publicado dia 01/02/2024

Choro não é birra: A importância de ouvir os pequenos durante o acolhimento na Educação Infantil

Reportagem:

🗒️Resumo: Especialistas explicam o que está em jogo para bebês e crianças no momento em que passam a ficar menos tempo com a família e vão para unidades de Educação Infantil e reforçam que as expressões de tristeza e desconforto dos pequenos devem ser respeitadas.

Um dos bebês recém-chegados ao CMEI União da Boca do Rio, em Salvador (BA), não parava de chorar após a família deixá-lo na unidade. Após tentativas variadas de acolher e acalmar o bebê, as educadoras descobriram que era com o porteiro da creche com quem ele conseguia se sentir seguro. 

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“Ele virou auxiliar de classe para ajudar na recepção desse bebê”, relembra Amanda Reis, diretora do CMEI. “As merendeiras também têm um papel muito importante nesse processo porque elas adaptam as comidas para os menores. Todos precisam estar envolvidos nesse acolhimento, senão, não dá certo”, pontua.

Há 8 anos, a unidade firma um acordo com todas as famílias durante a matrícula. Elas devem eleger um adulto de referência que ficará responsável por apoiar o acolhimento do bebê ou criança na creche. 

Na foto, bebês do CMEI Fúlvia Rosemberg, em Maceió (AL), pintam no pátio em vivência proposta pela educadora de referência Lilian Constance, que fez o registro.

Durante cerca de 2 semanas, período que pode variar de acordo com as necessidades de cada um, esse adulto entra na sala de referência com o pequeno e, aos poucos, vai se distanciando, até ficar de prontidão em casa por mais um tempo caso as educadoras precisem que alguém vá buscar o bebê ou criança que não foi possível acalmar. 

“Temos que oferecer condições afetivas para que esse bebê sinta vontade de voltar depois. Ele é uma pessoa, um sujeito de direitos, então não tem essa de que choro de bebê é birra. É uma reivindicação de alguma circunstância que não está boa para ele e nós temos que aprender a escutar”, diz Amanda.

Entre os vários desafios que enfrentam nesse processo, para muitos bebês e crianças a creche ou pré-escola é a primeira experiência fora dos vínculos familiares, marcando sua primeira grande separação dos que eram até então seus adultos de referência. 

“Quando acontece de a criança ir para a escola, quase nunca é observado esse tempo necessário para ela transferir sua referência de cuidador. De repente a mãe, ou quem estava na linha de frente, deixa de estar presente. Muitas vezes imposto com choro, levando a criança à força, exigindo longas horas na escola, algumas escolas sequer deixam os pais entrarem”, observa Julieta Franco, autora do livro O Poder do Apego (Sinopsys Editora, 2020).

Para bebês e crianças, inseguros quanto à ausência de sua figura de referência e expostos a emoções intensas sem acolhimento, o processo não só é traumático como também fere seus direitos.

“Não é incomum que a criança apresente reações como choro frequente, adoecimento, dificuldades para dormir ou se alimentar, apatia e acessos de raiva. São reações que devem ser passageiras mas, ainda assim, não devem ser minimizadas. Precisamos nos lembrar de que as crianças não são apenas objetos de um processo de aprendizagem e desenvolvimento. Elas são sujeitos de direitos e sujeitos históricos, que precisam ter seu sofrimento levado em conta”, defende Karina Fasson, Gerente de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

“Forçar uma criança para que ela se torne mais independente não funciona”, afirma Julieta Franco

“O choro é uma forma de comunicação. Todo choro deve ser acolhido. A depender da intensidade, não deve ser forçado com intuito de fazer a criança se acostumar. Ela não se acostuma, ela apenas desiste”, complementa Julieta.

Os impactos de uma chegada à Educação Infantil sem acolhimento podem ser duradouros e reverberar em dificuldades de desenvolvimento, aprendizagem e criação de vínculos com educadoras e colegas.

“Diferentemente do que muitos pensam, forçar uma criança para que ela se torne mais independente não funciona. Pode acontecer justamente o contrário a longo prazo”, alerta Julieta.

O trabalho em equipe para acolher os pequenos – e as famílias

A ida para a Educação Infantil é fundamental para muitas famílias que precisam trabalhar e, principalmente, para o desenvolvimento integral dos sujeitos. Trata-se do momento em que os pequenos começam a ganhar o mundo, com a mediação de uma educadora especializada e de toda a comunidade escolar. Para que essa fase não tenha seu encantamento ofuscado, a parceria entre famílias e educadoras é essencial.

“Que elas possam acolher as reações da criança e trocar percepções sobre seus avanços, pensando e repensando estratégias de forma gradual de acordo com as reações que ela vem apresentando. É fundamental que haja uma atenção às individualidades e que as dificuldades apresentadas possam ser dialogadas junto à família, para que desenvolvam estratégias conjuntas”, define Karina.

O recomendado é dizer ao pequeno que vai embora, mas que retornará para buscá-lo, e não sair sem dizer tchau”, orienta Karina Fasson

O afastamento gradual da família e o diálogo honesto com os pequenos também são recomendados pelas especialistas, principalmente em torno da hora de se despedir dos familiares, um dos momentos mais difíceis para bebês e crianças.

O recomendado é dizer ao pequeno que vai embora, mas que retornará para buscá-lo, e não sair sem dizer tchau, ou muito menos, tentar sair escondido. É importante que a escola possa trazer esse tipo de orientação aos familiares, que os estimule a conversar com a criança sobre a ida à creche para prepará-la e acostumá-la com a ideia”, orienta Karina.

Nesse trabalho, o cuidado com as famílias é o pilar central – sem isso, os pequenos não têm como se sentirem seguros para permanecer na creche – e pode ser uma porta de entrada para a participação das famílias na trajetória educativa das crianças e no dever compartilhado entre escola e família.

“Uma iniciativa simples como, por exemplo, a criação de um grupo de pais e mães em que são criadas brincadeiras infantis, como forma de sensibilizá-los para a maneira que crianças aprendem nessa faixa etária, brincando e interagindo, pode contribuir nesse sentido”, indica Karina.

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