publicado dia 08/02/2017
Organização de estudantes na sala de aula não deve ser fixa, mas mudar conforme intenção pedagógica
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 08/02/2017
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Um dia, os estudantes estão organizados em U. No outro, com as carteiras agrupadas. Também não são raras as vezes em que eles fazem suas leituras deitados sobre o jardim do Museu Histórico Abílio Barreto, vizinho à escola. A regra das aulas de Língua Portuguesa e Literatura da professora Andrea Zica, docente do Instituto Casa Viva, em Belo Horizonte, é não ter regra em relação à organização da sala de aula.
“A dinâmica da aula se dá em função da minha intencionalidade pedagógica”, explica a educadora que chega a trabalhar com cinco arranjos diferentes de sala de aula por semana, todos previamente pactuados com os estudantes.
Entender a sala de aula como um local flexível é um dos primeiros passos para se pensar a diversificação das práticas pedagógicas. A mudança, no entanto, não deve acontecer de forma isolada e precisa estar inserida dentro de uma proposta política e pedagógica. “É fundamental que antes de pensar os espaços se discuta a concepção de educação colocada, bem como o que se pretende com os sujeitos ali presentes”, considera a professora Sandra Caldeira, mestre e doutora em História da Educação.
Isso porque a disposição da sala de aula e dos demais espaços educativos pode chancelar ou refutar uma proposta pedagógica. A disposição das carteiras, por exemplo, é um dos aspectos mais visíveis. “O modelo das cadeiras enfileiradas aponta para uma educação centralizada no professor, que o coloca na posição de detentor do conhecimento e direciona todos olhos e corpos a ele”, comenta Andrea Zica.
Em sua leitura, essa estrutura não atende às propostas educativas dialógicas, em que o professor se apresenta como mediador do conhecimento. “Nesse caso, espera-se que o professor saia desse lugar central e busque integrar-se ao grupo dos estudantes”, observa.
Outro ponto a se considerar é o tipo de relação que se espera que os estudantes construam com os objetos de conhecimento. Aqui, podem valer propostas em contextos individuais ou coletivos. “Tem momento que é necessário que eles estejam sozinhos frente ao conhecimento, caso de atividades que pedem uma concentração maior ou que demandam que os alunos identifiquem seu próprio grau de aprendizagem; mas também há situações em que trabalhar com o outro é fundamental para que essa relação se estabeleça; ou ainda que o professor seja fundamental na dinâmica”, considera Andrea.
Na prática
Para escolher entre os arranjos possíveis, é preciso estar atento ao tipo de característica que cada um deles pode atribuir ao momento da atividade:
Em fileiras: a organização, mais comumente utilizada, atende às propostas pedagógicas centradas no professor. Andrea, por exemplo, descarta esse modelo em sua condução. “Ela impede o contato com o outro, interdita o olhar e condena a uma relação solitária com o conhecimento”, coloca.
Em U: a dinâmica pode ser utilizada quando a interação do professor ainda se faz necessária; aos estudantes, por outro lado, permite mais interação e possibilidades de trocas durante a aprendizagem. Pode ser utilizada na condução de atividades individuais, que prezam por contextos coletivos.
Em roda ou círculo: essa organização se aproxima mais das propostas educativas dialógicas, sobretudo as que entendem o professor como mediador da aprendizagem. Nela, o docente deixa seu lugar de destaque e passa a compor com o grupo dos estudantes. Outra alternativa é organizar a roda ou o círculo no chão da sala de aula ou qualquer outro espaço para que os estudantes vivenciem outras dinâmicas corporais.
Em grupos: As carteiras podem ser agrupadas quando a atividade se centra no debate e produção coletiva. Na sala de aula, essa organização permite ao professor ter um olhar mais atento do todo e inclusive caminhar entre os grupos, fazendo interferências ou orientações durante a atividade.
A educadora reforça que nenhum arranjo deve ser validado como o mais importante sem que haja uma experimentação por parte da escola, que também tem o papel de descartá-lo, quando necessário. “Cada grupo é um encontro de pessoas, o que imprime características diferentes. Estar com o outro é uma aprendizagem constante, que muda o tempo todo”, reconhece.
Para a educadora Sandra Caldeira, repensar as dinâmicas da sala de aula e dos espaços educativos é uma forma de romper com um importante paradigma educacional. “A vida é movimento e o que fazemos é colocar esses estudantes sentados desde muito cedo, “segregando” a cabeça do corpo, privado de movimento. Precisamos produzir referências mais integrais, que trabalhem a razão em sintonia com a emoção desses alunos”, coloca, mencionando um dos principais desafios das escolas.
Andrea concorda e opina que a educação tradicional exige das infâncias e das juventudes uma presença “artificial” do corpo. “Quando você tira a cadeira, esse corpo vai se mostra de uma maneira diferente”, observa a educadora.
Nesse sentido, a arquiteta, urbanista, pesquisadora e diretora do atelier Cenários Pedagógicos, Beatriz Goulart, aposta no uso de mobiliários modulares e mais flexíveis. “Quanto mais essas peças forem leves, desmontáveis, mais fácil fica propor essas mudanças”.
Ela também reconhece que esses processos de mudança nem sempre são fáceis, “afinal, estamos propondo mexer numa estrutura que foi feita para ficar para sempre”, coloca se referindo ao modelo da sala de aula. No entanto, acredita que a customização pode ser uma boa saída a esses ambientes.
Para além dos espaços
Repensar a disposição e utilização dos espaços não precisa se encerrar nas dependências escolares. As especialistas acreditam que o território no qual a escola está inserida também precisa ser levado em conta. Para elas, tão importante quanto a disponibilidade para repensar arranjos internos é a disposição da escola de entender a circulação e acesso pela cidade como um direito fundamental dos estudantes. Cabe à escola, então, propor utilizações de espaços públicos, como parques e praças, e demais equipamentos, como museus e casas de cultura, dentro do seu arranjo curricular.
“É importante fazer um reconhecimento do local, conversar com as pessoas que frequentam e pensar modos diferenciados de abordagem, sempre tendo em vista os interesses e as fases do desenvolvimento dos estudantes”, elenca Sandra.