CEF 15 do Gama: como a escola abriu as portas para a comunidade e se transformou com o tempo integral
Publicado dia 06/11/2024
Publicado dia 06/11/2024
Localizada no Distrito Federal, o CEF 15 do Gama contou com parcerias com a comunidade e com o território para construir um novo projeto de escola. Hoje, a unidade trabalha com o tempo integral e é reconhecida pela qualidade do ensino e pela gestão democrática. Conheça a história da escola e confira um Raio-X detalhado de seu trabalho no Especial Escolas de Educação Integral.
Em Gama, região administrativa do Distrito Federal, funciona o Centro de Ensino Fundamental 15, conhecido como CEF 15 do Gama. A unidade carrega, ainda, outro apelido: a melhor escola do Gama. Em 2019, obteve nota 5,1 no Ideb, acima da média de 4,3 da rede do Distrito Federal e a maior da região.
Mas a escola nem sempre foi conhecida assim. Apelidada de “sovaco do diabo”, já foi líder em denúncias ligadas ao tráfico de drogas e permeada por outras violências do território altamente vulnerabilizado. Há duas décadas, em 2005, o Ideb marcava 2,7 e era difícil conseguir professores para atuar na escola.
Sua história começa a mudar em 2014. E o primeiro passo para a transformação foi abrir a porta da sala de gestão da escola, conta a diretora Ana Elen Ferreira Moitinho.
🔎 Raio-X | Saiba mais sobre a prática do CEF 15 do Gama
“Comecei a fazer a escuta ativa dos estudantes, famílias, professores e funcionários, para saber que escolas fazia sentido para eles. Depois, passei a trazer professores da Universidade de Brasília (UnB) para dar palestras e formações. Juntos, envolvendo a comunidade, construímos um novo projeto de escola”, relata a gestora da unidade.
Em apenas dois anos, a escola se tornou uma das vencedoras do Prêmio Gestão Escolar, organizado pelo Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed).
Daí em diante, seguiram-se honrarias, convites para palestras no Brasil e fora do país, visitas à escola e outras formas de reconhecimento da transformação ocorrida.
Em 2008, a escola aderiu ao Programa Mais Educação, que foi uma das maiores políticas públicas educacionais de tempo integral até o momento, além da principal ação indutora para a agenda de Educação Integral no país.
A partir de 2014, a escola passou a contar com o Projeto de Educação Integral em Tempo Integral (Proeiti) do Distrito Federal, que oferta 10 horas diárias de Educação para os estudantes.
O Centro de Ensino Fundamental, que atende 558 estudantes dos Anos Finais e Educação de Jovens e Adultos, ampliou a jornada e reorganizou seu trabalho pedagógico para o tempo integral. Pela manhã, os estudantes têm aulas e desenvolvem atividades e projetos ligados à base comum curricular.
À tarde acontece a parte flexível do currículo, em que os estudantes circulam por oficinas de artes, esportes, Educação Tecnológica, Ambiental, em Direitos Humanos, além de atividades de acompanhamento pedagógico nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências.
Os dois turnos são conectados por projetos bimestrais que envolvem toda a escola e tratam de temas contemporâneos urgentes para a vida em sociedade. Ao final, há uma culminância, sempre aos sábados, com a participação de toda a comunidade.
Um dos projetos desenvolvidos em 2024 foi o “Brasil sob o olhar da mulher”. Foram feitas apresentações de poemas, peças, danças, músicas, trabalhos artesanais, entre outros.
“Com a minha turma de 9° ano, trabalhamos a vida e obra de Carolina Maria de Jesus”, exemplifica a professora Vilma da Silva Assumpção, que leciona Língua Portuguesa na escola desde 2009.
A escolha do tema partiu do próprio território. “Mais de 40% dos nossos estudantes são criados por mulheres chefes de família ou cuidados pelas avós. Na comunidade há mulheres muito vulnerabilizadas, além de uma questão forte do machismo e da violência contra a mulher. Por isso, decidimos trazer esse tema, que vamos destrinchando nas outras questões de racismo, homofobia, gordofobia e outras violências”, explica Ana Elen.
