publicado dia 03/08/2017
Por que o Novo Mais Educação não dialoga com a educação integral
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 03/08/2017
Reportagem: Ingrid Matuoka
Lançado em 2016 pelo Ministério da Educação (MEC), o programa Novo Mais Educação entrou em vigor neste ano. O primeiro trecho da portaria nº 1.144/2016, que permitiu sua criação, resume seu objetivo como “melhorar a aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática no Ensino Fundamental”.
Ainda de acordo com a portaria, o programa deve dar prioridade a alunos que tenham mais dificuldades de aprendizagem e escolas com baixos indicadores educacionais.
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O Novo Mais Educação é um desdobramento do programa Mais Educação (PME), que vigorou entre 2007 e 2016 e foi um dos maiores do Brasil em alcance e recursos. Embora ambos sejam planos de ampliação da jornada escolar e haja certa continuidade entre eles, a concepção de educação que trazem é divergente.
O PME, criado em 2007, tinha como intuito “contribuir para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, de projetos e de programas do Governo Federal e suas contribuições às propostas, visões e práticas curriculares das redes públicas de ensino e das escolas, alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos e conteúdos educativos”.
O Novo Mais Educação, por sua vez, concentra-se na aprendizagem das duas disciplinas.
Patricia Moulin Mendonça, professora que estudou o PME em seu doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais, critica essa alteração de argumento. “O objetivo não é mais ampliar conhecimentos, mas estender a jornada para aprender mais do mesmo, algo que os colégios já fazem e não dá certo. É uma visão muito escolarizada do conhecimento e que reduz drasticamente a função da instituição”.
“O objetivo não é mais ampliar conhecimentos, mas estender a jornada para aprender mais do mesmo”, aponta a professora Patrícia Mendonça
A pesquisadora explica que, por outro lado, o PME ampliava as oportunidades de aprendizagem. “A visão apresentada [pelo Mais Educação] é a de que a escola não é o único lugar de aprender, que não se aprende sozinho, que se aprende com diversas linguagens e em diversos espaços. A ampliação do tempo vincula-se a uma ampliação do território e dos saberes”.
A coordenadora de projetos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Guillermina Garcia, também chama a atenção para o foco dado às 5 horas semanais adicionais das escolas que optarem pelo programa.
“O reforço escolar pode ser importante e bem feito, mas nem sempre é isso que as crianças precisam. Outro ponto é que voltam a colocar as demais atividades como ‘complementares’, inclusive, pela remuneração inferior dedicada a esses facilitadores, algo que não acontecia no PME”, explica Guillermina.
Outra diferença fundamental entre eles é que no programa original havia preocupação com “a afirmação da cultura dos direitos humanos, estruturada na diversidade, na promoção da equidade étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política e de nacionalidade, por meio da inserção da temática dos direitos humanos na formação de professores, nos currículos e no desenvolvimento de materiais didáticos”. O Novo Mais Educação não faz nenhuma menção a estas questões.
“Desaparece o cerne da educação, que são os sujeitos, saberes e territórios”, afirma a professora Lucia Álvares Pedreira, da Universidade do Estado da Bahia.
Para Patricia Mendonça, essa reestruturação do programa reflete um retrocesso da sociedade brasileira como um todo. “Trata-se de uma visão que não reconhece o estudante como sujeito de direito e seu protagonismo. Essa lógica neoliberal e de mercado sempre esteve em disputa no MEC, mas o que está acontecendo hoje é que ela é hegemônica e não há espaço para debate ou negociação”.
Outros objetivos do Novo Mais Educação são reduzir o abandono escolar e melhorar os resultados de aprendizagem, por exemplo, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Lucia Pedreira diz que o novo programa é um “reforço escolar, com ênfase na meritocracia, eficiência e em resultado, referendando um paradigma universalista colonial”.
Patricia Mendonça acrescenta ainda que os objetivos não devem ser atingidos. Isto porque o programa não se propõe a investigar por que os alunos não estão aprendendo Língua Portuguesa e Matemática. “Onde está o problema? Quem são estes estudantes que não estão aprendendo? Nenhuma dessas questões está colocada, porque o sujeito desaparece da concepção de educação do Novo Mais Educação”.
Guillermina, do Cenpec, contudo, não perde as esperanças. Ela acredita que muitas escolas já avançaram nas práticas de educação integral em seu projeto político pedagógico, e que elas não devem retroceder. O desafio será estender essa concepção para as que ainda estavam no processo de implementação e as que ainda vão começar.
“Não gosto de pensar que é impossível, porque isso tiraria o papel da comunidade na construção da escola que desejam, bem como o potencial da escola de trabalhar da forma que achar melhor, que faça sentido para o aluno, mas é fato que dificulta muito sem uma política pública que oriente e dê condições, que empobrece o leque de atividades oferecidas e a valorização dos alunos, dos atores e da comunidade”, diz.
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