publicado dia 12/04/2022

A importância de um olhar atento aos estudantes com deficiência na volta presencial

Reportagem:

Estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação estão na linha de frente dos que mais sofreram com os impactos da pandemia, do fechamento das escolas e da falta de acesso às atividades pedagógicas remotas e, agora, na volta presencial, correm o risco de serem excluídos da escola uma vez mais.

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Parte disso se deve ao fato de que muitos dos estudantes com deficiência têm possibilidade de agravamento da Covid-19 acentuada e mais dificuldade de compreender e cumprir os protocolos sanitários, daí o maior cuidado das famílias e educadores no retorno dessas crianças e adolescentes para a escola. “Tudo isso são desafios para esse público, mas devem ser garantidas as condições para que elas possam retornar”, diz Maria Antônia Goulart, fundadora e coordenadora-geral do Movimento Down.

Atualmente, os educadores já foram vacinados com três doses e as crianças com deficiência têm preferência na fila para receber a segunda dose. Além disso, é fundamental que as escolas redobrem a atenção ao cumprimento dos protocolos de biossegurança sanitária e trabalhem de maneira intersetorial com a Saúde.

“A volta dos estudantes com deficiência para a escola passa a ser ainda mais urgente considerando a constante que temos visto pelo Brasil de que eles não foram atendidos durante a pandemia, com raríssimas exceções, muitos ainda não retornaram para escola, e que o impacto do isolamento e da solidão foi maior para elas do que para as crianças típicas”, explica Maria Antônia, que também reforça a necessidade de realizar a busca ativa desses estudantes e garantir que eles tenham condições de permanecer estudando.

Vale ressaltar que, nessa volta presencial, os estudantes com deficiência têm direito a frequentar escolas e salas comuns, uma garantia que foi ameaçada pela Nova Política Nacional de Educação Especial, aprovada em setembro de 2020 pelo governo Bolsonaro, e que incentivava a matrícula de estudantes com deficiência em escolas e classes especializadas. A política foi duramente criticada por especialistas que a definiam como segregadora e inconstitucional e, em dezembro do mesmo ano, foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Eu não gosto de divisão de alunos, é um preconceito achar que a criança com deficiência não pode ficar junto com as outras. Elas precisam de um apoio, não ser afastadas do meio social. Acho que rotula e coloca limites no futuro delas”, diz Viviane Dionízio de Souza, mãe de Davi, um estudante com deficiência que está no 2° ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Conselheiro Pena (MG).

“Falam em geração perdida, em acelerar e recuperar aprendizagens, e é esse tipo de visão que vai excluir quem sempre é excluído primeiro”, alerta Luiz Conceição, coordenador de formação do Instituto Rodrigo Mendes.

De volta à escola, a forma como o trabalho pedagógico é conduzido pode ser determinante para excluir os estudantes da escola ou garantir seus direitos. Regidas por uma educação bancária, como definiu Paulo Freire, muitas escolas encaram a pandemia como um período em que ficaram sem “depositar” conhecimentos nas crianças e adolescentes e, portanto, agora estariam em alguma espécie de dívida. 

“Falam em geração perdida, em acelerar e recuperar aprendizagens, e é esse tipo de visão que vai excluir quem sempre é excluído primeiro: os estudantes com deficiência e os pobres, principalmente os que não tiveram acesso ao ensino remoto”, alerta Luiz Conceição, coordenador de formação do Instituto Rodrigo Mendes (IRM). 

Por isso o acolhimento é, agora, a parte mais importante do trabalho, tendo em vista integrar ao currículo as perdas, vivências, aprendizagens e questões que as crianças e adolescentes tiveram durante a pandemia, olhando para esses sujeitos de maneira integral. “É tempo de se reconectar com o outro”, diz Maria Antônia.

Essa era a expectativa de Viviane e de Davi para o retorno à escola: um acolhimento, brincadeiras e atividades mão na massa e o estímulo e readaptação ao convívio entre as crianças. “Mas não fizeram nada disso e o meu filho, que antes gostava de correr e brincar, que estava animado para voltar, agora não quer mais ir para escola”, lamenta Viviane. 

Já em relação às aprendizagens propriamente ditas, os especialistas recomendam começar por um diagnóstico completo dos estudantes, preferencialmente de forma processual e por meio de rodas de conversa, oficinas e outras atividades que não envolvam uma prova escrita formal, que tende a pressionar as crianças e adolescentes e avaliar só uma dimensão de suas habilidades.

“Todo professor faz esse trabalho desde sempre, então é planejar como organizar, priorizar e oferecer esse conteúdo, considerando que aprendizagem é um processo longo, em que a qualidade deve ser privilegiada”, afirma Luiz.

Já Maria Antônia indica a possibilidade de fazer planos educacionais individualizados a partir do diagnóstico e do que está sendo ofertado para a turma como um todo, adequando o material ou a estratégia pedagógica, e a alternância entre os formatos de trabalho em grupo e individual.

“Neste trabalho, a escola não pode, principalmente, perder de vista seu papel: formar cidadãos autônomos, que vão aprendendo a lidar com a realidade externa e a conviver uns com os outros”, pontua Luiz.

O Censo Escolar, conforme anunciado pelo Inep, deixou de oferecer informações mais detalhadas sobre os estudantes. Assim, não teremos mais dados sobre as categorias de deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação e não é possível aferir em quais etapas, modalidades, salas e escolas comuns ou exclusivas os estudantes da educação especial estão incluídos. Saiba mais sobre por que a exclusão de dados do Censo Escolar é um problema.

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