Mas o território não se faz presente na escola apenas pelo que nele falta. Ao menos uma vez por bimestre os estudantes participam de atividades de lazer fora da escola. Além disso, os professores constantemente buscam oportunidades educativas no território que dialoguem com o trabalho atual em sala.
“Eles me informam e nós fazemos os agendamentos. Também trazemos pessoas de fora para conversar com os professores e os estudantes, fazer formações e rodas de conversa”, diz a gestora escolar.
Parte da avaliação dos estudantes é composta pelo que eles próprios acham de seu desenvolvimento, em diferentes dimensões. “Eles são capazes de falar como eles foram naquele período e geralmente são bem honestos. Fazemos de forma oral ou por meio de uma ficha”, relata a professora Vilma.
Como as condições de aprendizagem também importam para que os estudantes possam aprender, eles também são convidados a avaliar toda a escola ao final de cada bimestre.
Há espaço para pensar sobre a dimensão pedagógica e o trabalho de cada professor e monitor, a infraestrutura, merenda, limpeza, relacionamento, comunicação e outros aspectos da escola.
“Ouvir as pessoas e contar com as opiniões e sugestões delas une forças de todos nós para ofertar a melhor qualidade possível e desenvolver os estudantes em sua integralidade. É o que torna nosso currículo humanizado e, portanto, mais eficaz”, pontua Ana Elen.
Há dois anos a escola aguarda a finalização da construção de mais seis salas de aula. “Falta internet, material didático, merenda melhor, adequação dos espaços. No Mais Educação tínhamos esse apoio”, diz a gestora escolar.
Na escola que oferta quatro refeições diárias, apenas cinco merendeiras se revezam no trabalho. “Elas estão sobrecarregadas”, diz Ana Elen, destacando que faltam também coordenadores pedagógicos, professores e monitores para o tempo integral, bem como para cobrir licenças médicas.
“Há poucas escolas de tempo integral em Brasília e precisa investir mais para que todos possam ter a oportunidade que a minha filha tem”, diz Quezia Elaine Moreira
“A Secretaria tinha que estar junto com a gente, mas quase não vem aqui, não escuta o chão da escola e oferece pouca formação para nós”, afirma a gestora.
Para a professora Vilma, também há o desafio de ampliar a Educação Integral em tempo integral para além do CEF 15, a fim de romper com a lógica de ilha de excelência e garantir os direitos de mais crianças, adolescentes e suas famílias.
“Se investissem mais recursos, muitas outras escolas sairiam ganhando. Lembrando que não é só colocar na escola e dar o mínimo, tem que dar recursos e condições”, reforça.
Este também é o desejo de Quezia Elaine Moreira, mãe de uma estudante de 12 anos que está na escola desde o ano passado. “Há poucas escolas de tempo integral em Brasília e precisa investir mais para que todos possam ter a oportunidade que a minha filha tem”, afirma.
Ela conta que a menina não gosta de faltar na escola e se envolve em todas as atividades que têm oportunidade. “A escola também dá uma atenção primordial para as famílias, com muita participação e parceria, estamos sempre dentro da escola e envolvidos nas decisões e atividades”, conta Quezia.
Ficha técnica | Especial Escolas de Educação Integral
Coordenação técnica: Fernando Mendes, Natacha Costa e Raiana Ribeiro
Edição: Tory Helena
Reportagem: Ingrid Matuoka
Conteúdo digital: Larissa Alves
Design: Vinicius Corrêa
Centro de Referências em Educação Integral
O Centro de Referências em Educação Integral promove, desde 2013, a pesquisa, o desenvolvimento metodológico, o aprimoramento e a difusão gratuita de referências, estratégias e instrumentais que contribuam para o fortalecimento da agenda de Educação Integral no Brasil.
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