publicado dia 05/02/2025

Privatização da gestão de escolas públicas em SP preocupa educadores 

Reportagem: | Edição: Raiana Ribeiro

🗒️Resumo: Em São Paulo (SP), educadores expressam preocupação com a proposta de gestão privada (gestão compartilhada) em escolas públicas municipais consideradas vulneráveis. 

O anúncio de levar gestão privada para escolas públicas consideradas vulneráveis (gestão compartilhada) em São Paulo (SP) acendeu o sinal de alerta em educadores e defensores da Educação pública na capital paulista. 

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada em 30/01, o secretário de Educação do município, Fernando Padula, afirmou que serão escolhidas 50 escolas, mas não indicou qual será o critério de seleção.  

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“Ainda não está definido como vamos escolher essas escolas, se serão as que têm mais baixo rendimento no Ideb ou usar outro critério. Mas vamos fazer uma parceria para que 50 escolas com maior vulnerabilidade sejam atendidas por entidades parceiras, tal como ocorre com o Liceu. Ou seja, uma entidade sem fins lucrativos e com muita experiência em entregar uma educação de qualidade”, declarou ao jornal. 

O secretário se refere ao Liceu Coração de Jesus. Localizada no centro da cidade, a escola particular gerida por padres salesianos foi criada em 1885 e anunciou seu fechamento em 2022. A prefeitura, então, decidiu transformar o local em uma escola municipal gerida pela instituição católica. Agora, de acordo com o secretário, a ideia é expandir o modelo de gestão compartilhada para outras escolas municipais. 

Na Câmara, projeto de lei tenta frear gestão compartilhada

Na Câmara Municipal, parlamentares se movimentam para tentar barrar a iniciativa. Na sexta-feira (31/01), a co-vereadora Silvia Ferraro (PSOL-SP) apresentou um projeto de emenda à Lei Orgânica do município.

A proposta é de inclusão de um parágrafo na legislação proibindo “a contratação de pessoas jurídicas de direito privado para prestação de serviços na gestão das escolas da rede pública municipal direta.”

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“O modelo atual de gestão das escolas garante a participação de profissionais da educação, bem como da comunidade escolar, por meio dos conselhos e demais instrumentos participativos, que podem ser ameaçados com a terceirização da gestão escolar”, detalha a proposta. 

Na justificativa, a parlamentar argumenta que a gestão democrática das escolas públicas está fundamentada na Constituição e na Lei de Diretrizes Básicas da Educação. 

“Neste sentido, a chamada ‘gestão compartilhada’, a contratação de pessoa jurídica de direito privado para gestão das escolas da rede de ensino municipal direta, seria uma afronta ao que está previamente determinado nos principais instrumentos jurídicos da legislação brasileira, uma vez que vai na contramão dos princípios democráticos e plurais”, diz o texto da proposta de emenda, que agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. 

“A gestão democrática é muito cara para a nossa rede. Hoje temos nas escolas municipais o Conselho Escolar, grêmios estudantis e a APM com as famílias. A gestão democrática é a articulação de todos esses setores. Com a privatização, será uma gestão com outros moldes e concepções”, afirma Silvia Ferraro, que integra o  mandato coletivo da Bancada Feminista. 

“Estamos preocupados com a melhoria da qualidade da Educação, mas devem ser apontados outros caminhos, como o fortalecimento de políticas sociais para as famílias e ampliação do Ensino Integral, além do fortalecimento dos profissionais da Educação”, explica a parlamentar. 

O tema já havia sido ventilado pelo prefeito Ricardo Nunes durante a campanha de reeleição, em 2024. Em entrevista ao Valor Econômico, após vencer o pleito, o político reafirmou que concederia a gestão de ao menos 50 escolas da rede pública à iniciativa privada. 

“Minha ideia é pegar as 50 escolas que tiveram o pior Ideb e fazer ali ou a recuperação ou o reforço escolar com o privado, ou implantar o modelo do Liceu”, afirmou em dezembro do ano passado, destacando ainda que sindicatos e professores “podem espernear”.

O que é o Ideb
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é calculado a partir dos dados sobre aprovação obtidos no Censo Escolar e das médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), para as unidades da federação e para o País, e a Prova Brasil, para os municípios.

