O que é cultura de paz nas escolas e como ela acontece na prática
Publicado dia 28/04/2023
A EMEF Profª Nilza Thomazini, em Sumaré (SP), que atende cerca de 500 estudantes do Anos Finais do Ensino Fundamental, apostou no protagonismo juvenil para promover o diálogo e a cultura de paz dentro dos muros da escola: são os próprios jovens que oferecem apoio e escuta uns aos outros.
Leia + Como conduzir conversas na escola sobre violência extrema
“Uma cultura de paz não significa ausência de conflitos e não é uma postura romântica. Não dá para romantizar algo que, primeiro, pede para nos indignarmos. Depois, é cultivar espaços de diálogo sobre as questões que estão em evidência, que nos afetam dentro e fora da escola”, define Luciene Tognetta, do departamento de psicologia da educação da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) e coordenadora do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral).
O trabalho na escola de Sumaré acontece desde 2017 por meio das Equipes de Ajuda, que hoje conta com 30 alunos escolhidos por seus pares. Eles trabalham diariamente para melhorar a convivência na escola e identificar possíveis casos de violação de direitos. O projeto Equipes de Ajuda foi desenvolvido pelo GEPEM, que forma professores para atuar nessa perspectiva.
“Promover a cultura de paz se faz todo dia nas escolas, mas também com políticas públicas que diminuam desigualdades e enfrentem as questões de violência”, diz Luciene Tognetta
“Tem muitos conflitos no bairro, histórias familiares complexas, casos de abandono e abuso, e as crianças e adolescentes têm dificuldade de resolver os confrontos por meio das palavras – eles partem para a briga”, relata a orientadora educacional da unidade, Leila Rosana dos Santos.
Luciene Tognetta reforça que a cultura de paz, como indica o termo, deve ser cultivada em ações diárias, seja quando acontecem casos de conflito, mas também em espaço permanentes de discussão, atividades e jogos com toda a comunidade escolar.
“Precisamos levar os meninos e meninas a se colocar no lugar do outro, a procurar formas mais elaboradas para resolver conflitos. É isso que nos diferencia enquanto seres humanos: poder falar. E ensinar isso para as crianças também é função da escola”, diz Luciene.
Para formar as Equipes de Ajuda, cada turma passa por um processo de formação e votação no começo do ano. Em um primeiro encontro, Leila conversa com os estudantes sobre o que é confiar em alguém e os valores que eles querem para sua vida e que precisam ser fortalecidos entre eles.
Em um segundo momento, respondem a um questionário anônimo sobre questões de violência e constrangimento, o que oferece à orientadora um panorama dos desafios que cada grupo de estudantes enfrenta. Por fim, cada turma elege três pessoas que confiam para promover a cultura de paz na escola e para representá-los nas Equipes de Ajuda.
“Esses massacres que aconteceram, de uma maneira muito mais sutil, acontecem todo dia aqui, debaixo do nosso nariz, porque começa assim: eles não sabem conversar, só sabem agredir”, observa Leila Rosana dos Santos
Leila faz reuniões quinzenais com eles e define coletivamente o rumo do trabalho. No começo do ano, se concentraram em acolher os estudantes do 6º ano que estavam chegando na escola. Agora, após os ataques às escolas, estão trabalhando o tema da paz.
“Esses massacres que aconteceram, de uma maneira muito mais sutil, acontecem todo dia aqui, debaixo do nosso nariz, porque começa assim: eles não sabem conversar, só sabem agredir. Então estamos trabalhando a questão do respeito ao outro, do que faz você se sentir em paz, o que tira sua paz, e o estímulo ao diálogo”, conta Leila.
Além disso, também estão discutindo o papel das redes sociais e do jornalismo em incentivar a violência e vão desenvolver cartões e cartazes para divulgar o trabalho e a pesquisa dos estudantes em torno da cultura de paz e da demanda de cada turma.
Quando as Equipes de Ajuda identificam algum caso grave de violação de direitos, como um abuso sexual, alertam a orientadora educacional que, então, conversa com a família e aciona a rede de proteção intersetorial. “Eu dedico atenção especial para cuidar dessa equipe e conversar muito com eles”, diz Leila.
No corredor da escola, também fica disponível uma caixa “Como posso te ajudar?”, em que os estudantes podem fazer pedidos e relatar problemas. Todos os dias, Leila recolhe os recados e encaminha para a área adequada.
Aparecem casos de administração, que ela direciona para a gestão. Quando é um problema com um professor, por exemplo, destina à coordenação pedagógica. Mas se é um problema de relacionamento na escola, é ela quem chama os envolvidos para conversar. Depois, para os recados que podem se tornar públicos, deixa as devolutivas em um mural.
“Também estamos formando uma escola da família, que vão se reunir uma vez por mês para discutir suas angústias em relação aos filhos e outras questões”, conta Leila.
Para além de esforços das escolas em promover a cultura de paz, é fundamental que a política pública se mobilize. “Precisamos de políticas públicas de convivência escolar que vão determinar um espaço e um tempo para os professores estudarem juntos, dar formação para eles trabalharem o tema de forma interdisciplinar e para aprenderem a construir isso a partir de suas próprias escolas, não de uma apostila que vem pronta”, defende Luciene, a respeito de iniciativas que desconsideram a realidade particular de cada escola e território e que, portanto, mobilizam menos.
A especialista também destaca que a escola não pode se isolar da comunidade e depende da rede de proteção integral para a cultura de paz se instaurar, afinal, ela também tem a ver com sujeitos que têm seus direitos garantidos.
“A rede também precisa fazer um diagnóstico para entender onde estão os maiores problemas e colocar mais investimentos, profissionais mais qualificados onde mais precisa. Promover a cultura de paz se faz todo dia nas escolas, mas também com políticas públicas que diminuam desigualdades e enfrentem as questões de violência”, diz Luciene.