Entre a potência e a resistência: Como abrir espaço para o funk e o passinho na escola

Publicado dia 12/07/2024

Resumo: A resistência em levar o funk e o passinho para a escola pode ser alta por parte de famílias e professores, mas conhecer mais sobre as manifestações culturais pode aproximar as pessoas desse tipo de trabalho pedagógico, fundamental para as juventudes. Conheça também um breve histórico do funk e do passinho e 7 materiais para estudar e se inspirar.

No esforço de conectar o currículo ao território, muitas escolas promovem atividades e estudos sobre o samba, carimbó, frevo, jongo, maculelê, minueto, fandango e outras danças e manifestações culturais. Já o funk e o passinho costumam ficar de fora.

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“Já fizemos uma apresentação de passinho fora da escola e observei pessoas torcendo o nariz”, relata Daniele de Paula, que leciona para os anos finais do Ensino Fundamental da FAETEC Quintino, no Rio de Janeiro (RJ). “Mas depois de um tempo, a habilidade e criatividade dos meninos conquistou a atenção das pessoas”, acrescenta.

O preconceito contra o funk é tamanho que, em 2009, o Estado do Rio de Janeiro aprovou a Lei 5543, que reconhece o estilo como um movimento cultural e proíbe sua discriminação. 

“Pode até não gostar, mas tem que entender que faz parte da nossa cultura e respeitar as pessoas”, defende Hugo Silva de Oliveira, artista da dança, educador e doutorando em Comunicação Social.

O especialista também afirma que é importante levar o funk e o passinho para a escola a fim de valorizar a diversidade e a cultura popular. “É uma ferramenta de transformação, de resistência e reexistência. E a escola é o espaço público onde as crianças vão lidar com as diversidades, importante para aprenderem a viver de forma harmoniosa no ambiente social”, explica.

Como dialogar com as famílias e outros professores

Para começar o trabalho, é preciso estudar o tema e adequar a proposta à idade e desenvolvimento dos estudantes. Abaixo, há uma série de materiais que podem ajudar nesta etapa. 

Também é fundamental dialogar com as famílias e outros professores e gestores escolares para explicar a proposta do trabalho. Ana Raquel Durão, professora da sala de leitura da Escola Municipal José Camilo dos Santos, em Duque de Caxias (RJ), realiza rodas de conversa para que as pessoas possam expressar suas preocupações.

“Acham que o funk é só palavrão e violência e que a dança vai sexualizar as crianças. Mas vou conversando e mostrando a história do funk, a proposta do trabalho e que não vai ter nada sensual. Depois, as pessoas passam a ver o funk de forma diferente”, observa a professora. 

Na experiência de Hugo, que já desenvolveu uma série de projetos em escolas públicas a partir do funk e do passinho, explicar que os preconceitos são fruto de uma visão da mídia hegemônica e do conservadorismo, e que vale a pena olhar mais de perto, costuma conquistar as pessoas.

“Muitos nunca tiveram contato real com autores que fazem uma análise sociológica da cultura, a historiografia da dança e da história do funk, o que causa muita resistência. Apresentar esses materiais e mostrar que o funk está sendo pesquisado na academia, que serve como referência para fora do país, também ajuda”, orienta o professor.

Como trabalhar as letras do funk

Ainda que em sua origem as letras do funk estivessem mais voltadas aos direitos civis e denúncias de violência e descaso do poder público com territórios urbanos marginalizados, hoje parte das letras podem fazer apologia à violência, à sexualização e à ostentação, o que pede cuidado na hora de levar o funk para as salas de aula.

Na hora de realizar esse trabalho, a professora Daniele começa com uma roda de conversa para escolher junto com os estudantes as músicas que serão utilizadas. Quando letras sensíveis surgem, ela aproveita a brecha para dialogar. Só proibir, explica, é menos efetivo, porque essas músicas já permeiam a vida dos estudantes em outros ambientes.

“Falamos do cuidado com o corpo, com a sexualidade, a questão do perigo de citar algumas questões relacionadas às facções, e de segurança pública. É uma questão de conversar com eles”, diz Daniele.

O professor Hugo trabalha na mesma perspectiva. “Não tem como fugir de analisar o funk também a partir do seu próprio contexto, porque as letras tratam do cotidiano, então são crônicas, um lugar para se expor, para extravasar as opressões vividas. Não tem como esconder isso, mas é preciso adequar as discussões à faixa etária”, afirma.

