publicado dia 18/06/2025

Educação nas favelas: Redes da Maré pede reparação do Estado por dias letivos perdidos

Reportagem: | Edição: Larissa Alves

🗒 Resumo: Cerca de 20 mil estudantes da Maré, no Rio de Janeiro, perderam quase um ano letivo entre 2016 e 2025 em decorrência da violência armada no território. Além da aprendizagem, há outros impactos, como para a saúde mental e alimentação, e para os profissionais da Educação. 

Nesta entrevista, a diretora do Redes da Maré, Andréia Martins, explica o cenário da Educação nas favelas e a articulação para que o poder público se responsabilize por sua forma de conduzir as políticas de Segurança Pública que prejudicam a comunidade escolar.

Na região metropolitana do Rio de Janeiro, cerca de metade dos estudantes do Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas sofrem impactos da violência armada. São mais de 800 mil crianças e adolescentes, de 1,8 mil escolas públicas da capital e de mais 19 municípios da região, de acordo com o relatório Educação Sob Cerco: As escolas do Grande Rio impactadas pela violência armada, divulgado em maio deste ano pelo Unicef e Instituto Fogo Cruzado.

Escolas fechadas e dias letivos perdidos impactam a aprendizagem dos estudantes, mas também causam traumas e prejudicam inclusive a garantia de outros direitos, como o acesso à alimentação e o uso do espaço público para brincar, aprender, socializar e se desenvolver.

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Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), conhecida como ADPF das Favelas, restringe operações policiais perto de escolas, creches e unidades de saúde. Em 2020, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro também pediu a proibição de operações policiais perto de escolas, com multa prevista em R$ 1 mil por dia de aula perdido na rede pública.

Para monitorar as interrupções do calendário escolar por causa da violência armada, em 2016 a Redes da Maré criou o projeto “De Olho na Maré”. De lá para cá, registraram 160 dias sem aulas, o que significou a perda de quase um ano letivo para os cerca de 20 mil estudantes da Maré, considerando os 200 dias letivos obrigatórios, de acordo com a Lei de Diretrizes de Base da Educação (LDB).

Em agosto do ano passado, o Ministério Público instaurou um inquérito para avaliar o impacto das operações policiais sobre o sistema educacional e a eficácia dos mecanismos atualmente existentes para compensar os dias letivos perdidos. 

Já o Ministério da Educação mobilizou o Conselho Nacional da Educação (CNE), através da Câmara de Educação Básica, criando o Fórum pelos 200 dias letivos, e a Comissão para Acompanhamento Contínuo da Obrigatoriedade dos 200 dias letivos, com participação de entidades da sociedade civil. A expectativa é que até o final do ano o Fórum publique uma minuta do Pacto Nacional pelo Cumprimento dos 200 dias letivos.

A Redes da Maré está entre as organizações que participam do Fórum e defende:

  • Mecanismos de escuta coletiva para a garantia dos 200 dias letivos, reconhecendo a ineficácia pedagógica de medidas como o simples envio de atividades por e-mail ou telefone ou ainda aulas remotas em contextos de exclusão digital;
  • Divulgação clara das ações de recomposição de aprendizagem implementadas pelas redes de ensino;
  • Proteção aos profissionais de Educação, também afetados pela violência;
  • Políticas de apoio à saúde mental da comunidade escolar.

“É dever do Estado dar conta do problema que cria na condução de sua política de Segurança Pública, sem negligenciar os direitos da população. É preciso que a reparação seja uma realidade”, disse Andréia Martins, diretora da Redes da Maré, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral. Confira a conversa: 

Centro de Referências em Educação Integral: Quais são os impactos do fechamento das escolas e da insegurança no território ao redor para o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes?

Andréia Martins: A violência armada impacta, diretamente, a garantia do direito à Educação na Maré, desde a interrupção das aulas aos muitos traumas na comunidade escolar. 

A forma de combate ao crime organizado, como, historicamente, vem sendo praticado pelo Estado no Rio de Janeiro, viola direitos básicos da população da Maré, como Segurança Pública, Educação, Saúde e Cultura. 

