publicado dia 06/07/2020

Pandemia demanda ação intersetorial para conter exclusão e evasão escolar

Reportagem:

No Brasil, 1,7 milhão de crianças e adolescentes não estão matriculados em escolas, e 6,4 milhões têm 2 ou mais anos de atraso escolar, segundo dados do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Essa realidade, já desafiadora, pode ser agravada por causa do fechamento das escolas, em decorrência da pandemia de Coronavírus, e dependendo de como o retorno às aulas presenciais for conduzido.

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Na tentativa de atenuar os impactos desse cenário, muitas redes já estão trabalhando para manter algum vínculo com os estudantes. “Quanto mais tempo afastados da escola, sem acesso à aprendizagem, maior é a chance de evasão”, explica Julia Ribeiro, oficial de Educação do UNICEF. 

Assim, a especialista recomenda não medir esforços para alcançar a todos, lançando mão de recursos como a internet, a TV aberta, materiais impressos e rádios públicas. Igualmente importante é manter um mapeamento de quais estudantes matriculados têm acesso a um desses canais, e quais estão conseguindo realizar as atividades, e com que frequência. 

Os dados serão úteis para um segundo momento, quando estados e municípios definirem os protocolos de segurança e propuserem uma data para reabertura das escolas. A partir dessas informações, professores podem planejar as melhores maneiras de promover o acolhimentos dos estudantes, e as estratégias para reorganização do calendário letivo e medidas diagnósticas que levem em conta as desigualdades sociais e de aprendizagem das turmas. 

A questão da reprovação

A distorção idade-série é outro fator que pode ser agravado durante e após a pandemia. “Os alunos que repetem de ano começam a ficar desmotivados, e vão se tornando multirrepetentes, até começarem a acreditar que a escola não é para eles, e desistir. Por isso deveríamos seguir o que fizeram outros países, proibindo a reprovação, a não ser que seja por frequência”, explica Cleuza Repulho, pedagoga e ex-presidente da Undime, lembrando que existem estratégias para garantir as aprendizagens sem precisar reprovar estudantes. “O ano letivo não está perdido.”

Ela explica que, para tanto, é preciso planejar calendários, diagnósticos e propostas diferentes para alunos que tiveram ou não acesso a conteúdos durante o isolamento social. Isso evita que os estudantes se sintam desestimulados e tenham dificuldades de aprendizagem, ou até sejam penalizados por isso, com avaliações que possam levar à reprovação. 

“O fundamental é garantir o direito à educação, que não é um privilégio, é algo básico. Para isso, algumas redes vão juntar o ano letivo de 2020 ao de 2021 no mesmo ciclo, para evitar sobrecarga neste segundo semestre, por exemplo. Lembrando que não podemos deixar de lado a implementação da Base”, afirma Cleuza, reforçando que para que tudo isso possa ser feito, em primeiro lugar é preciso acolher os professores, estudantes e suas famílias.

E os estudantes que não retornarem?

Se esgotados todos os esforços para alcançar as crianças e adolescentes de forma remota durante a pandemia, e elas não retornarem às aulas presenciais quando for possível, é porque é hora de uma intervenção intersetorial. Julia Ribeiro, do UNICEF, recomenda que as redes promovam uma busca ativa de seus estudantes, para entender o motivo de não terem voltado para a escola.

Em geral, o que leva à exclusão escolar são questões ligadas à oferta de conteúdos descontextualizados da realidades dos estudantes, o atraso escolar, a falta de valorização dos professores, a ausência de acessibilidade para alunos com deficiência, infraestrutura e transporte escolar precários e a necessidade de fortalecer políticas públicas ligadas a esses pontos, e à inclusão escolar. 

Há ainda um outro grupo de motivos que podem levar à evasão: racismo, homofobia, bullying, gravidez, trabalho infantil, pobreza, violência e exploração sexual. Estes últimos quatro tópicos, sobretudo, merecem uma atenção especial no contexto da pandemia.

“A pandemia agravou a vulnerabilidade socioeconômica de muitas famílias, e as redes podem encontrar muitos casos de evasão, com crianças e adolescentes expostos a violências diversas e ao trabalho infantil. Mas estas são questões que não podem ser resolvidas pela escola sozinha”, diz Julia Ribeiro.

Assim, seria necessário acionar outros setores do serviço público, como a Saúde e a Assistência Social. “A matrícula é o primeiro passo, mas para garantir todos os direitos das crianças e adolescentes para que possam permanecer na escola, é preciso todo um  conjunto de ações. E agora, mais do que nunca, esses setores precisam estar alertas e atuantes para reduzirmos os impactos da pandemia”, afirma Julia. 

Sobre a Busca Ativa Escolar

A Busca Ativa Escolar foi desenvolvida há 3 anos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas). 

Trata-se de uma plataforma gratuita para ajudar os municípios a combater a exclusão escolar, reunindo representantes de diferentes áreas – Educação, Saúde, Assistência Social, Planejamento. A ferramenta já está presente em mais de 3,100 municípios, e em 16 estados.

Há também o curso autoformativo Busca Ativa Escolar na Prática, que também é gratuito e tem por objetivo apoiar municípios e estados na implementação da estratégia.

Confira um debate virtual sobre exclusão escolar:

A relação entre trabalho infantil e evasão escolar

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