Breve histórico do funk e do passinho

O funk surge no sul dos Estados Unidos, nos anos 60, criado por músicos negros como James Brown, a partir da combinação de vários ritmos negros populares como o blues, gospel, jazz e soul. As letras falavam principalmente sobre o cotidiano de racismo e falta de direitos.

No Brasil, o funk chega na década seguinte e conquista músicos como Tim Maia (1943 -1998) e Tony Tornado (1930), que misturam o ritmo à batida da música brasileira. 

Nos anos 80, o funk se aproxima da poesia do RAP, das batidas eletrônicas do hip hop e da habilidade dos DJ’s em mesclar batidas repetitivas com a melodia, enquanto as letras relatam o cotidiano das favelas, pedem direitos civis e denunciam a violência urbana: é assim que nasce o funk carioca. 

Já o passinho, que é um estilo de dança nascido nos anos 2000 nas favelas do Rio de Janeiro, mistura elementos do break, frevo, samba e capoeira. Em 2008, viralizou na internet um vídeo do dançarino Beiçola do Jacarezinho fazendo o passinho com seus amigos. Praticamente do dia para a noite, o passinho estava nos pés dos jovens de todo o Brasil.

Nasceu então uma cena competitiva nas favelas e no asfalto, em que os jovens se desafiavam a aprender e criar os melhores passinhos, e se encontravam para fazer batalhas. Em 2016, um grupo de jovens participou da abertura dos Jogos Olímpicos no Rio dançando o passinho ao som do Rap da Felicidade, alçando a dança a patamares internacionais.

Em 2018, o passinho foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial da Cidade do Rio de Janeiro e, em 2024, foi sancionado como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Rio de Janeiro. Esta última proposta partiu da deputada estadual Verônica Lima (PT), que disse em nota ser importante para auxiliar a “descriminalizar o funk e as expressões artísticas dos jovens” nas favelas.

No cenário nacional, a data de 12 de julho pode se tornar o Dia Nacional do Funk, de acordo com projeto aprovado pelo Senado que, se não for requerida votação em Plenário, segue para sanção presidencial.

Confira 7 materiais para estudar e se inspirar 

No Rio de Janeiro, professoras abrem a roda para o passinho na escola

Em casa, na rua e nos bailes, a dança passinho já faz parte da vivência de muitas crianças, adolescentes e juventudes. Conheça a experiência de três professoras que abriram espaço para o passinho entrar também na escola. 

Chega mais pra entender os vários estilos do passinho

Conheça as principais variações da dança brasileira que ganhou o mundo, como o Passinho do Romano e o Passinho dos Maloka.  

Documentário A Batalha do Passinho (2012), de Emílio Domingos

O cineasta criou um documentário para retratar as vidas de dançarinos pioneiros do estilo, como o Cebolinha e o Gambá. 

Livro Vem ni mim que eu sou passinho: A dança passinho foda na confluência entre redes sociais, arte e cidade (2022), por Hugo Oliveira

A obra entende a dança como uma das formas de comunicação social e o fenômeno Passinho como uma das ferramentas que jovens negros e jovens negras de áreas de favelas, subúrbios e periferias tem como meio de se expressar e disputar as narrativas que os representam nas grandes mídias. 

Artigo O Desafio do Passinho: ferramenta para uma aprendizagem significativa, publicado no livro 1, 2, 3 e já! A criança pinta, borda e dança (Instituto Festival de Dança de Joinville/2018).

O professor Hugo Oliveira relata a prática do Desafio do Passinho, um concurso de dança protagonizado por jovens residentes em áreas marginalizadas e regiões periféricas. Além de garantir representatividade aos estudantes, a experiência também contribuiu com uma melhoria da aprendizagem e a redução da evasão.

Livro De Passinho em Passinho: Um livro para dançar e sonhar, por Otávio Junior (Companhia das Letrinhas, 2021).

A obra infanto juvenil aborda a dança como forma de expressão e de sonhar. Há também uma leitura do livro disponível no Youtube.

Apostila de conteúdo e referências para a prova teórica do passinho, do Sindicato dos Profissionais de Dança do Estado do Rio de Janeiro

O material traz um breve histórico do funk e do passinho, a nomenclatura e descrição de passos básicos, critérios de avaliação da dança, bem como uma lista dos pioneiros do passinho no Brasil.

Projeto Terreiros Nômades leva cultura negra para escolas públicas de São Paulo (SP)

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