“Os impactos são ainda mais profundos porque, no dia seguinte a uma operação policial, não dá para achar que está tudo normal na escola, porque não está”, diz Andréia Martins

Ao longo do processo de escolarização obrigatória, crianças e adolescentes da Maré perdem muito, quase um ano inteiro de aulas, e assim ficam numa desvantagem enorme em relação aos alunos que estudam em outras áreas da cidade, mesmo nas escolas públicas. Os impactos são ainda mais profundos porque, no dia seguinte a uma operação policial, não dá para achar que está tudo normal na escola, porque não está. 

Em 2024, as escolas públicas da Maré ficaram 37 dias total ou parcialmente fechadas por conta de operações policiais realizadas no território. Desde que o projeto “De olho na Maré”, da Redes da Maré, começou a levantar dados sobre as ações das polícias militar e civil, em 2016, já foram 159 dias sem aulas nas 49 escolas municipais e estaduais e 2024 foi o pior ano até hoje, devido a 42 operações. 

Em nove anos, os cerca de 20 mil estudantes da Maré perderam quase um ano letivo inteiro, uma vez que a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que regulamenta a Educação no Brasil, prevê a obrigatoriedade de 200 dias de aula por ano. É preciso que aconteça algum tipo de reparação do Estado em relação aos nossos alunos. 

CR: Como os educadores que estão nas escolas são impactados por esse cenário? E por que, muitas vezes, recai sobre eles a responsabilidade de resolver a situação? 

Andréia: O cenário para os educadores que trabalham nas escolas públicas da Maré é terrível. Eles precisam lidar com dias a menos de aulas no ano letivo, o que atrapalha diretamente o ensino e o aprendizado dos alunos, mas também com situações complexas de saúde mental das crianças e adolescentes do território, por conta da violência armada cotidiana. 

“A ideia, em nenhum momento, é sobrecarregar quem segura o dia a dia da escola”, reforça Andréia.

E com as próprias questões de saúde mental deles, diante de tantas incertezas nos territórios. São eles ainda que, mesmo sabendo da ineficácia do envio de atividades via celular ou computador em dias de escolas fechadas por conta da violência armada, já que em favelas e periferias a exclusão digital é a realidade, são obrigados a cobrar famílias pelos trabalhos e a atestar que o conteúdo pedagógico foi cumprido, mesmo sem ter sido. 

Lutamos hoje pelo cumprimento dos 200 dias letivos nas escolas de favela e periferias, mas sabemos que é preciso dar atenção aos profissionais que, de fato, são responsáveis pelo cotidiano nas escolas. 

A ideia, em nenhum momento, é sobrecarregar quem segura o dia a dia da escola, trabalhando para oferecer educação de qualidade aos estudantes. Por isso, nesse momento de tantas discussões sobre reparação, é importante que eles sejam ouvidos e suas contribuições de caminhos para recomposição de aprendizagem e reparação pelos dias de aulas perdidos sejam consideradas.

CR: Quais são algumas medidas e políticas que precisam ser implementadas para garantir o direito à Educação das crianças e adolescentes? E a importância da atuação intersetorial?

Andréia: É dever do Estado dar conta do problema que cria na condução de sua política de Segurança Pública, sem negligenciar os direitos da população. É preciso que a reparação seja uma realidade. 

Defendemos que os governos criem mecanismos de escuta coletiva para a garantia dos 200 dias letivos, reconhecendo a ineficácia pedagógica de medidas como o simples envio de atividades por e-mail ou telefone ou ainda aulas remotas em contextos de exclusão digital, como é o caso de favelas e periferias. 

Também queremos a divulgação clara das ações de recomposição de aprendizagem implementadas pelas redes de ensino, a proteção aos profissionais de Educação, afetados pela violência, além de políticas de apoio à saúde mental da comunidade escolar. 

*Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Violência contra crianças e adolescentes é algo enraizado na sociedade brasileira

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