Para educadores, privatizar gestão não resolve problema da qualidade das escolas 

Embora ainda não tenha sido oficialmente anunciada pela prefeitura de São Paulo (SP) ou detalhada em lei, educadores integrantes do Fórum de Educação Integral para uma Cidade Educadora (FEICE) expressam preocupação com a proposta. 

Para o professor Carlos Eduardo Fernandes, olhar apenas para os resultados numéricos das escolas em rankings, sem observar seu contexto, é insuficiente diante dos desafios complexos da Educação. 

“É um lugar vazio do resultado”, lamenta o educador, que atua na rede pública municipal e faz parte da coordenação do FEICE. Ele lembra, por exemplo, que o Ideb de 2023 é o primeiro pós-pandemia, captando o retrato de uma geração de estudantes impactada pelo afastamento físico da escola. 

Outro ponto, segundo o professor, é que o gestor escolar ou diretor é apenas um dos fatores que pode contribuir para a qualidade da escola. “Você elege uma figura para tirar do jogo, como se fosse o único fator. Para mim, não faz sentido”, critica, indicando a necessidade de se pensar a qualidade da Educação de forma sistêmica. 

“Privatização da gestão está distante daquilo que de fato mudaria a vida das crianças”, diz o professor Carlos Eduardo Fernandes

“A resposta da privatização foge de uma pauta que reivindicamos há bastante tempo, que é como oferecer mais apoio às escolas”, afirma, citando a falta de integração entre políticas públicas de Educação com as de outras áreas, como a Assistência Social, Saúde ou Moradia. 

“Sinto que essa notícia [da privatização da gestão] está distante daquilo que de fato mudaria a vida das crianças”, defende.

Além disso, ele chama a atenção para o que vê como contradição na solução apresentada pela gestão municipal. “A rede privada não é habituada à diversidade. Ela se fez, ao longo do tempo, atendendo a grupos homogêneos e elitizados. Agora, recebemos a notícia de que a iniciativa privada é a mais capaz de atender à diversidade presente nas escolas públicas. Isso não tem nexo. Se existe uma rede formada e habilitada para enfrentar os problemas atuais é a rede pública”, afirma. 

Para a educadora Priscila Kodama, que também integra o FEICE, a proposta de privatização da gestão das escolas não é capaz de resolver questões de fundo que impactam na qualidade da Educação.

“A terceirização traz uma proposta padronizada para as escolas, sem levar em conta o território onde elas estão ou as especificidades dos seus estudantes. Isso é um equívoco. A questão da vulnerabilidade, a relação com a família e a situação socioeconômica das crianças impactam na aprendizagem e não vai ser a terceirização que vai resolver isso”, analisa ela, que também atua como educadora na rede municipal. 

“Terceirização traz proposta padronizada para as escolas, sem levar em conta o território”, critica
a professora Priscila Kodama

Outro risco descrito pela professora é uma possível homogeneização da rede pública, reduzindo o espaço para a inclusão e a diversidade presentes na sociedade. “Não conheço experiências educacionais privadas que, em massa, tenham propostas diferenciadas, como ocorre na escola pública hoje”, exemplifica. 

Além disso, ela destaca que a rede municipal já dispõe de ferramentas para ajudar a melhorar a gestão das escolas, como a possibilidade de realizar formações para os educadores. 

“Antes de vir com a terceirização, a prefeitura deveria mobilizar profissionais como os supervisores de ensino, que são qualificados para dar formação”, propõe. 

Pesquisa mostra que iniciativa privada tem impacto nulo ou baixo no desempenho dos estudantes 

A visão dos educadores é respaldada por evidências como o relatório “Escolas Charter e Vouchers”, publicado pelo grupo de pesquisa Dados para um Debate Democrático na Educação (D3e).

Pesquisadores concluíram que impacto da iniciativa privada na rede pública é baixo ou nulo

Publicado em 2022, o levantamento considerou 150 artigos e estudos de caso sobre o tema para responder se subsídios públicos para entidades privadas melhoraram a qualidade educacional.

A conclusão dos pesquisadores foi de que o impacto da iniciativa privada na rede pública é nulo ou muito baixo sobre o desempenho dos estudantes. Além disso, a privatização aumenta a desigualdade no sistema, gerando segregação racial e socioeconômica  dos alunos mais vulneráveis. 

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