publicado dia 05/01/2023

Macaé Evaristo analisa os principais desafios para a Educação em 2023

Reportagem:

O terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva teve início com a revogação de uma série de políticas no âmbito da Educação, entre elas, a Política Nacional de Educação Especial. Criada pelo governo Bolsonaro em 2020, ela incentivava a exclusão de alunos/as com deficiência de escolas comuns. 

Leia + Além de garantir direitos, Educação Integral promove mais e melhores aprendizagens

A política já havia sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas sua revogação fortalece o direito à inclusão e dá o tom do governo que se inicia. Além disso, o presidente Lula também afirmou que vai aumentar os investimentos em Educação e privilegiar a Educação Integral. Já o novo Ministro da Educação, Camilo Santana, prometeu construir um novo pacto nacional pela alfabetização na idade certa.

Para analisar o cenário em que estas transformações começam a se dar, bem como os desafios que vêm pela frente, o Centro de Referências em Educação Integral ouviu Macaé Evaristo, educadora, deputada estadual (PT) eleita por Minas Gerais e ex-secretária de Educação de Belo Horizonte (MG) e do Estado de Minas Gerais.

“Nós, professores, lidamos cotidianamente com as condicionalidades de vida das nossas crianças e é preciso ter outras políticas públicas e reconstruir o Estado brasileiro”, disse Macaé. Confira a entrevista completa: 

Centro de Referências em Educação Integral: Quais são os principais desafios que o governo Lula vai encontrar para promover o direito à educação e quais ações e concepções precisam ser mobilizadas para efetivá-lo?

Macaé Evaristo: O financiamento é sempre uma preocupação porque não conseguimos garantir condições adequadas de educação sem infraestrutura e investimento na formação de professores. Então o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] é estratégico para a garantia do direito à educação e para a produção de equidade. 

O Ministério da Educação (MEC) tem que retomar seu papel na coordenação federativa, ter uma fundação supletiva no financiamento, nos processo de avaliação, e retomar alguns programas, como o Pró-Infância, de investimentos para a Educação Infantil, o Mais Educação, que produziu amplos investimento para educação integral, e os de formação de professores e construção de creches e escolas.

Temos que ter um programa nacional de alfabetização sem implementar um método único. Eu fui professora alfabetizadora e conheci inúmeras professoras alfabetizadoras e posso afirmar que é possível ensinar a ler e a escrever com diferentes metodologias. É um autoritarismo um governo querer dizer que só tem um método que pode ser implementado em um país tão diverso.

É preciso avançar na reestruturação do Ensino Médio, porque ele não aconteceu tal qual foi preconizado. A maioria dos municípios brasileiros mal consegue ofertar um único percurso educativo, então é preciso reequacionar o Ensino Médio e o MEC precisa abrir um amplo debate sobre a etapa no país. 

Precisamos retomar um pacto federativo de articulação e diálogo com os estados e municípios, com o conjunto de trabalhadores e trabalhadoras em educação, olhar para as instituições educacionais, não só a partir da falta, mas também da potencialidade, porque temos boas experiências, bons projetos pedagógicos, não estamos começando do zero. 

“Educação integral é pensar em escola de dia inteiro, mas é pensar também em uma pluralidade do ponto de vista da formação, das experiências pedagógicas que nós devemos propiciar aos nossos estudantes”, diz Macaé Evaristo

Quando pensamos em educação integral, nós vivemos e ainda escolas permanecem que valentemente desenvolvendo projetos muito interessantes que dialogam com o território, que trabalham em uma perspetiva intersetorial. Educação integral é pensar em escola de dia inteiro, mas é pensar também em uma pluralidade do ponto de vista da formação, das experiências pedagógicas que nós devemos propiciar aos nossos estudantes. 

Ela é importante porque dialoga com Saúde, Cultura, política social, com os territórios, e discute moradia, saneamento básico e políticas que ampliem direitos e dignidade de vida das comunidades.

No conjunto da educação brasileira, professores, estudantes e famílias, estão sob o impacto e as consequências de termos passado por uma pandemia que ainda não acabou. Voltamos para o Mapa da Fome e não se pode falar de direito à educação se não falar de direito à soberania alimentar, de dignidade na vida dos estudantes. Nós, professores, lidamos cotidianamente com as condicionalidades de vida das nossas crianças e é preciso ter outras políticas públicas e reconstruir o Estado brasileiro.

