publicado dia 18/06/2024
Metade dos estudantes não conclui Ensino Fundamental com trajetória regular
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 18/06/2024
Reportagem: Ingrid Matuoka
🗒 Resumo: Com maioria dos estudantes sem concluir o Ensino Fundamental e Médio na idade certa, diagnosticar dificuldades de aprendizagem, promover estratégias pedagógicas diversificadas e garantir as condições de permanência para os estudantes é fundamental para regularizar a trajetória escolar e diminuir as desigualdades no Brasil.
Saiba mais sobre os achados do Indicador de Regularidade de Trajetórias Educacionais, realizado pela Fundação Itaú.
Uma trajetória regular na Educação Básica é aquela em que os estudantes ingressam na escola na idade certa, progridem a cada ano e concluem todas as etapas de ensino. Este cenário, que deveria ser assegurado para todos e todas, só é realidade para metade dos estudantes brasileiros.
Leia + Os fatores que influenciam a reprovação no Ensino Médio e alguns caminhos para contorná-los
Entre os nascidos entre 2000 e 2005, que atualmente têm entre 19 e 24 anos, apenas 52% concluíram o Ensino Fundamental na idade certa e 41% deles finalizaram o Ensino Médio no período esperado.
Crianças e adolescentes de baixo nível socioeconômico, com deficiência, indígenas, negros e do sexo masculino são os que apresentam trajetórias mais irregulares ou interrompidas.
Os dados são inéditos e integram o “Indicador de Regularidade de Trajetórias Educacionais“, que será atualizado periodicamente. Organizado pela Fundação Itaú em parceria com pesquisadores, o estudo vai monitorar a permanência dos estudantes na escola, condição essencial para garantir a aprendizagem e a redução das desigualdades na Educação Básica.
Hoje, a trajetória escolar regular é uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que estipula no ponto 7 a “melhoria do fluxo escolar”. Políticas públicas, investimentos e atuação intersetorial junto às escolas são fundamentais para garantir as condições necessárias para que crianças e adolescentes permaneçam estudando e aprendam com qualidade.
“A Educação Integral olha para as múltiplas dimensões dos estudantes, que são todas importantes para a permanência. Ela considera o acolhimento, a convivência, a valorização das identidades em um currículo que desperta o interesse, em que o estudante pode produzir e criar de forma conectada ao território, e também endereça todas as demandas de sobrevivência”, aponta Patricia Mota Guedes, superintendente do Itaú Social.
A especialista também indica a urgência de políticas e programas voltados para os anos finais do Ensino Fundamental, etapa em que a trajetória escolar começa a ficar mais irregular e que impacta o acesso e a permanência no Ensino Médio.
Outro fator preponderante para a irregularidade da trajetória escolar dos estudantes é a cultura de reprovação que predomina no Brasil. Patricia explica que as dificuldades de aprendizagem não são diagnosticadas e endereçadas ao longo do ano. No final, o estudante é reprovado sem ter tido acesso a estratégias pedagógicas para promover as aprendizagens esperadas.
“Há uma expectativa de que repetir de ano vai fazer o aluno aprender o que não conseguiu no ano anterior. Mas isso não amplia aprendizagem, porque o que ele precisa é de uma estratégia pedagógica diferente”, explica a superintendente do Itaú Social.
Ela acrescenta que a repetência também enfraquece o engajamento das crianças e adolescentes nos estudos, promove a perda de vínculo com os colegas e tem efeitos para a autoestima do estudante. “O próprio aluno e a família podem ver a reprovação como uma culpabilização do indivíduo”, diz Patricia.
No lugar disso, é preciso realizar diagnósticos frequentes das aprendizagens dos estudantes e planejar estratégias diversificadas para dar conta das diferentes formas de aprender e das dificuldades de cada um.
“As dificuldades de aprendizagem dos estudantes, muito intensificadas com a pandemia, precisam ser endereçadas para além das expectativas de aprendizagem do ano anterior, mas do que eles precisarem. A solução só não pode ser reprovar o aluno por falta de condições e políticas públicas para sanar essas lacunas”, afirma Patricia.
O indicador define quatro categorias. A trajetória regular; a trajetória com pouca irregularidade, em que há uma ou duas intercorrências, como entrada tardia e episódios de reprovação e/ou abandono; a trajetória com muita irregularidade, que representa mais de dois anos de defasagem devido às mesmas ocorrências; e a trajetória interrompida, quando o estudante evade ou abandona a escola e não retorna ao sistema no período de tempo analisado.
A metodologia de construção do indicador levou em consideração a regularidade da trajetória educacional de nove anos, que corresponde aos anos do Ensino Fundamental (do 1º ao 9º ano), e a regularidade do percurso escolar de doze anos, que contempla os três anos do Ensino Médio.
Enquanto 70% dos alunos com nível socioeconômico mais alto apresentam trajetórias regulares, apenas 38% de nível socioeconômico mais baixo conseguiram iniciar e finalizar o Ensino Fundamental na idade correta.
A trajetória regular entre estudantes negros (pretos + pardos) é aproximadamente 20pp (pontos percentuais) menor do que entre os brancos. Em relação aos indígenas, esse percentual está em torno de 40pp a menos. Os dados mostram que estudantes brancos possuem um percentual de regularidade de 62%; pardos, 46%; pretos, 41%; e indígenas, 23%.
Por volta de 58% das meninas têm trajetórias de nove anos regulares, contra 46% entre os meninos. A diferença por sexo é acentuada em relação à categoria de muita irregularidade. Cerca de 7% das meninas têm trajetórias educacionais marcadas por muitas irregularidades, ao passo que esse percentual é de 14% para os meninos.
O estudo aponta que apenas 22% dos estudantes com deficiência têm trajetória regular, entre 2011 e 2019, contra 53% dos sem deficiência. Aproximadamente 56% deles apresentam percursos com muita irregularidade. A porcentagem de trajetórias com irregularidades também se destaca: aproximadamente 64% dos alunos com deficiência concluem o ensino fundamental com intercorrências e cerca de 14% evadem, enquanto entre os sem deficiência 37% possuem trajetórias irregulares e 10% interrompidas.
No Norte e Nordeste a proporção de estudantes que entraram no sistema educacional em 2011 e concluíram o Ensino Fundamental na idade certa com trajetória regular em 2019 é muito menor que na região Sudeste, onde há municípios com trajetórias regulares acima da média (52%), variando entre 67,4 e 98%.
Entre os estados brasileiros, destacam-se os municípios paulistas, que apresentam uma média de estudantes com trajetórias regulares de 74,9%. Na sequência, aparecem cidades do Paraná (65%), Ceará e Goiás (62,8%), Mato Grosso (61,1%) e Minas Gerais (59,9%).
Territórios no Pará (32,9%), Amapá (36,5%), Acre (40,4%) – no Norte -, e Sergipe (34,5%), Rio Grande do Norte (39,2%), Alagoas (39,3%) e Bahia (39,4%) – no Nordeste -, encontram-se abaixo da média nacional, que é de 52%.