos entre estudantes e educadores, para que os jovens alertem sobre situações de riscos e violência presentes e futuras. O caso de Suzano também mostra a necessidade de ampliar as discussões sobre cidadania, tolerância, direitos humanos, segurança pública, desarmamento, cultura de paz, e enfrentamento ao fascismo e nazismo, misoginia, racismo, e homofobia nas escolas”, destaca o advogado.