Também precisamos voltar a centralidade para as infâncias e juventudes, em uma perspectiva humanizadora, democrática para a agenda da educação pública. Como dizia Anísio Teixeira, a escola é uma fábrica de fazer democracia, um espaço da convivência democrática, onde se cultiva o respeito ao outro, onde se humaniza porque aprende a conviver com as diferenças. Se queremos construir um outro Brasil, mais justo, mais digno, a educação é o elemento estratégico para a nossa emancipação.

CR: Como garantir que os estudantes, familiares e comunidades escolares estejam representadas neste projeto de educação e qual a importância de garantir isso? 

ME: É importante porque precisamos de uma escuta cuidadosa para enfrentar os desafios que estão colocados, que são muito distintos. Escolas do campo, indígenas e quilombolas, por exemplo, que foram completamente abandonadas pelo governo que aí está, têm suas especificidades. 

Precisamos retomar, tanto no nível dos sistemas do MEC quanto nas creches e escolas, a participação das famílias e estudantes. É estabelecer mecanismos de participação popular, valorizar e promover os conselhos escolares, a participação das famílias nos processos educativos, na avaliação dos programas, e construir projetos pedagógicos que dialoguem com os territórios e as famílias. 

CR: No Congresso Nacional, quais devem ser as pautas prioritárias em debate? Há pautas de outras áreas que também podem impactar a educação?

ME: A PEC da Transição é importante porque ela resguarda um programa de transferência de renda, que não é só transferência de renda. O Bolsa Família associa condicionalidades, como frequência escolar e seu monitoramento, que as crianças estejam com sua vacinação em dia, que não estejam sendo exploradas do ponto de vista do trabalho infantil. 

Também temos a regulamentação do Sistema Nacional de Educação, que é determinante para o desenvolvimento da Educação Básica no país, porque ele vai organizar e garantir as devidas responsabilidades aos entes federados e dizer como se dará esse regime de colaboração.

A Lei de Cotas, que completará 10 anos em 2023, também precisa ser tratada por esse novo Congresso Nacional. Ela não fala em terminalidade, mas em processo de avaliação. 

“A guerra é sobre o Orçamento: se ele deve servir ao conjunto da população ou a apenas alguns poucos beneficiados”, analisa Macaé

Há, ainda, outras pautas que são inventadas para deslocar o foco efetivo da agenda educacional, porque os defensores do Escola Sem Partido e da educação domiciliar foram os mesmos que aprovaram o Teto de Gastos, que congelou investimentos em educação por 20 anos. 

Em um país que ao longo do século 20, após mais de três séculos de escravatura, não garantiu a educação para todos e todas, essas são pautas elitistas, segregacionista, que atendem a interesses patrimonialistas de elites e grupos que sempre dominaram todo o Orçamento público. A guerra é sobre o Orçamento: se ele deve servir ao conjunto da população ou a apenas alguns poucos beneficiados.

CR: Nos últimos anos, professores(as), estudantes, escolas e redes resistiram e lutaram pela garantia de direitos e promoveram verdadeiras transformações em suas realidades, sobretudo durante o contexto da pandemia. Pode citar alguns exemplos e comentar como essa potência pode ser fortalecida no ano que vem?

ME: Tivemos iniciativas interessantes e populares, vimos comunidades e escolas se organizando para garantir o devido distanciamento durante a pandemia, na conscientização do uso de máscara, para garantir alimentação. 

Vimos na televisão professores que se organizaram e se paramentaram para ir ver os estudantes, para dar um abraço neles. Teve uma cena que me comoveu profundamente, em que uma professora colocou um varal com as atividades escolares na porta da escola para que as crianças pudessem passar por ali e buscar suas atividades. 

Muitos educadores tiveram que arcar do próprio bolso com internet e equipamentos, porque não tivemos nenhuma política para a escola pública, por parte do governo federal, para ampliar a inclusão digital. A iniciativa do Congresso Nacional, inclusive, foi vetada pelo Bolsonaro.

Ainda tem muito a ser feito, as condições de vida tem produzido evasão escolar, e é preciso que se atente para isso, que se reforce as políticas de proteção social para garantir condições objetivas para que crianças permaneçam na escola. 

Temos que ler um pouco tudo isso que aconteceu. Temos pesquisas que tratam disso, redes e sindicatos, conselhos de educação e parlamentares que se organizaram para estudar o que estava acontecendo na pandemia. Não podemos fazer de conta que nada aconteceu.

Por um sistema de avaliação que fortaleça a Educação Integral e transformadora

As plataformas da Cidade Escola Aprendiz utilizam cookies e tecnologias semelhantes, como explicado em nossa Política de Privacidade, para recomendar conteúdo e publicidade.
Ao navegar por nosso conteúdo, o usuário aceita tais condições.