publicado dia 19/02/2025

4 lições de resistência do movimento indígena na Educação 

Reportagem: | Edição: Tory Helena

🗒 Resumo: Movimento indígena do Pará conquista revogação de lei que ameaçava ensino presencial e garante representatividade nas próximas formulações de políticas. 

Ao longo de 32 dias, centenas de indígenas de ao menos 14 etnias ocuparam a Secretaria de Educação do Pará (Seduc), em Belém. A mobilização conquistou a revogação da lei nº 10.820/2024, que faria com que aulas fossem à distância ou em áreas urbanas, longe das aldeias. Além disso, também criaram um grupo de trabalho para pensar a Educação Escolar Indígena no Estado com a participação dos próprios indígenas. 

Conheça, a seguir, 4 lições que o movimento indígena pode ensinar para todos que defendem a Educação.

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União frente à repressão

Em 19 de dezembro, a lei, que altera o Sistema Modular de Ensino (Some) e de sua versão para os povos indígenas (Somei), foi votada em sessão fechada e com repressão da Polícia Militar, que usou balas de borracha e spray de pimenta contra professores estaduais que se manifestavam contrários à proposta. 

“O Estado precisa aprender a dialogar, porque não vamos aceitar políticas autoritárias”, afirma Edson Kayapó, ativista no movimento indígena que participou da ocupação.

“A maioria das escolas não têm computadores, celulares ou internet e muitas sequer têm energia elétrica. Como implantar a Educação à Distância nesse cenário e sem formação de professores?”, questiona Edson, que também é ambientalista, escritor e doutor em Educação.

Segundo o IBGE, o Pará é o terceiro estado brasileiro com menos acesso à internet. Soma-se à precarização o desinvestimento em Educação no Estado: O Amazônia Vox apurou que na Lei Orçamentária Anual de 2025, a única menção à Educação Escolar Indígena tem destinado para todo o ano o valor de 500 mil reais, verba 85% menor que o destinado para este item em 2024.

“O Estado do Pará não pode fazer diferente do que está estabelecido na Constituição Federal, que é nosso direito a uma Educação Intercultural, diferenciada, bilíngue, comunitária e específica”, defende o ativista.

A importância da coletividade

Acampados em barracas dentro e fora da Secretaria de Educação, os primeiros dias da ocupação foram marcados pela repressão violenta da Polícia Militar e, apesar das orientações do Ministério Público Federal (MPF) para garantir os direitos dos povos indígenas à manifestação, cortaram água e energia elétrica do prédio e usaram spray de pimenta contra as pessoas.

“O MPF ajudou a garantir o direito de ir e vir, porque não estavam nem deixando a gente pegar alimento fora do prédio, e o PSOL conseguiu restabelecer a energia e água. O sindicato de professores também colaborou com material de higiene e alimentação”, relembra Aline L. Kayapó, outra ativista que acompanhou toda a ocupação.

Os professores da rede estadual também se uniram à luta e declararam greve em 23 de janeiro. “As mulheres Tupinambá de Uruitá nos ajudaram muito levando alimentos e muitas pessoas da sociedade civil nos apoiaram. Foi uma grande lição de solidariedade e força coletiva, porque não é simples ficar dias em situação precária, longe dos nossos territórios, inclusive muitos deles invadidos enquanto estávamos lá”, diz Edson.

Resistência à fragmentação da luta

Em 24 de janeiro, o governo propôs uma reunião com dois indígenas. Parte do movimento afirmou que não se sentia representada pelos convocados. “E tinha tanta polícia naquela rua, que não podíamos deixar nossas crianças e idosos ali na frente daqueles que sempre violentaram nossos direitos para ir sentar na mesa com eles”, explica Aline.

“Ao mesmo tempo, sabemos que a própria polícia sofre violência do Estado, então não queremos ser colocados como inimigos, precisamos nos unir”, acrescenta Aline, que também relata ter notado discursos e ações que tentavam criar disputas internas entre os indígenas e enfraquecer a luta. 

“A Seduc pagou para outras lideranças e caciques irem até lá para uma reunião e começaram a dizer que estes que chegaram depois eram contrários à nossa ocupação, o que não é verdade. Também queriam cobrar das nossas lideranças que estão em cargos de poder, como a Sonia Guajajara, coisas que não estão sob responsabilidade delas, como revogar essa lei ou exonerar o Secretário. O Estado sempre quis colocar um indígena contra o outro, mas não deixamos isso acontecer”, diz Aline. 

A luta por direitos é sempre por todos 

Em 12 de fevereiro, o governo de Helder Barbalho (MDB) recuou, revogou a lei 10.820/2024 e firmou um acordo assinado por representantes governamentais, deputados, representantes indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais e do membros do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Pará. Somente após a publicação da revogação no Diário Oficial, a ocupação terminou.

“Saímos com a certeza da importância das nossas lideranças mulheres, que protagonizaram a mobilização até o fim, e de que não existe outro caminho de luta que não seja o da coletividade. Essa vitória veio para demonstrar que a força revolucionária da Cabanagem vive em nós, os verdadeiros revolucionários que colocamos nossa vida na linha de frente para defender os direitos de todos”, afirma.

A lei revogada afetaria também os povos quilombolas, ribeirinhos e do campo. Com a criação do grupo de trabalho, a proposta é que todos sejam ouvidos para formular novas políticas públicas. “E a nossa luta continua, porque não podemos ter um secretário que ameaça nossos direitos”, defende Aline sobre outra reivindicação do movimento indígena ao longo de toda a ocupação: a exoneração de Rossieli Soares, que foi ministro da Educação no governo Michel Temer.

Para os dois ativistas, a mobilização realizada tem a ensinar aos demais movimentos sociais. “Tenho muito respeito por todos eles, mas é preciso ir para a rua e fazer resistência”, diz Edson. 

“Outros movimentos sociais precisam aprender a não procrastinar a perseverança. A maioria dos que se dizem revolucionários não entendem a força coletiva do ponto de vista efetivo porque foram condicionados a isso. E eu não julgo, porque diante de monstros grandes nos sentimos impotentes, mas viemos trazer o reencantamento pela luta”, convoca Aline.

*Foto: Seduc Pará/Divulgação

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