publicado dia 25/06/2025
Ideb: Os limites e riscos do uso do índice para avaliar uma escola
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
publicado dia 25/06/2025
Reportagem: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena
🗒 Resumo: O que a origem do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) revela sobre o que o instrumento é capaz de avaliar? E como o uso de seus resultados pode produzir mais racismo e punitivismo? Saiba mais nesta reportagem.
Nos últimos anos, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) tem sido alvo de debates para ponderar o que, exatamente, ele é capaz de monitorar e quais as formas de utilizar seus resultados para melhorar a qualidade da Educação.
Mais recentemente, o uso do índice para avaliar as escolas e o trabalho dos educadores voltou aos holofotes após o afastamento de diretores escolares em São Paulo (SP), decisão que causou forte comoção nas comunidades escolares afetadas e suscitou discussões entre especialistas em Educação.
Entre outros pontos, o desempenho da escola no Ideb acaba sendo visto de maneira descontextualizada, sem considerar fatores socioeconômicos e outros desafios complexos capazes de influenciar no resultado obtido nos testes. Além disso, a nota final acaba não mostrando outros aspectos da escola, como o trabalho com a inclusão e a diversidade presente na comunidade escolar.
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O Ideb é composto por dois fatores principais: os resultados de avaliações padronizadas em larga escala dos estudantes em Língua Portuguesa e Matemática e as taxas de aprovação escolar.
Em relação à aprendizagem dos estudantes, o índice proporciona um retrato específico e parcial do que é o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes. A prova é realizada em forma de teste e somente em relação a essas duas áreas do conhecimento.
“Quando faço um teste, tenho como avaliar a memória ou quão próximo ou distante o aluno está da resposta ideal, como resultado do seu raciocínio, mas não o processo que o levou a esse resultado. Então o Ideb não avalia o aluno, mas uma expressão desse aluno”, define Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva e professor no mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara.
Ao se debruçar sobre o processo que leva o estudante a marcar uma resposta ou outra, uma série de variáveis se apresenta e permite pensar como se dá o ensino e a aprendizagem em determinada escola, como a infraestrutura, as condições de trabalho dos professores e do território e das famílias.
“A partir de 500 estudantes em uma escola o Ideb começa a cair, porque Educação é relação humana”, diz Rudá.
Em um estudo realizado pelo Instituto Cultiva com as 100 escolas com maior e menor Ideb do Brasil, o fator que mais apareceu como definidor de um índice alto ou baixo foi a quantidade de alunos por escola, ou seja, das condições de trabalho dos professores.
“A partir de 500 estudantes em uma escola o Ideb começa a cair, porque Educação é relação humana. Com menos alunos, é mais possível acompanhar como cada um está, como estão as famílias, e o que cada um precisa”, explica Rudá.
Outros fatores que apareceram como variáveis no resultado do Ideb são as condições sociais da família – se são migrantes, classe social e situação de moradia – e quão diversa é a escola.
“Escolas que cumprem seu papel em promover a inclusão, e têm de 30 a 40% de estudantes da Educação Especial, têm o Ideb mais baixo. A pesquisa nos mostrou que existem uma série de variáveis necessárias para fazer um estudo profundo do que implica no processo de aprendizagem”, diz Rudá.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e regulamentado pelo Decreto nº 6.094/07, que estabeleceu o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. O decreto define as diretrizes para a melhoria da Educação Básica e estabelece o IDEB como um dos indicadores para verificar o cumprimento das metas.
À época André Lázaro era diretor da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (MEC) e retomou o contexto teórico que embasou o índice:
Um estudo do Unicef de 2006 visitou 33 escolas públicas que tiveram bons resultados e estavam em territórios vulnerabilizados e descobriu que o resultado escolar variava em função de um conjunto de elementos educativos: práticas pedagógicas, formas de avaliar, gestão democrática, formação de professores, infraestrutura e acompanhamento que se fazia da frequência escolar. O Banco Mundial conduziu um estudo similar, mas em relação às redes.
O conjunto de observações destes dois estudos sobre quais são os elementos necessários para alcançar bons resultados educacionais gerou o Compromisso Todos pela Educação, que regulamenta o Ideb. Ele anuncia a visão de que a aprendizagem deve ser considerada a partir de quatro grandes eixos que estruturam os programas educacionais: gestão educacional, formação de profissionais da Educação, recursos pedagógicos e a infraestrutura física das escolas.
Ao reunir em um único indicador rendimento de aprendizado com fluxo escolar, o Ideb sinaliza que não pode reter o aluno e nem adotar aprovação automática, tem que garantir aprendizado. E o que as diretrizes do Ideb informam é que isso não se inicia e nem se conclui na figura do diretor escolar, mas implica as condições oferecidas pela Secretaria, fomentar conselhos escolares, integrar Educação com Saúde, Cultura, Esporte, transformar a escola em espaço comunitário e manter ou recuperar espaços públicos que possam ser utilizados pela escola, o que em seguida o Mais Educação vai reforçar”.
O corpo teórico que acompanha a criação do Ideb evidencia que o resultado do índice deve vir acompanhado da sua condição de produção social, em uma visão sistêmica da Educação, ou seja, na sua relação com o território e desenvolvimento social da comunidade. Ao mesmo tempo em que destaca a singularidade de cada unidade escolar.
A análise dos dados deve ser feita junto à comunidade escolar à luz das condições institucionais da escola e considerando que o resultado se refere ao cenário de cerca de dois anos atrás.
“Não entender por que determinada escola tem uma nota menor no Ideb é alimentar o racismo na política educacional brasileira e ainda punir a comunidade escolar por isso”, afirma Rudá.
“Seu resultado não pode ser utilizado como elemento isolado. Quando isso acontece, permite o ranqueamento e bonificações, o que é uma traição ao direito à Educação, já que ignora o contexto socioeconômico e dá prêmios individuais por processos coletivos que os sujeitos, sozinhos, não controlam. Vimos isso gerar a exclusão de estudantes da prova ou até da escola para não prejudicar a nota. O Ideb deve ser um instrumento de garantia de direito e não de punição de estudantes, educadores e gestores”, defende André.
O professor Rudá relembra que o uso da avaliação externa atrelada a classificações e premiações teve como inspiração uma política importada dos Estados Unidos da América (EUA), instituída por Diane Ravitch, historiadora da Educação que foi Secretária Assistente de Educação dos EUA nos governos de George Bush e Bill Clinton.
Anos depois, a especialista publicou o livro Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano – Como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a Educação (Editora Sulina, 2011), em que diz se arrepender de ter instituído a política e explica por que ela fracassou.
“Tomar decisões em política pública a partir de um único dado é reducionista e simplório. Mais do que isso, não entender por que determinada escola tem uma nota menor no Ideb é alimentar o racismo na política educacional brasileira e ainda punir a comunidade escolar por isso, já que essas escolas atendem majoritariamente as populações negras e pobres e a política pública não vai indicar nada para melhorar as condições da oferta da Educação nestes territórios de escolas com baixo Ideb”, diz Rudá.
*Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil.